Texto escrito por José de Souza Castro:
O mundo em geral e o Brasil em particular avançaram muito desde 1973 em muitos aspectos, apesar de recuos recentes, como mostramos aqui,
ou não tão recentes, como os longos anos da última ditadura militar que
alguns malucos ou mal informados gostariam de ter de volta em nosso
país.
O avanço que mais se destaca, no momento, foi provocado pela última
tragédia norte-americana, na madrugada de domingo passado, quando um
atirador matou 49 pessoas em Orlando, na Flórida, dentro uma boate gay, a
Pulse.
Em tempo: o avanço não é o massacre, mas a reação do mundo a ele. Tão
ágil quanto o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, o presidente
brasileiro em exercício, Michel Temer,
no próprio domingo, se manifestou deste modo: “Quero lamentar
enormemente a tragédia nos Estados Unidos que vitimou dezenas de
norte-americanos. Expresso a solidariedade brasileira às famílias das
vítimas desse atentado”. Ele não fez qualquer referência à preferência
sexual das vítimas.
Bem diferente do que se viu, em 1973, quando o UpStairs Lounge, bar
frequentado por gays, foi atacado por um incendiário em New Orleans, e
os políticos e as próprias famílias das vítimas preferiram se calar a
respeito.
É o que lembra Liam Stack, do “New York Times”, em artigo publicado
na terça-feira e republicado no dia seguinte pela “Folha de S.Paulo”,
traduzido por Clara Allain.
Nessa tragédia quase esquecida, não morreram tantas pessoas. Mas
quando bombeiros extinguiram o incêndio, encontraram uma pilha de corpos
carbonizados. Algumas das pessoas estavam abraçadas. Outras,
pressionadas contra as janelas, entre elas o pastor Bill Larson, da
igreja Metropolitan Community, que apoiava a comunidade LGBT e
acompanhava um grupo de fiéis no UpStairs Lounge, depois do serviço
religioso.
A mãe do pastor se recusou a buscar as cinzas dele, “porque ficou
envergonhada demais por ter um filho gay”, disse Robert L. Camina, o
diretor de um documentário sobre o incêndio. Segundo ele, esse foi
apenas um exemplo: “Três outras pessoas nunca chegaram a ser
identificadas. Por quê? Alguém deve ter dado pela falta delas.” Conforme
o documentarista, o pastor foi um dos muitos que morreram no lugar sem
nunca terem revelado sua homossexualidade às famílias.
Não se falava, então, em orgulho gay. As vítimas, abandonadas pelas
famílias, foram sepultadas dentro de um saco em túmulos não
identificados, num cemitério de indigentes. O prefeito de New Orleans,
Moon Landrieu, não cancelou suas férias por causa da tragédia. Quarenta
anos mais tarde, a situação era outra: um filho dele, Mitch Landrieu,
declarou um dia de luto público pelas vítimas do incêndio no aniversário
da matança. A reportagem do “The New York Times” pode ser lida AQUI ou na tradução AQUI.
O prefeito Mitch sabia, em 2013, que tratar com o respeito devido aos gays rende votos. Como sabem os senadores brasileiros que aprovaram na terça-feira um voto de solidariedade ao povo norte-americano e à comunidade LGBT pelo atentado ocorrido na boate gay em Orlando.
A tragédia em Orlando tem consequências. Uma delas, o reforço ao
ataque contra o Estado Islâmico (EI) por causa da perseguição aos gays. Diz a BBC Brasil
que, “apenas entre janeiro e julho de 2015, o EI diz ter matado 23 gays
em áreas controladas pelo grupo na Síria e no Iraque. Mas ativistas
dizem que o número pode ser mais alto.”
Ao longo da história, os gays quase sempre foram perseguidos por
motivos religiosos e morais. E muitos ainda os tratam como caso de
polícia ou médico/psiquiatra. Não por acaso, em abril do ano passado, um
deputado federal, o pastor Marco Feliciano, da Assembleia de Deus, que
se diz ex-gay, começou uma campanha em favor da chamada “cura gay”.
Felizmente, aos poucos isso vai caindo no ridículo. Se tivesse nascido hoje e não em 1854, o autor de “O Retrato de Dorian Gray”, Oscar Wilde, não seria condenado a dois anos de prisão com trabalho forçado por sua homossexualidade.
Outra possível consequência do massacre de Orlando seria o
acirramento do debate, nos Estados Unidos, sobre a venda de armas. A
primeira reação, porém, é desanimadora: “O balcão da loja de armas Oak
Ridge, em Orlando, na Flórida, estava cheio na manhã desta terça”, constatou o enviado especial da “Folha de S.Paulo”, Marcelo Ninio.
Ou seja, o mundo avançou muito desde 1973, mas continua maluco.
(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/06/16/massacre-orlando/#more-12684)
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