Mesmo em dificuldades financeiras, empresa obtém conquistas
operacionais expressivas. Mas seu presidente adota medidas que podem
inviabilizá-la, aproveitando-se do silêncio da mídia e da distração da
sociedade
Por Paulo Kliass, na Carta Maior
Em um país que costuma apagar rapidamente eventos históricos
importantes de sua memória coletiva, nunca é demais recuperar fatos
carregados de significado. Tanto mais pelo simples fato de que, muitas
vezes, tendem a se repetir por aqui ensaios esfarrapados, como se fossem
a maior novidade da face da Terra.
Refiro-me, no caso, a todo esse carnaval
que vem sendo feito em torno da tentativa de desmonte que o governo
Temer está tentando patrocinar em cima de uma das maiores conquistas do
povo brasileiro ao longo das últimas décadas – a Petrobrás. A blindagem
dos meios de comunicação em torno de críticas às opções de política
econômica se completa com a construção de uma narrativa, segundo a qual a
equipe é formada de indivíduos de elevada competência técnica e
profissional. E o mesmo fenômeno se dá com o Pedro Parente, o indicado
para a presidência da nossa petroleira. Tudo na base da torcida e do
embalo do “agora, vai!”.
Ocorre que, durante o governo FHC, já
havia sido encaminhada uma série de medidas com o mesmo objetivo de
hoje: preparar o pacote para viabilizar a privatização da empresa. Em
1999, por exemplo, o governo tucano preparou o lançamento de ações do grupo para serem negociadas na Bolsa de Nova York.
Tal iniciativa nos era vendida como mais um importante passo para a
nossa aceitação no glorioso mundo das finanças internacionais. O pequeno
detalhe – para além de todas as demais implicações perigosas de
natureza política, financeira e econômica – residia no fato de que a
empresa estaria sujeita às chantagens e demandas judiciais no universo
do financismo ianque e globalizado.
No ano seguinte, outra importante decisão
foi tomada com relação à empresa. No pior/melhor estilo de submissão ao
“glamour” do ambiente determinado pelos interesses do capital
internacional, a equipe de FHC resolveu que o nome do grupo era, digamos
assim, por demais brasileiro. Assim, dando seguimento ao caminho
definido pelo complexo de vira-lata, ele deveria ser alterado para uma referência mais internacional: Petrobrax.
O então presidente Reichstul dá início a essa complexa e custosa
operação, que deveria sair por US$ 50 milhões apenas para a mudança da
logomarca. Estávamos em dezembro de 2000, articulou-se uma inédita
resistência política entre o Natal e Ano Novo e o processo terminou não
se consumando. A empresa se manteve perante o mundo com o nome pelo qual
sempre fora conhecida.
Dezesseis anos depois, a coisa tenta se
repetir. Aproveitando-se da crise de imagem e das inegáveis dificuldades
conjunturais enfrentadas pela Petrobrás em função da Operação Lava
Jato, o financismo prepara-se para mais uma tentativa de bote. O atual
presidente tucano da empresa arvora-se direitos imperiais e começa a
decidir isoladamente a respeito do futuro do conglomerado estatal. Vale
lembra que todas as vezes em que o PSDB ensaiou colocar o tema da
privatização da Petrobrás na pauta de disputa eleitoral, foi
fragorosamente derrotado nas urnas. Assim, torna-se bastante
compreensível que tenha se aproveitado do subterfúgio de chegar ao poder
pela via do golpe para implementar tal estratégia.
Dessa forma, Parente decidiu que não
interessa mais à empresa a participação em áreas estratégicas, a exemplo
de biocombustíveis, distribuição de GLP (gás de cozinha), produção de
fertilizantes e petroquímica. De acordo com o novo plano de negócio
divulgado há poucos dias, a Petrobrás deveria se voltar exclusivamente
para a simples exploração de óleo e gás, justamente o tipo de atividade
que gera menos valor agregado. Reproduzimos aqui o velho esquema
neo-colonialista de produtor/explorador de “commodities” na periferia,
ao passo que as atividades mais estratégicas ficam para os países do
centro do mundo.
Além disso, a orientação estabelecida por
Parente para os próximos anos é de “desinvestimento”, termo charmoso do
financês que significa nada mais, nada menos que a privatização de
ativos (empresas) existentes no grupo e a retirada estratégica do
crescimento previsto em áreas nobres do setor. Sob o argumento falacioso
de que a Petrobrás estaria “quebrada”, não restaria outra alternativa
do que a venda de seu patrimônio para solucionar problemas de
endividamento.
No mais típico estilo monárquico do
“Estado sou eu”, Parente resolveu que o Brasil não precisa de uma
Petrobrás tão forte e influente. E ponto final. Como se não bastasse
esse tipo de postura autoritária e antidemocrática, ele também decidiu
que os programas de conteúdo nacional tampouco são benéficos ao país e à
empresa. Assim vai sugerir mudança na legislação e abrir
escancaradamente a possibilidade de importação dos componentes dos
núcleos de alta tecnologia exigidos no processo operacional produtivo.
Ora, se há problemas de fornecimento no modelo atual, o estímulo deve
ser na direção de melhor capacitar a indústria nacional para tal missão e
não abrir esse precioso mercado para a China e demais países.
Esse é um dos aspectos do verdadeiro
desmonte que se pretende impor, sem que nossa população seja sequer
consultada a esse respeito. Há uma enorme confusão entre as perdas
derivadas dos efeitos da Operação Lava Jato e a situação real da maior
empresa petrolífera do País. A Petrobrás continua sendo uma das maiores e
mais importantes empresas petrolíferas do mundo. Atualmente ela ocupa a 14ª posição.
E vale a observação de que a grande maioria das empresas que estão à
sua frente são também estatais ligadas a países que possuem níveis
elevados de reservas a serem exploradas. Estão ali no topo da lista
empresas públicas de Arábia Saudita, Noruega, Irã, México, Kuwait, Abu
Dhabi, Rússia, Argélia, Qatar, China, Iraque, Venezuela e outros.
Assim, ao contrário do que pretende nos
enganar o libelo privatista, a maior parte das grandes petroleiras do
planeta é composta de empresas públicas. O blá-blá-blá privatizante não
se sustenta entre os que conhecem minimamente o funcionamento de um
mercado tão específico e complexo como esse. As reservas do Pré Sal são a
garantia plena e segura de que os problemas atuais da Petrobrás podem
ser facilmente solucionados no médio prazo, com a consolidação das
dívidas acumuladas e a urgente retomada dos investimentos. Não é
necessário privatizar para superar a crise. Pelo contrário, recuperar a
Petrobrás é essencial para retomada do crescimento de nossa economia,
tendo em vista sua importante contribuição na formação do investimento
agregado e na manutenção da atividade econômica de forma geral.
A cada semana que passa, são divulgadas novas informações a respeito da produção física da empresa. As últimas estatísticas são relativas ao mês de agosto.
No mês passado batemos novo recorde na produção total de petróleo e gás
no Brasil. Além disso, foi atingido no mês um novo valor máximo na
média diária de exploração de petróleo, com o pico de 2,22 de barris por
dia (bpd).
O que mais impressiona não é exatamente a
intenção privatizante do governo Temer. Afinal isso já era amplamente
esperado, desde o lançamento do documento “Ponte para o Futuro”. Esse
foi o momento em que o PMDB se ofereceu de forma aberta ao mundo
financeiro como uma alternativa confiável para ocupar o Palácio do
Planalto e toda a Esplanada dos Ministérios.
Na verdade, o que chama a atenção é que o
governo tenha nomeado para a presidência da empresa alguém que se
declare tão abertamente a favor da venda da empresa para o capital
privado. Alguém que vai sabotar de forma declarada e explícita a
capacidade de recuperação da Petrobrás e promover o retorno do espírito
que havia sido sepultado no passado. Para nosso desespero, estão por aí
nos rondando os assombros da PETROBRAX.
—
Paulo Kliass é doutor em Economia pela
Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental, carreira do governo federal.
(fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=359509)
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