por Darío Pignotti
Não houve foto, nem reunião, nem encontro
casual entre Barack Obama e Michel Temer na China, apesar das gestões
reservadas para que isso ocorresse. O encontro era tudo o que o flamante
presidente desejava em sua primeira viagem internacional, e concedeu a
essa possibilidade uma extraordinária prioridade: no dia 31 de agosto,
duas horas e meia depois de jurar no Congresso, já havia embarcado rumo à
Cúpula do G20.
Ninguém supõe
que a pressa de Temer era para poder dialogar com o espanhol Mariano
Rajoy, um dos poucos governantes que aceitaram cumprimentá-lo diante das
câmeras – outro dos que ousaram foi o príncipe Mohammed Bin Salman Al
Saud, vice-primeiro-ministro da Arábia Saudita, governada pela dinastia
mais obscurantista do mundo árabe.
Era
tal a importância dada por Temer a esse possível encontro com Obama, no
qual esperava conquistar credenciais perante a comunidade
internacional, que não dissimulou a pressão sobre o Senado para acelerar
impeachment.
Coreografia
Se sabe que os Estados costumam enviar mensagens através das “nuances” da coreografia diplomática.
Não
há dúvidas de que os Estados Unidos apoiou o processo que desembocou na
queda de Dilma Rousseff e na ascensão do ex-presidente ao poder. Uma
série de acontecimentos confirmam essa posição.
Em
março passado, Barack Obama demonstrou seu desinteresse em visitar uma
Dilma entrincheirada diante da ofensiva desestabilizadora. O presidente
estadunidense viajou de Havana a Buenos Aires, sem passar pelo Palácio
do Planalto.
Políticos,
empresários, editores, banqueiros e membros do serviço exterior
entenderam o recado cifrado dessa “não escala” em Brasília: Washington
evitou dar uma mão a um governo e uma democracia agonizantes.
Além
disso, os porta-vozes da Casa Branca, o Departamento de Estado e a
missão norte-americana na OEA (Organização dos Estados Americanos)
repetiam que no Brasil imperava a lei e a “institucionalidade”.
Porém,
apesar do claro apoio dado ao golpe, o que se viu nos últimos dias foi
uma demonstração de reservas (genuínas ou oportunistas) sobre a gestão
pós-democrática.
Repassemos
alguns gestos, coreografias que traduzem essa distância discreta de
Obama para com um presidente sem votos, que enfrenta uma governabilidade
incerta e é caracterizado como parcial ou totalmente golpista pelos
diários New York Times, Le Monde, El País, The Guardian e Der Spiegel –
inclusive pelo Washington Post, que qualificou como “brutal” a repressão
policial contra as dezenas de milhares de manifestantes que exigiam
“Diretas Já” nas recentes marchas.
Na
mesma quarta-feira da derrubada de Rousseff (31/8), quando Temer
assumiu após uma cerimônia de 9 minutos no Congresso Nacional, o
porta-voz do Departamento de Estado, John Kirby, se limitou a dizer que o
impeachment “foi uma decisão do povo brasileiro, que obviamente
respeitamos”. Consultado sobre o envio de algum telegrama de
felicitações ao novo mandatário, Kirby disse que não tinha informação a
esse respeito, e quando perguntaram se Obama se encontraria com seu
colega sul-americano na China, a resposta foi evasiva.
Traduzindo:
já naquele dia, Washington reconheceu de imediato a nova administração,
mas não a incluiu entre as que gozam da sua amizade preferencial. Ou
seja, por enquanto, as novas autoridades de Brasília não estão entre as
mais aplaudidas.
Posteriormente,
durante sua última visita à Ásia como presidente, Obama impulsou uma
intensa agenda de compromissos, que não se limitou às sessões
multilaterais do G20 em Hangzough, visto que manteve reuniões bilaterais
com seus colegas Xi Xiping, da China, e Vladimir Putin, da Rússia.
Também
tirou fotos junto com alguns líderes de países emergentes, como o
mexicano Enrique Peña Nieto, o hindú Amendra Modi e o argentino Mauricio
Macri. Nem uma palavra, nem uma imagem junto com Michel Temer.
Alguém
imagina que Obama evitaria se encontrar com Temer se este chegasse à
China poucos dias depois de ser eleito com 54,5 milhões de votos?
Formulemos a pergunta a partir de outro ângulo Que razões tão
importantes teve Obama para não se encontrar com o recém-assumido
presidente da maior potência latino-americana, um governante que vem
demonstrando sua disposição de se alinhar com os Estados Unidos,
inclusive de se aliar à Aliança do Pacífico e romper com chamados
governos bolivarianos?
A
partir dessas indagações, a propaganda oficial poderá responder que
Obama teve uma agenda cheia no G20, e que a Casa Branca ainda não teve
tempo de dirigir uma nota de congratulações à Brasília. Seriam
argumentos falsos, já que quando o império está interessado em expor
suas simpatias a um governo de fato, o faz de imediato.
Assim
ocorreu em abril de 2002, quando George W. Bush manifestou seu apoio a
Pedro Carmona, após o golpe contra Hugo Chávez, algumas horas depois do
ocorrido, no mesmo dia 11 de abril – dias depois, a pressão das ruas
levou a uma reviravolta e ao retorno de Chávez ao poder.
Diplomacia fotografada
Desde
a histórica foto de Roosevelt, Churchill e Stalin, em 1945 – ou da que
registrou Getúlio Vargas e o mesmo Roosevelt em Natal, vestidos com
trajes brancos, em 1943 – a diplomacia presidencial foi contada através
das imagens carregadas de conotações diplomáticas. Nixon e Médici
posaram para fotos em Washington, em 1971, após uma reunião na Casa
Branca. Aquela reunião, para muitos selou, uma nova fase da ofensiva
anticomunista, precedente do que seria, anos depois, a chamada Operação
Condor.
Em geral, as fotos “de Estado” reportam a boa relação entre sócios políticos, mas essa lei tem suas exceções.
A
de Barack Obama e Vladimir Putin, tomada nesta segunda (5/9), na China,
retrata dos estadistas sérios, olhando nos olhos um do outro, depois do
fracasso da reunião sobre a guerra na Síria. Se diz que o
norte-americano, com esse gesto severo, está lançando uma advertência ao
dirigente russo, que por sua vez parece disposto a lhe dar um golpe de
judô (Putin foi campeão desse esporte). É a imagem de dois adversários
obrigados a negociar, não há simpatia nos rostos do estadunidense e do
russo, como tampouco há entre o presidente colombiano Juan Manuel Santos
e o chefe guerrilheiro Timochenko, das FARC, no aperto de mãos ocorrido
no mês passado, que selou a paz entre dois inimigos, em encontro
mediado pelo presidente cubano Raúl Castro, os três com camisas brancas.
Em
1973, após sofrer a primeira derrota militar da história dos Estados
Unidos, Henry Kissinger não teve outro remédio senão sorrir diante dos
repórteres que registravam seu aperto de mãos com o negociador
vietnamita Le Duc Tho, em Paris. Ambos receberiam o Nobel da paz, prêmio
que o vietnamita rechaçou.
São
exemplos de inimigos que, depois de décadas de batalhas e centenas de
milhares de mortos, se viram obrigados a reconhecer o outro por seu
poder, sua legitimidade ou sua capacidade militar.
Obama, Temer e o legado
No
caso da “não foto” entre Obama e Temer, é impossível formular ou
estabelecer com precisão os motivos que explicam essa decisão. Até
porque ainda não há suficiente informação para construir um cenário
definitivo.
Uma hipótese é
que Obama, realista e pragmático como foi Kissinger e Santos, talvez
duvide do poder real de Temer, e até de sua continuidade no poder até
dezembro de 2018.
Outra hipótese é que, estando a meses de abandonar o poder – e sendo, assim como foi Kissinger, um vencedor do Nobel da Paz –, eles esteja mais preocupado com sua biografia que com as questões imediatas da administração.
Foi
pensando na posteridade que Obama viajou a Cuba, para ser o
protagonista da retomada das relações, além de apoiar paralelamente,
através do secretário de Estado John Kerry, os acordos de paz entre o
Estado colombiano e a guerrilha.
Nesse
contexto, que poderia explicar a sua distância – que não se trata de
uma ruptura, está claro – com Michel Temer, um presidente que, estando
no poder já há quase uma semana só foi reconhecido por um punhado
colegas sul-americanos, e quase sempre com mensagens protocolares.
Outros vizinhos da região, como Venezuela, Bolívia, Equador e Cuba,
repudiaram o “golpe”, enquanto o Uruguai não dissimulou sua preocupação
com a injustiça do processo contra Dilma. Peru e México, cujos governos
comungam com o livre mercado e são parte da Aliança do Pacífico – da
qual Brasília começou a se aproximar desde maio – tampouco mostraram
grande entusiasmo para com os novos ocupantes do Palácio do Planalto.
Em
suma: certamente, em algum momento, Obama acabará se encontrando com
seu homólogo brasileiro, pois as relações bilaterais tendem a se
aprofundar. Mas mesmo que isso ocorra no futuro, a “não foto” na China
permite sustentar que o primeiro presidente negro estadunidense pretende
deixar o poder pensando em seu “legado” para o hemisfério.
Acolher
a Temer de forma calorosa e imediata poderia levar a críticas,
explícitas ou dissimuladas, dos presidentes eleitos da América Latina.
Quase nenhum mandatário eleito parece respaldar a receita dos governos
de fato, mesmo os que são representados por civis.
Tradução: Victor Farinelli
(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Por-que-Obama-evitou-uma-foto-com-Temer-/4/36771)
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