por
Róber Iturriet Avila e João Santos Conceição
História de uma reviravolta: como os mais ricos, que um dia foram
obrigados a contribuir efetivamente com serviços públicos, livraram-se
pouco a pouco, a partir da ditadura
Por Róber Iturriet Avila e João Santos Conceição
Desde as primeiras sistematizações mais acuradas sobre o
funcionamento da economia, ainda no século XVIII, preconiza-se que os
tributos devem ser proporcionais à renda dos indivíduos. Naquela mesma
época, ministros de Estado que propunham tal configuração eram
desalojados de seus postos por forças refratárias a essa perspectiva,
como ocorreu com Anne Robert Jacques Turgot.
No Brasil Império, houve a primeira experiência de um imposto sobre a
renda dos brasileiros. As alíquotas progressivas variavam entre 2% e
10% sobre os rendimentos dos servidores públicos. Somente em 1922, após
amplos debates, a proposta de um real e definitivo imposto sobre a renda
foi aprovada no Congresso Nacional, passando a vigorar em 1923.
O imposto de renda brasileiro nasceu com alíquotas progressivas
relativamente baixas, uma mínima de 0,5% e uma máxima de 8%. Como em
outros países, houve um processo de ampliação da quantidade de alíquotas
e elevação dessas à medida que mais serviços foram absorvidos pelos
Estados nacionais e regionais. Em 1961, o então Presidente Jânio Quadros
modificou a alíquota máxima de 50% para 60% dos rendimentos. Um ano
depois, já no governo de João Goulart, a alíquota máxima subiu para 65%,
alcançando o maior percentual histórico. O tributo contava com 14
faixas de alíquotas progressivas, as quais iniciavam em 3%.
Nos governos militares ocorreu o primeiro aceno para a estagnação e,
posteriormente, para a redução da progressividade tributária. Uma das
medidas desses governos foi a diminuição da alíquota máxima do imposto
de renda concernente às pessoas físicas para 55% e depois para 50% dos
rendimentos. Outra atitude tomada foi a redução de 14 para 12 faixas de
rendas tributadas, número que permaneceu durante a maior parte do regime
militar.
A partir da égide da liberalização financeira, na década de 80,
assentou-se a concepção de que a renda deveria ser tributada
linearmente, ao passo que o capital deveria ser desonerado para atrair
fluxos de investimentos. Tais transformações fizeram os impostos sobre a
renda e sobre o capital caírem drasticamente.
A Constituição de 1988 ampliou o Estado Social, mas as
transformações, do ponto de vista da arrecadação, foram regressivas. Uma
das primeiras mudanças foi a redução de oito para duas faixas de
imposto de renda. Já a alíquota máxima saiu de 45% para 25%.
Antes de 1995, o País tributava os dividendos de forma linear e
exclusivamente na fonte, com uma alíquota de 15%, independentemente do
seu volume. Em 1996, com a aprovação da Lei n.º 9.249, a distribuição
dos lucros e dos dividendos às pessoas físicas passaram a ser isentas.
A divulgação dos dados de imposto de renda ocorrida recentemente
tornou factível a mensuração das disparidades geradas pelo tratamento
diferenciado dos rendimentos. Na medida em que os dividendos são isentos
de impostos, os segmentos de renda mais elevados da sociedade
contribuem proporcionalmente menos ao erário. O gráfico explicita que a
base de rendimentos tributáveis de 2013 passa a cair para os indivíduos
que receberam mais do que três salários mínimos. Inversamente, os
rendimentos isentos passam a se elevar a partir dessa faixa. O pico de
isenção de rendimentos em relação à renda é para quem recebeu entre 240 e
320 salários mínimos (R$ 162.720,00 e R$ 216.960,00). Ficaram imunes de
impostos 68,81% das receitas desses indivíduos.
Como consequência, o imposto devido em relação à renda cresce até a
faixa de quem recebe de 30 a 40 salários mínimos e depois passa a
recuar, conforme explicitado também no gráfico. Os rendimentos isentos
de 2013 alcançaram R$ 636,39 bilhões, sendo R$ 231,30 bilhões referentes
a lucros e dividendos distribuídos, enquanto o imposto devido total de
todos os declarantes foi de R$ 115,24 bilhões, ou seja, abaixo do valor
dos rendimentos isentos. Cabe destacar que as isenções de dividendos
beneficiaram 2,1 milhões de pessoas, dentre elas as 20,9 mil mais ricas
do Brasil (0,01%), que possuem patrimônio médio de R$ 40 milhões e que
pagaram de imposto 1,56% de sua renda total.
Chama atenção também, nas declarações de imposto de renda, o volume
de subsídio existente em relação aos gastos privados com saúde e
educação. No mesmo ano em análise, as despesas declaradas chegaram a R$
69,35 bilhões, 60,18% do imposto devido total, ponderando-se que a
dedução não é integral. Adicionalmente, verifica-se que as alíquotas de
imposto brasileiras são relativamente menores, seja na comparação com os
países desenvolvidos, seja com os demais países da América Latina.
Com a estratificação da contribuição de imposto de renda por faixas
de salário mínimo, fica explícito que as alterações na legislação
tributária auxiliam a consolidar um quadro de elevada concentração de
renda, com destaque para a isenção de impostos sobre os lucros e
dividendos e para o subsídio que o Estado concede aos gastos privados em
saúde e educação às famílias mais ricas do País.
(fonte: http://outraspalavras.net/brasil/injustica-fiscal-a-brasileira-eis-o-grafico-da-desigualdade/)
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