Por Alessandra Nilo, de Nova York
Amanhã, 20 de setembro, mantendo a tradição, caberá ao Brasil o discurso inaugural dos debates na 71ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Desta vez será no mínimo curioso observar o Itamaraty manejando os holofotes globais, considerando o quanto significa o tema da sessão – “Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável [ODS]: um empurrão universal para transformar nosso mundo” – no contexto de um país internamente dividido.
Vale dizer que a partir de amanhã o Brasil, que assumiu uma liderança reconhecida durante as negociações que definiram os ODSs, talvez deva ser visto como “país controverso”, cada vez que a pauta for a implementação de tais objetivos, aprovados há apenas um ano.
É
verdade que alguns países serão ludibriados, que outros seguirão em
silêncio sobre as questões que levaram Temer à Presidência e que para
vários deles isso pouco importará, desde que a “agenda de negócios” se
mantenha. Mas apesar de não ter provas, tenho a convicção de que,
independente da memória curta de conveniência, as diplomatas e os
diplomatas atentos (estrangeiros ou nativos) não esquecerão facilmente
daquele Brasil que durante os últimos anos liderou debates fundamentais
para o desenvolvimento sustentável, defendendo a igualdade gênero, a
diversidade, o multilateralismo, o direito ao desenvolvimento e o
fortalecimento das relações Sul–Sul, apenas para citar algumas áreas. E é
óbvio que a mudança da gestão federal – e da estratégia nacional– já
mina nossa liderança regional e internacional nos processos relativos
aos ODS cujas metas, agora, passarão a nos embaraçar.
Ter Michel Temer abrindo a Assembleia Geral da ONU,
não importa o que contenha o discurso oficial, enviará ao mundo uma
mensagem bem específica: que no Brasil agora ditam as cartas os
defensores da privatização de bens públicos, da flexibilização de
direitos, os que se opõem às tão urgentes reformas política e tributária. Venceram os que concentram riqueza, mas são paupérrimos de visão republicana: atores para os quais pouco importa o soft power
acumulado há décadas por uma política externa balizada na defesa
coerente de pautas nacionais, democráticas, inclusivas e progressistas.
Por isso, não importa o discurso oficial. A mensagem real de Temer será: “apesar de todas as resoluções que o Brasil
já assinou sobre equidade de gênero e orientação sexual, raça e etnia,
saúde e educação, liberdade de expressão, transparência, meio-ambiente,
economia… os tempos são outros”. Nas entrelinhas, a realidade brasileira
será lida sem dificuldades, pois os temas antes ferozmente disputados
no âmbito do governo estão agora, publicamente, superados: nosso corpo
ministerial é só de homens brancos; educação e saúde serão sucateadas no prazo de vinte
anos, manifestações públicas serão reprimidas, direitos trabalhistas,
previdenciários e ambientais serão flexibilizados. As propostas atuais
sobre a mesa já indicam quem “ficará para trás” sem nenhum remorso por
parte daqueles que hoje assinam os cheques e definem as políticas
nacionais.
Assim,
Mr. Temer, ao voltar ao para casa, deixará vários de seus diplomatas em
saias–justas, obrigados a silenciar sobre políticas que, ao invés de
gerarem novos paradigmas de desenvolvimento, nos farão retroceder vinte
anos. Veremos como o Itamaraty justificará o fato de um país
inteiro “ficar para trás” porque sem o tensionamento interno no governo
entre os que pautavam um Estado defensor de direitos, vencem os que
veneram apenas os mercados.
Na ONU, claro, ingênuos inexistem e suas agências
e líderes dificilmente irão à público defender o governo Dilma, tão
problemático e pouco estratégico quanto poderia ser. Mas aqui na 1st
Avenue, onde fica a sede das Nações Unidas entende-se
muito bem que, findadas as disputas por projetos políticos dentro do
governo, substitui-se uma parte preciosa da nossa democracia – que
incluía a luta cotidiana entre pensamentos diferentes e a crença nas
suas instituições – pelo discurso monotônico dos banqueiros, do
agronegócio, dos sexistas e homofóbicos, da economia ortodoxa e
ultrapassada meireliana que ainda crê que a conta deve ser paga pelas
pessoas mais pobres e mais discriminadas.
O
Brasil que amanhã se apresenta na ONU, portanto, chega ainda mais
alijado de direitos básicos como saúde, educação, segurança, paz. E
encontrará interlocutores impregnados de dúvidas, influenciados por
noticiários globais sobre a contínua desmoralização de nossas
lideranças, sobre a corrupção sistêmica, o ódio, violência e o medo que
se alastram sem freios.
É triste, mas é esta mensagem de “insustentabilidade” que ficará cristalina nas entrelinhas do discurso do Brasil. Um país que,
desta vez, abre a Assembleia Geral da ONU enquanto fecha, em casa,
caminhos longamente construídos em prol de um país mais justo – social,
econômica e ambientalmente falando(fonte: http://outraspalavras.net/brasil/triste-papel-de-temer-na-onu/)
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