por André Forastieri - R7
O governo diz que o déficit da Previdência este ano será R$ 149,7
bilhões de reais. É mentira. É uma ficção contábil que tem dois
objetivos: garantir aos bancos e especuladores o pagamento dos juros
mais altos do planeta, e privatizar a previdência no Brasil. Não tem
nada a ver com viabilizar a aposentadoria dos brasileiros no futuro. Nem
com “fechar as contas”. Não se trata de ser a favor ou contra Temer,
não tem nada a ver com Dilma, não é questão partidária. É questão de
matemática. De justiça. E de levarmos a sério o futuro do país.
Primeiro:
não há porque a Previdência “fechar as contas”. É como dizer "a conta
da escola pública não fecha". Ou "a conta de aplicar vacina em bebês não
fecha". Não é para fechar, muito menos para “dar lucro”. A vida das
pessoas não é um negócio. Aposentadoria não é um custo. É um
reinvestimento do imposto na própria sociedade que pagou o imposto.
Investimento no bem-estar dos brasileiros, que deve ser prioritário,
acima de qualquer outro. Com impacto direto na saúde, na educação, na
segurança.
Segundo:
a "reforma" é ineficiente. Se o governo quiser de fato botar as contas
do país no azul, precisa é pagar menos juros e aumentar a arrecadação. O
Brasil pagará mais de R$ 500 bilhões de juros esse ano! Derrubar os
juros deveria ser a prioridade zero deste e qualquer outro governo, mas
sempre encontram uma razão para que eles continuem nas alturas. Quem
sabe é porque nossos governos sempre terceirizam a administração da
economia para funcionários dos bancos, Meirelles, Ilan, Levy etc.
Afinal, são os próprios bancos os maiores credores do governo, e são os
bancos que ficarão com a maior parte desses R$ 500 bilhões.
Quanto
a aumentar a arrecadação, ajudaria bem acabar com tanta desoneração e
tanta sonegação, inclusive os sonegadores da previdência. Ajudaria
cobrar o que as empresas devem para o governo. E aproximar dos padrões
internacionais o imposto de renda e o imposto de herança, e, como se faz
em todo o mundo, taxar os dividendos que as empresas pagam a seus
acionistas. Nossa elite é a menos taxada do planeta.
Terceiro:
o brasileiro normal, os 99% de nós que pouco apitamos, paga imposto pra
caramba. Quanto mais pobre, mais paga, proporcionalmente, porque tudo
que a gente compra embute imposto, do feijão ao remédio à eletricidade,
todos os produtos e todos os serviços. Essa grana deveria ser
reinvestida na própria população, e não em pagar juros e outras tantas
bandalheiras. É imoral Meirelles e companhia dizer que não há dinheiro
pra nossos velhos, quando existe dinheiro para construir estádios
bilionários (que hoje estão apodrecendo), enriquecer empreiteiros
corruptores e toda aquela lista de sujeiras que estamos cansados de
saber.
Quarto:
se aprovada essa lei, todo mundo que tiver o mínimo de condição vai
para a previdência privada. O que o governo vai exigir pra gente se
aposentar vai ser muito difícil de cumprir, e em troco de uma porcaria
de dinheiro na velhice. A economista Denise Gentil, da URFJ, levantou um
número impressionante: entre janeiro e outubro de 2016, os bancos
venderam 21% a mais de planos nos fundos privados. Isso só por causa da
perspectiva de aprovação dessa nova lei. Aprovada, vai gerar um lucro
gigante para os bancos.
Finalmente,
é inútil qualquer mudança na Previdência que não leve em consideração
as projeções para o mercado de trabalho nas próximas décadas. Essa
proposta do governo vai na exata direção contrária do que há de mais
moderno em termos de política social: a Renda Mínima. Ou, como se fala
em inglês, Universal Basic Income, UBI. Trata-se de simplificar a
burocracia e dar dinheiro diretamente para os cidadãos. Em vez de um
monte de programas para combater a pobreza, um chequinho todo mês.
É
a discussão do momento nos círculos mais informados, da direita, da
esquerda, do libertário Vale do Silício à vanguarda futurista-socialista
da Europa. Está sendo testada, de diversas maneiras, em diversos
lugares do mundo. Em vez do governo pegar o imposto que o povo paga, e
emprestar a juro amigo para os empresários "gerarem emprego", a Renda
Mínima ataca o problema direto na veia. Do berço ao túmulo. Uma graninha
garantida que garante sua sobrevivência, e não muito mais que isso.
Quer algum luxo, tem que trabalhar.
A
Terra vai ganhar dois bilhões de pessoas nas próximas três décadas. Com
a tecnologia destruindo empregos no ritmo atual, há quem diga que
metade –metade! – dos empregos que existem hoje não existirão em 2050.
Simplesmente não vai ter gente suficiente na força de trabalho para
bancar os aposentados.
Isso
não precisa ser um problema, e precisa ser uma solução. Se computadores
e máquinas fazem o trabalho, melhor pra gente – SE, e esse se é a
chave, esse ganho de produtividade for dividido de maneira equânime
entre todos nós, e não concentrado nos bolsos dos donos do capital. Eles
não vão abrir mão de lucros cada vez maiores, claro. Se dependesse dos
donos do dinheiro e do poder, não teria sido nem abolida a escravidão,
muito menos existiria voto, salário mínimo etc. e tal.
É
utopia? Bem, o Brasil vai pagar esse ano mais de R$ 500 bilhões em
juros. Se em vez disso, a gente pegasse essa grana e dividisse
igualmente por 205 milhões de brasileiros, cada um levaria R$ 2440 por
ano, uns duzentos reais por mês. Parece pouco? É mais que o Bolsa
Família, que comprovadamente tirou milhões de pessoas da miséria.
Vamos
olhar de outra maneira. O salário médio do brasileiro é menos de dois
mil reais. O salário mínimo é R$ 937. E de cada três aposentados, dois
ganham isso, o mínimo, R$ 937. Então o impacto de um programa de Renda
Mínima como esse seria gigantesco. E seria para todos os brasileiros,
inclusive crianças. Em uma família de quatro pessoas, somaria quase dez
mil reais por ano!
Estamos
muito longe de tomarmos para nós os recursos públicos, que são nossos
por direito? O sábio lá dizia que toda jornada começa com um primeiro
passo. “Direito” não é uma coisa que possa ser dada. Direito é sempre
conquistado, tomado, arrancado na marra. E é seu enquanto você conseguir
defende-lo. Os brasileiros têm pouquíssimos direitos, e o governo de
Michel Temer quer tirar esse pouco que temos. Resistir e derrotar a
proposta de Temer é só o primeiro passo. Avançar para um novo modelo, de
Renda Mínima, é o passo seguinte e necessário.
(Saiba mais sobre os programas internacionais de Renda Básica Universal neste bom artigo da BBC. E para se manter atualizado sobre o assunto, o melhor site, em inglês, é www.basicincome.org).
(fonte: recebido por e-mail)
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