sábado, 18 de março de 2017

O Brasil e o Mercosul perdidos na Era Trump


Por Adhemar S. Mineiro

SEMINÁRIO:
Impactos da eleição de Trump para a América Latina e o Brasil”
29 de Março (4ª-feira), das 9 às 17h
Alamenda Santos, 85 – São Paulo – Metrô Brigadeiro (mapa)
Inscrições aqui
O período mais recente da conjuntura internacional foi marcado por enormes incertezas estratégicas derivadas da posse do novo governo dos EUA, de Donald Trump. Sem conclusão até agora, pois existe naquele país resistência institucional (Parlamento, Judiciário e outras instituições oficiais, inclusive órgãos de informação e segurança) e nas ruas (mulheres, imigrantes, organizações de solidariedade, e outros setores), o novo governo estadunidense marcou suas ações até aqui pela continuidade de uma estratégia de confrontação iniciada ainda no período pré-eleitoral pelo candidato Trump, causadora de enormes turbulências.

Na área específica de relações comerciais, no primeiro dia útil de governo, o Governo Trump, através de decreto presidencial, retira os EUA da Parceria Trans Pacífico (conhecida pela sigla em inglês TPP). O TPP já estava negociado entre os países participantes e em fase de aprovação no nível nacional de cada um dos países, em geral nos Congressos nacionais. Assim, através dessa medida, os EUA inviabilizam o TPP tal qual negociado. Além disso, o governo Trump anunciou que deverá proceder a uma revisão do NAFTA, o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, que envolve EUA, Canadá e México. O acordo em negociação com a União Europeia é colocado em banho-maria pelos dois lados (as negociações de investimento e serviços desse acordo são também complicadas para os europeus, além de terem que administrar o “Brexit” que apareceu pelo meio do caminho) e as negociações plurilaterais de serviços para o TiSA carecem de orientações precisas até aqui.
O início do governo Trump também foi marcado pela abertura de alguns contenciosos com os chineses, no campo comercial e geopolítico (em especial no tema das relações com Taiwan), o que vem diminuindo ao longo dos primeiros meses de governo.
Finalmente, existe um ponto forte de discussão na questão migratória, com a adoção de medidas de endurecimento em relação à migração de latino-americanos e muçulmanos, com questionamentos da sociedade civil, do Judiciário e dos níveis subnacionais. Esse ponto deve se prolongar, sem que um norte conclusivo esteja apontado.
Duas dessas áreas de discussão mais dura incluem o México – migração e revisão do NAFTA, o que azedou ainda mais – junto com a quase folclórica discussão da construção de um muro entre os dois países. Esse fato abriu um espaço para uma aproximação do México em relação aos demais países da América Latina. O movimento a princípio surpreendeu governos conservadores recém chegados ao poder, como o da Argentina ou o do Brasil, que haviam optado por políticas de aproximação com os EUA de forma subordinada. Além disso, articulações como a Aliança do Pacífico, estruturadas para aproximar parceiros latino-americanos dos EUA, ficaram meio sem rumo com a guinada estadunidense.
Do ponto de vista multilateral, a Argentina sediará em dezembro a reunião ministerial da OMC, Organização Mundial do Comércio, que tem como diretor geral o brasileiro Roberto Azevêdo. Será interessante ver como os novos governos conservadores que hegemonizam o Mercosul se relacionarão com uma reunião que poderá estar tensionada pela política comercial dos EUA, que até aqui confronta os paradigmas clássicos do livre comércio e aponta para uma tentativa de dinâmica econômica mais endógena.
Neste quadro geral, a política externa e especialmente comercial do governo Temer no Brasil viu seus horizontes de aproximação comercial e política com os EUA se estreitarem com a opção estadunidense por uma maior autarquização. Isso implica uma revisão dos parâmetros adotados até aqui, com uma possível intensificação de aproximação com a União Europeia (que já vinha sendo buscada) e com a China (que vinha acontecendo sem maior protagonismo do governo brasileiro). Entretanto, esses movimentos vão esbarrar tanto na instabilidade europeia e seus processos eleitorais ao longo do ano (França, Alemanha e possivelmente Itália), quanto na possibilidade de um endurecimento da política dos EUA em relação à China, momento em que eventualmente o Brasil pode ser pressionado a fazer uma opção sobre o tipo de relação com os EUA, o que claramente não é confortável e nem o desejo do atual governo brasileiro.
Assim, não só o governo brasileiro como outros da região encontram-se em face de uma incerteza estratégica crucial. Esta situação pode tanto deixá-los sem rumo, reféns de uma situação desconfortável em relação a qualquer mudança muito complicada, ou exigir um comportamento pragmático de alteração de rumo, que é de difícil avaliação. Estarão eles dispostos a buscar uma estratégia autônoma em relação aos EUA, dada a nova situação?
Aparentemente parcela importante dos setores empresariais que têm no comércio exterior parte (mais) importante de sua dinâmica aponta neste último sentido. Querem buscar novos acordos de comércio com a Ásia e a Europa, aproximar-se de um “TPP sem os EUA” (seja lá o que isso signifique) e manter pragmatismo nos BRICS. Significa uma maior integração produtiva (especialmente nas áreas do agronegócio e de investimentos) com a China, integração orgânica regional, com algum tipo de combinação entre a Aliança para o Pacífico, órfã das mudanças de rumo nos EUA, e o Mercosul, entre outras possibilidades.
A questão parece ser que esse “pragmatismo” está muito afastado dos desejos iniciais de um alinhamento mais próximo com os EUA. Dessa perspectiva, o resultado eleitoral nos EUA ficou longe dos sonhos dos formuladores políticos da região em geral, e do Brasil em particular.
Por isso, avançar nesse debate é muito importante, não só para tentar entender o que vai se passar no Brasil nos próximos meses mas, fundamentalmente, para uma discussão estratégica de rumos que provavelmente estará em discussão no embate eleitoral que se aproxima velozmente, se mantido o calendário político no país. Daí a importância das discussões e dos debates estruturados para o seminário “Impactos da eleição de Trump para a América Latina e o Brasil”, que ocorrerá no próximo 29 de março, em São Paulo.
iEconomista do DIEESE, assessor da SRI/CUT e da REBRIP, e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI.

(fonte: http://outraspalavras.net/brasil/o-brasil-e-o-mercosul-perdidos-na-era-trump/)

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