Por Jaime Pinsky, historiador e editor, doutor e livre docente da USP, professor titular da Unicamp, autor de As primeiras civilizações, entre outros livros.
O
homo sapiens só se tornou o rei dos animais quando começou a
desenvolver sua capacidade de abstração. Até então não tinha vantagens
sobre outros humanos, como os Neandertais. Yuval Harari, historiador
israelense, assinala que a chamada Revolução Cognitiva teria ocorrido
entre 40 e 70 mil anos atrás. Se considerarmos que os humanos já
povoavam o planeta há pelo menos 200 mil anos, pode-se concluir que foi
uma conquista lenta e árdua. Conquista, por outro lado, alcançada quando
ainda éramos caçadores-coletores, mais coletores do que caçadores, na
verdade. Apesar do prestígio que o abate de um animal grande trazia aos
machos da tribo, a maior parte dos alimentos necessários à sobrevivência
da tribo era obtida de raízes, frutas, pequenos animais e até insetos.
Pesquisadores observam que a grande vantagem da dieta desse período
consistia na variedade alimentar que supria todas as necessidades
nutricionais dos nossos avós. Já na agricultura, que com frequência
consistia em uma monocultura (arroz, trigo, milho, batata, ou outro
carboidrato, geralmente), havia carências importantes para nosso
organismo de onívoros. É verdade que a agricultura, que começou há uns
12 mil anos, pode ter criado gente mais chata, mais rotineira, sem
horizontes tão amplos quanto os dos caçadores-coletores (vistos por
alguns especialistas com uma aura romântica, como se fossem aventureiros
por livre escolha). É uma visão distorcida. Pequenos e frágeis bandos
de algumas dezenas de membros tinham que disputar comida com
competidores bem mais aparelhados de garras, mandíbulas e músculos. A
grande vantagem que tinham era fruto da Revolução Cognitiva que
permitiria intercâmbio entre bandos, troca de experiências, de produtos,
e mais importante do que tudo, de linguagem. Não que a linguagem já não
existisse. Humanos, de todas as espécies se comunicavam. Não só os
humanos, na verdade. Hoje sabemos que baleias e golfinhos se comunicam,
que cães e gatos se comunicam, que formigas e abelhas se comunicam. Mas
se trata de uma comunicação básica do tipo: “cardume de sardinhas”, ou
“açúcar no armário”. É impossível imaginar uma foca dizendo a outra “que
tal homenagearmos nossa avó morta fazendo uma escultura naquele bloco
de gelo?” ou uma abelha pregando uma rebelião: “vamos atacar aquele
agrônomo que vai envenenar os pomares?”.
A capacidade de pensar abstratamente, com coesão e coerência, é uma característica não apenas humana, mas de uma espécie especifica de humanos, o homo sapiens. Ela surge, não se sabe ainda porque, nem exatamente quando (entre 40 e 70 mil anos é um prazo bem elástico), e tem várias consequências. A primeira foi a de acabar com a concorrência. Mais articulados, mais capazes de trabalhar em grupos maiores, os sapiens se impõem sobre os outros e se tornam os únicos humanos a habitar o planeta. Vestígios de DNA de neandertais encontrado em populações europeias e do médio oriente mostra que em alguns lugares deve ter ocorrido um cruzamento entre as espécies, mas em outras nós prevalecemos, por bem ou por mal.
Em alguns vales (na Índia, na China, no Egito, na Mesopotâmia, por exemplo) fomos nos estabelecendo, criando nossas famílias com mais segurança, plantando os produtos mais adequados a cada condição geoclimática, construindo casas, levantando cercas, inventando deuses para nos proteger de outros humanos e adotando cães para nos alertar contra animais perigosos. Onde havia abundância deixamos outras famílias se juntar às nossas e fomos estabelecendo regras de conduta e formas de adoração daqueles deuses que havíamos inventado. Tratamos de transmitir aos nossos descendentes não apenas nossas práticas agrícolas, nossas técnicas de construção, ou nossa forma de preparar alimentos e estocá-los para dias de carência, mas também ensinamos nossa língua, ou seja, o nome das coisas concretas e das coisas abstratas, do mundo real e do mundo da imaginação. Esta capacidade, que mais tarde transmitiríamos pela palavra escrita, principalmente através de livros, corre o risco de se perder. Não para todos, já que sempre haverá uma parte da população capaz de criar e transmitir conceitos, ideias, imagens. Mas para aqueles que se satisfazem apenas em digitar e ler tolices, retroagindo dezenas de milhares de anos. Não adianta que o façam em aparelhos modernos, como se a mídia sozinha fosse a mensagem.
Não é.
A capacidade de pensar abstratamente, com coesão e coerência, é uma característica não apenas humana, mas de uma espécie especifica de humanos, o homo sapiens. Ela surge, não se sabe ainda porque, nem exatamente quando (entre 40 e 70 mil anos é um prazo bem elástico), e tem várias consequências. A primeira foi a de acabar com a concorrência. Mais articulados, mais capazes de trabalhar em grupos maiores, os sapiens se impõem sobre os outros e se tornam os únicos humanos a habitar o planeta. Vestígios de DNA de neandertais encontrado em populações europeias e do médio oriente mostra que em alguns lugares deve ter ocorrido um cruzamento entre as espécies, mas em outras nós prevalecemos, por bem ou por mal.
Em alguns vales (na Índia, na China, no Egito, na Mesopotâmia, por exemplo) fomos nos estabelecendo, criando nossas famílias com mais segurança, plantando os produtos mais adequados a cada condição geoclimática, construindo casas, levantando cercas, inventando deuses para nos proteger de outros humanos e adotando cães para nos alertar contra animais perigosos. Onde havia abundância deixamos outras famílias se juntar às nossas e fomos estabelecendo regras de conduta e formas de adoração daqueles deuses que havíamos inventado. Tratamos de transmitir aos nossos descendentes não apenas nossas práticas agrícolas, nossas técnicas de construção, ou nossa forma de preparar alimentos e estocá-los para dias de carência, mas também ensinamos nossa língua, ou seja, o nome das coisas concretas e das coisas abstratas, do mundo real e do mundo da imaginação. Esta capacidade, que mais tarde transmitiríamos pela palavra escrita, principalmente através de livros, corre o risco de se perder. Não para todos, já que sempre haverá uma parte da população capaz de criar e transmitir conceitos, ideias, imagens. Mas para aqueles que se satisfazem apenas em digitar e ler tolices, retroagindo dezenas de milhares de anos. Não adianta que o façam em aparelhos modernos, como se a mídia sozinha fosse a mensagem.
Não é.
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