Texto escrito por José de Souza Castro:
Vivemos num mundo de mudança econômica dramática, constatam Vitor
Gaspar e Luc Eyraud num artigo publicado na última quinta-feira (20)
pelo Fundo Monetário Internacional que pode ser lido AQUI
em inglês. Traduzindo livremente, tento resumir o artigo, que me parece
contraditar a política econômica do governo Temer. Os autores não citam
o caso do Brasil. Eles devem ter motivos para isso, eu não – e vou
colocando minha colher de pau, entre colchetes.
[Vitor Gaspar foi ministro das Finanças de Portugal e desde fevereiro
de 2014 dirige o Departamento de Assuntos Orçamentários do FMI. Luc
Eyraud é chefe adjunto do Departamento de Assuntos Fiscais da entidade.
Sabem do que estão falando].
As condições atuais no mundo requerem novas e mais inovadoras
soluções, às quais o FMI chama de “smart fiscal policies”, que são
aquelas políticas fiscais inteligentes que facilitam mudanças, utilizam
seu potencial de crescimento e protegem as pessoas que mais sofrem.
Ao mesmo tempo, reconhecem os autores, empréstimos excessivos e
níveis recordes de dívida pública têm limitado os recursos financeiros
disponíveis para o governo. Assim, a política fiscal precisa fazer mais
com menos. Por sorte, muitos começam a compreender que o kit de
ferramentas fiscais é maior e mais poderoso [do que a equipe econômica
do governo Temer imagina].
Cinco princípios orientadores esboçam os contornos dessas políticas
fiscais inteligentes que estão descritas no capítulo primeiro do “Fiscal
Monitor” de abril de 2017 do FMI. São elas:
1. A política fiscal deve ser contracíclica.
Em tempos ruins, as taxas de juros são reduzidas e o dispêndio do
governo é aumentado para pôr mais dinheiro no bolso das empresas e dos
consumidores; nos bons tempos, reduzem-se os gastos e elevam-se as
taxas. A política fiscal tem papel maior a ser exercido hoje na
estabilização do que no passado, porque os bancos centrais em muitos
países desenvolvidos cortaram os juros para bem perto de zero e os
limites da política monetária estão sendo testadas.
Em tempos normais, uma política fiscal contracíclica poderia se
basear em “estabilizadores automáticos”, ou seja, em gastos e
arrecadação que se ajustam aos altos e baixos da economia. O seguro
desemprego é um exemplo. Numa recessão econômica, as pessoas que perdem
seus empregos são automaticamente elegíveis aos benefícios
governamentais. Mas esses estabilizadores podem ser insuficientes em
países que estão sofrendo de queda prolongada e cujas taxas de juros não
podem baixar ainda mais, como o Japão. Numa situação assim, um estímulo
fiscal temporário pode quebrar a espiral de baixo crescimento, baixa
inflação e dívida elevada.
No outro lado do espectro, em economias com crescimento econômico
fraco, o governo deveria, em geral, retirar o suporte fiscal. Por
exemplo, os Estados Unidos, que estão perto do pleno emprego, poderiam
começar a reduzir o déficit orçamentário no próximo ano, para pôr a
dívida pública, firmemente, numa trajetória descendente.
No entanto, usar a política fiscal para aplainar o ciclo de negócio
nem sempre é possível. Alguns países podem ter que focar na redução dos
déficits públicos apesar das condições cíclicas. Por exemplo, países
exportadores de petróleo, como a Arábia Saudita, foram duramente
atingidos por um declínio de mais de 50% no preço do petróleo desde o
pico de 2011. Esses países devem reduzir o gasto para alinhá-los com a
queda da renda e já começaram a fazer o ajuste. Espera-se que seus
déficits coletivos caiam cerca de 150 bilhões de dólares em 2017 e 2018.
[Não é o caso do Brasil, frise-se].
2. A política fiscal deve almejar um crescimento amigável.
Taxas e gastos públicos podem ser usados para apoiar os três
mecanismos de crescimento econômico em longo prazo: capital (tais como
máquinas, estradas e computadores), trabalho e produtividade.
Capital. Em muitos países, é o caso de aumentar
fortemente o investimento público, dado o baixo custo de financiamento
[internacional, claro; aqui é caríssimo, como bem sabe o Itaú] e a
importante deficiência em infraestrutura.
Trabalho. Os países deveriam continuar a encorajar a
criação de trabalho e a participação no mercado de trabalho. Economias
desenvolvidas poderiam reduzir a taxação sobre a folha de pagamento onde
ela for alta, fazer uso mais intenso de políticas, como assistência na
busca de emprego e treinamento, e adotar medidas seletivas de gastos
para grupos vulneráveis, como trabalhadores de baixa habilitação e os
mais velhos. Mercados emergentes e economias em desenvolvimento poderiam
implementar acesso à rede de saúde e educação. [Não é o que se faz hoje no
Brasil].
Produtividade. Uma série de políticas pode promover a produtividade, incluindo melhorias do sistema de tributação.
3. A política fiscal deve promover a inclusão.
Mais de um bilhão de pessoas saíram da extrema pobreza desde o começo
dos anos 1980, a maioria na China e na Índia. Ao mesmo tempo, a
desigualdade de renda aumentou dentro de muitos países. Nas economias
avançadas, as rendas do topo 1% da população cresceram numa taxa anual
quase três vezes mais alta que o da restante população nas últimas três
décadas.
Impostos e gastos públicos são meios poderosos de garantir que países
compartilhem o dividendo do crescimento com a população. Por exemplo,
transferência condicional de dinheiro (tais como a transferência para
famílias pobres, fazendo que os benefícios estejam condicionados à
frequência das crianças às clínicas de saúde e às escolas) foi usada com
sucesso para reduzir a desigualdade num número de países da América
Latina. [O Brasil, entre eles, nos governos Lula e Dilma].
A política fiscal deveria também ajudar as pessoas a participar
integralmente e se adaptar a uma economia em mudança. Melhor acesso à
educação, treinamento e serviços de saúde, bem como ao seguro social,
pode facilitar os trabalhadores a recuperar-se da perda de trabalho ou
da doença. [Bem ao oposto da “reforma” da Previdência, diga-se].
4. A política fiscal deve estar baseada numa forte capacidade tributária.
Governos precisam ter forte capacidade de tributar, para que possam
executar essas políticas. A tributação permite uma fonte estável e
ajustável de receita orçamentária que pode ser mobilizada, se
necessário. É também elemento central na determinação da capacidade de
um país de pagar suas dívidas.
Isso é particularmente importante para países de baixa renda.
Verifica-se que quase metade desses países tem um percentual de
tributação/PIB abaixo de 15%. E o pagamento de juros frequentemente
consome uma grande parcela de sua arrecadação no pagamento de impostos.
Em países de baixa arrecadação, construir capacidade de cobrar impostos
[dos ricos, claro] é uma prioridade ao desenvolvimento sustentável.
5. A política fiscal deve ser prudente.
A crise financeira global mostrou que as finanças públicas estão
expostas a grandes riscos que são geralmente subestimados. Resgates de
bancos falidos e uma profunda recessão econômica levam a dívida pública
em economias avançadas a níveis sem precedentes em tempos de paz. [Só a
dos Estados Unidos supera US$ 1 trilhão].
Os governos necessitam compreender melhor os riscos a que estão expostos e adotar estratégias para administrá-los. [Leu, Temer?]
(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/04/24/politica-fiscal-brasil-burra/#more-13826)
Nenhum comentário:
Postar um comentário