Antônio de Paiva Moura
A trajetória adulta de Jesus
O
Evangelho segundo São João é uma narrativa minuciosa da vida social de Jesus:
formação do elenco de discípulos; participação em festejo de núpcias; debatendo
com Nicodemos; entre os discriminados samaritanos; infiltrando entre a multidão
de doentes que procuravam cura na piscina de Besteda. Ai começa a tentativa de
envolver Jesus em ações políticas. Não era permitida qualquer espécie de
trabalho aos sábados e ele havia curado um doente antes de entrar na piscina.
Em sua defesa Jesus diz que fazia o que seu Pai mandava e que como filho de
Deus, ele tinha seu próprio arbítrio.
Depois
desse episódio, Jesus passou a percorrer a Galiléia, não podendo mais circular
pela Judéia, porque os judeus queriam matá-lo. Aproximava-se o dia do início da
tradicional festa das tendas em Jerusalém. Convidado a ir à referida festa,
Jesus disse que ainda não havia chegado a hora de ir a Jerusalém. Mas depois
resolveu ir de forma clandestina. Os judeus procuravam Jesus na multidão, mas
ninguém informava. Assim foi até que Jesus foi ao templo e resolveu se expor ao
público. Discutindo com os presentes, Jesus disse que estava sendo acusado de
ter trabalhado em um sábado e que isso era um falso julgamento. Os fariseus
eram uma facção de elite no interior da sociedade judaica, intransigente na
defesa de seus interesses.
Ouvindo
os comentários do povo sobre a sagrada missão de Jesus, os fariseus mandaram
guardas prendê-lo. Mas ficaram comovidos com as suas palavras e não cumpriram a
referida ordem. No dia seguinte Jesus voltou ao templo e conseguiu livrar uma
mulher, acusada de adultério, de ser apedrejada. Esse ato serviu para
demonstrar e ridicularizar o moralismo dos fariseus. Ainda no templo, em
discussão com fariseus, estes evocavam sempre a memória de Abraão como
patriarca dos judeus. Mas Jesus disse que como enviado de Deus, Ele precedia a
Abraão. Antes que Abraão existisse, eu
sou. Nesse momento, apanharam pedras para nele atirarem, mas Jesus
escondeu-se.
Jesus
falava por metáforas ou parábolas, razão pela qual os adversários não
entendiam. Não tinham capacidade de entender os atos simbólicos utilizados nas
práticas catequéticas. Sujou de barro os olhos de um cego e mandou-o lavar-se
na piscina e este passou a enxergar. Para São João (9.13) a cura do cego
simbolizava o batismo. Em parábola Jesus diz que o verdadeiro pastor entra pela porta da frente e as ovelhas o ouvem. O
ladrão salta o muro e tenta dominar as ovelhas, mas essas não obedecem. Os
fariseus não compreenderam o que Ele havia dito. Continuando a discussão, os fariseus tentaram
classificar Jesus como blasfemo, por dizer que era Filho de Deus. Depois da
ressurreição de Lázaro, ficou claro que os fariseus temiam que o crescimento do
carisma e da popularidade de Jesus pudesse provocar uma reação de Roma e piorar
a situação daquela elite. O sumo sacerdote Caifás, alegando interesse de toda a
nação judaica, determinou o assassinato de Jesus.
Embora
estivesse refugiado, Jesus revolveu ir à festa de Páscoa em Jerusalém, correndo
o risco de ser executado. Entrou na cidade montado em um jumentinho,
acompanhado por grande quantidade de populares, empunhando ramos de palmeiras.
Em termos modernos, era uma bela manifestação de pessoas humildes, em seu
favor. Páscoa significa festa de passagem para os judeus, celebrando a passagem
do Mar Vermelho, na qual os judeus se consideravam privilegiados por Deus. Mas
Jesus celebrou sua própria passagem; preparou seus discípulos para continuarem
sua missão. Lavar os pés de Pedro foi uma aula prática de amor e humildade. Ele
sabia que Judas o trairia, pois este, como os fariseus, só tinha apego a bens e
dinheiro. Permitiu que Pedro negasse que era seu amigo, para preservá-lo de
perseguições. A última ceia é toda a simbologia da passagem de Cristo.
Com
auxílio de Judas os soldados do sumo sacerdote prenderam Jesus e o interrogaram.
Como não podiam aplicar pena de morte, o sumo sacerdote o encaminhou a Pilatos.
Depois de interrogar Jesus, Pilatos voltou aos judeus e disse que, de acordo
com as leis de Roma, não havia encontrado nenhum motivo de condenação. Além
disso, Pilatos perguntou aos sacerdotes e seus guardas se queriam que ele soltasse
Jesus por ser tempo de páscoa. Estes preferiram que soltasse o bandido Barrabás
e que mandasse crucificar Jesus. Os judeus tentaram persuadir Pilatos de que
Jesus era um subversivo que queria tomar o lugar de César. Depois de muito
relutar Pilatos entregou Jesus para que os judeus o crucificassem.
Pseudo julgamento
Em 63 aC o general Pompeu conquistou a
Judéia e anexou o território ao domínio romano. Quando Jesus nasceu o rei da
Judéia era Herodes e Cláudio, o imperador de Roma. Herodes era muito ambíguo,
pois se dizia seguidor das tradições judaicas, ao mesmo tempo em que defendia
os interesses de Roma. Quando Jesus foi crucificado o governador era Pôncio
Pilatos. O poder jurídico era delegado ao Governador por transmissão do
Imperador. Jesus passou por dois julgamentos: um religioso, perante o Sinédrio,
e outro político, frente a Pôncio Pilatos e Roma. As acusações religiosas no
Direito Hebraico eram: blasfêmia, trabalhar no sábado e ser um falso profeta. Na
verdade, o Sinédrio era um órgão de caráter legislativo e não tinha competência
para julgar, mas via em Jesus uma ameaça política. Porém, estas de nada valiam
perante Roma, visto que não violavam o direito romano. Ao levar Jesus para seu segundo
julgamento, eram necessárias novas acusações. Acusações políticas: sedição,
declarar-se rei e incitar o povo a não pagar impostos a César. Era necessário
que algum judeu legítimo testemunhasse as falsas acusações contra Jesus.
Resolveram, então, premiar o delator Judas. Os sumo sacerdotes, representantes
das elites judaicas preferiam o fortalecimento do poder de Roma, a ver o
crescimento do prestígio popular de Jesus. Ambos os julgamentos foram permeados
de ilegalidades processuais. Na noite de seu julgamento, todo conhecimento que
os juízes do direito possuíam sobre legalidades fora desprezado em favor do
ódio alimentado contra Jesus. Ele foi preso sem culpa, acusado sem indícios,
julgado sem testemunhas legais e condenado a uma pena errada ao crime que era
acusado. A ira dos poderosos crucificou Jesus.
O
significado
A diferença entre o ideal de Jesus e o
Judaísmo é visível na leitura do primeiro mandamento: “Amar a Deus sobre todas
as coisas e o próximo como a si mesmo”. Jesus observa que o amor que se
devotava a Deus era interesseiro. Em troca da devoção, os conterrâneos e
contemporâneos de Jesus queriam riquezas materiais e a proteção de Deus. O amor
a Deus era como se fosse um investimento econômico. Não era diferente do que se
constata na Teologia da Prosperidade, na atualidade. A segunda parte do
mandamento era simplesmente ignorada. O que impedia e impede até hoje de “amar
ao próximo como a si mesmo” era a discriminação arraigada na cultura: ódio e
intolerância a outros povos; rivalidades entre ricos e pobres; preconceitos de
cor e raça; subjugação humilhante das mulheres. Foi exatamente o ideal e a
prática de amor ao próximo que provocou a ira dos poderosos da Judéia contra
Jesus.
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