Uma agência de espionagem quase desconhecida armazena bilhões de
imagens e milhões de vídeos captados por drones e satélites-espiões que
circulam pelo planeta
Por James Bamford, Foreign Policy | Tradução: CryptoRave 2017
Em uma base militar fortemente protegida, 25 quilômetros ao sul de
Washington DC, fica a enorme sede de uma agência de espionagem cuja
existência é conhecida por pouca gente. Mesmo Barack Obama, então há
cinco meses em seu cargo de presidente, não parecia saber dela. Enquanto
ele comia um hamburguer no restaurante Five Guys, em Washington, em
maio de 2009, perguntou a um cliente sentado em outra mesa sobre seu
trabalho. “O que você faz?”. “Eu trabalho na NGA, Agência Nacional de
Inteligência Geoespacial [National Geospatial-Intelligence Agency]”, o
homem respondeu. Obama pareceu estupefado. “Então me explique o que
exatamente essa Nacional Geoespacial…”, ele disse, incapaz de concluir o
nome. Oito anos depois desse vídeo ser exibido, a NGA continua de longe
a integrante mais obscura do conjunto de agências de espionagem
americana, as “Big Five”, que inclui a CIA e a NSA.
Apesar da falta de reconhecimento do seu nome, a sede da NGA é o
terceiro maior prédio na região metropolitana de Washington, maior que a
sede da CIA e a sede do congresso dos Estados Unidos, o Capitólio.
Concluído em 2011, com o custo de US$ 1,4 bilhão, o principal prédio
tem a dimensão de 4 campos de futebol americano e ocupa o espaço físico
de dois porta-aviões. Em 2016, a agência comprou 396 mil metros
quadrados em St. Louis para construir mais prédios, ao custo de US$ 1,75
bilhão, a fim de acomodar sua crescente força de trabalho, dos quais 3
mil empregados já eram moradores da cidade.
A NGA está para imagens como a NSA está para as vozes. Sua principal
função é analisar bilhões de imagens e milhões de vídeos capturados por
drones no Oriente Médio e por satélites espiões que circulam o planeta.
Mas porque ela manteve suas câmeras de ultra alta definição apontadas
para longe dos Estados Unidos, segundo uma série de estudos, nunca
esteve envolvida nos escândalos de espionagem doméstica como suas duas
irmãs mais famosas, a CIA e a NSA. No entanto, há razões para acreditar
que isso poderá mudar sob o Presidente Donald Trump.
No decorrer da longa campanha eleitoral e em seus primeiros meses
como presidente, Trump tem pressionado para reduzir as restrições às
atividades das agências de inteligência, gastando mais dinheiro na
defesa e dando mais força à lei e à ordem. Dado o foco superdimensionado
do novo presidente na segurança doméstica, é razoável prever que Trump
usará todas as ferramentas disponíveis para mantê-la, inclusive a
vigilância aérea.
Em março de 2016, o Pentágono publicou os resultados de uma
investigação iniciada pelo Escritório do Inspetor Geral do Departamento
de Defesa sobre os drones espiões militares nos Estados Unidos. O
relatório, assinalado como “Somente para Uso Oficial” e parcialmente
editado, revela que o Pentágono usou drones não armados de vigilância
sob solo americano em menos de 20 ocasiões entre 2006 e 2015. (Embora o
relatório não identifique a natureza dessas missões, outro documento do
Pentágono lista as 11 operações doméstica de drones que envolveram
principalmente operações de desastres naturais, busca e resgate e
treinamento da Guarda Nacional).
A investigação também cita um artigo crítico da Força Área sobre a
legislação, apontando uma crescente preocupação de que a tecnologia
desenvolvida para espionar inimigos além das fronteiras talvez seja
utilizada para espionar os cidadãos em seu país. “Á medida que a nação
diminui a presença nessas… ativos ficam disponíveis para apoiar outro
comando de combate (COCOM) ou as agências dos Estados Unidos, e o desejo
de usá-los no ambiente doméstico para coletar imagens aéreas continua a
crescer”.
Embora o relatório afirme que todas as missões foram conduzidas com
total cumprimento da lei, é observado que ainda em 2015 não havia
nenhuma legislação federal padronizada que “tratasse especificamente do
emprego da capacidade provida por um DoD UAS (sistema aéreo não
tripulado) se requisitado pelas autoridades civis domésticas”. Em vez
disso, há uma política do Pentágono que rege os drones de reconhecimento
e requer que o secretário de defesa aprove tais operações domésticas.
Sob essas regulações, os drones “não podem realizar vigilância em
indivíduos americanos” ao menos se permitido por lei e aprovado pelo
secretário. A diretiva também bane o voo de drones armados nos Estados a
não ser para treinamento militar e teste de armas.
Em 2016, sem o conhecimento de muitos oficiais da cidade, a polícia
de Baltimore começou a realizar uma vigilância aérea persistente usando
um sistema desenvolvido para uso militar no Iraque. Poucos civis tem
alguma ideia de como esses drones militares olhos-no-céu se tornaram
avançados. Entre eles está o ARGUS-IS, a câmera com a maior resolução do
mundo, com 1,8 bilhão de pixels. Invisível do chão até aproximadamente 6
quilômetros no céu, usa uma tecnologia chamada de “olhar fixo
persistente” – o equivalente a 100 drones predadores olhando para baixo
de uma vez só numa cidade de médio porte – para monitorar tudo que se
movimenta.
Com a capacidade de observar uma área de 16 ou mesmo até 25
quilômetros quadrados de uma vez, seria necessário apenas dois drones
sobrevoando Manhattan para observar sem interrupções e acompanhar todas
as atividades humanas na rua, dia e noite. É capaz de dar zoom num
objeto pequeno como um pão num prato e armazenar até 1 milhão de
terabytes de dados por dia. Essa capacidade permitiria que os analistas
olhassem para trás no tempo em dias, semanas ou meses. A tecnologia está
sendo desenvolvida para permitir que os drones permaneçam no ar durante
anos.
O Departamento de Segurança Nacional (Departament of Homeland
Security) já esteve nesta encruzilhada antes. Em 2007, durante a
presidência de Georg W. Bush, o departamento estabeleceu uma agência
para dirigir as operações domésticas com satélite espião e lhe deu um
nome genérico: o Escritório Nacional de Aplicações. Mas o Congresso,
preocupado com o “Grande Irmão no Céu”, cortou o financiamento. Em 2009,
a agência foi fechada pela administração Obama.
Ainda assim, diferente da vigilância eletrônica domêstica feita pela
NSA, a qual tem sido escrutinizada e sujeita a uma legislação criada
para proteger as liberdades civis, a espionagem doméstica tem escapado
da atenção tanto do Congresso quanto do público. A administração Trump
pode se beneficiar deste vazio.
Iniciando uma nova era da “vigilância persistente”, Trump poderia
usar a capacidade de espionagem hoje disponível para outros lugres do
mundo para vigiar muçulmanos ou membros do movimento Black Lives Matter.
O presidente já falou em favor de aumentar o escrutínio de mesquitas;
poderia monitorá-los com uma vigilância. Os drones poderiam auxiliar na
identificação de agrupamentos de imigrantes ilegais com o objetivo de
deportação e Trump já afirmou que ele pode enviar forças do governo
federal para Chicago a fim de acabar com a violência. Os drones podem
oferecer à cidade a vigilância 24/7 de um olho que não pisca.
É claro que tudo isso precisaria uma significativa expansão da
Agência Nacional de Inteligência Geoespacial, a fim de analisar imagens
domésticas. Antes que isso aconteça, Trump, assim como Obama, precisa
descobrir que tal agência existe.
(fonte: http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/em-washington-os-olhos-do-grande-irmao/)
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