Greve dos professores contra privatização do Ensino desdobra-se em manifestações, bloqueios, comunas. Polícia reprime com violência e mortes, mas movimento não recua. Zapatistas podem envolver-se
Por Scott Campbell*, na ROAR Magazine | Tradução Democratize
Em um comunicado divulgado na
sexta-feira, 17 de junho, os zapatistas colocaram as seguintes questões
relacionadas com a greve em curso dos professores nacionais no México:
“Eles apanharam, jogaram gás neles, os prenderam, os ameaçaram, sofreram disparos, calúnia, com o governo declarando estado de emergência na Cidade do México. Qual é o próximo passo? Irão desaparecer com os professores? Será que vão matá-los? A reforma educacional vai nascer por cima do sangue e cadáveres dos professores?”
No domingo, 19 de
junho, o Estado respondeu a estas perguntas com um enfático “Sim”. A
resposta veio na forma de fogo de metralhadora da Polícia Federal
dirigidas contra professores e moradores que defendem o bloqueio de uma
estrada em Nochixtlán, uma cidade no sul do estado de Oaxaca.
Inicialmente, o ministério de
Segurança Pública de Oaxaca afirmou que a Polícia Federal estava
desarmada e “nem mesmo carregava bastões”. Após ampla evidência visual e
uma contagem de corpos de manifestantes mortos no “confronto”, o Estado
admitiu que policiais federais abriram fogo contra o bloqueio, matando
seis. Enquanto isso, os médicos em Nochixtlán divulgaram uma lista de
oito mortos, 45 feridos e 22 desaparecidos. Na segunda-feira, o
Coordenador Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), disse que dez
foram mortos no domingo, incluindo nove de Nochixtlán.
Os professores pertencentes à
CNTE, uma facção mais radical de cerca de 200 mil dentro dos 1,3
milhões do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Educaçãpo (SNTE), o
maior sindicato da América Latina, estão em greve por tempo
indeterminado desde o dia 15 de maio. Sua demanda principal é a
revogação da “Reforma Educacional”, iniciada pelo presidente do México,
Enrique Peña Nieto em 2013.
Um plano neoliberal baseado
em um acordo de 2008 entre o México e a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, a reforma visa padronizar e privatizar o
sistema de educação pública do México, bem como enfraquecer o poder do
sindicato dos professores. Os professores também estão exigindo mais
investimento em educação, liberdade para todos os presos políticos, além
da verdade e justiça para os 43 desaparecidos de Ayotzinapa.
Um ataque tarde da noite
no dia 11 de junho contra o acampamento dos professores em um bloqueio
no Instituto de Educação Pública (IEEPO) concentrou mais de mil
policiais, que moveram as barricadas e retiraram rapidamente os
professores e moradores do local. Um dia depois, os dois principais
líderes da CNTE em Oaxaca e Cidade do México foram presos, além de 24
mandados de prisão emitidos para as outras lideranças.
Dezenas de bloqueios foram
feitos pela população até o dia 14 de junho, quando dezenas de milhares
saíram às ruas para comemorar o aniversário da rebelião em Oaxaca feita
em 2006, com a construção de uma comuna que durou cerca de cinco meses.
A CNTE controla 37 pontos
críticos nas rodovias em todo o Estado, bloqueando com 50
caminhões-tanque expropriados. Os bloqueios foram tão eficazes que a
ADO, uma grande linha de ônibus de primeira classe, cancelou
indefinidamente todas as viagens da Cidade do México para Oaxaca,
fazendo a Polícia Federal usar aviões para enviar reforços na cidade de
Oaxaca, Huatulco (na costa) e Ciudad Ixtepec.
Domingo à noite, a
policia começou a cortar a energia para vários setores da cidade,
afetando o transporte público, e aumentando os temores de que as forças
federais e estaduais tentassem tomar a cidade e o acampamento dos
professores na praça principal (Zócalo).
Já na segunda-feira, pelo
menos 40 mil pessoas marcharam em Oaxaca para protestar contra a
violência do Estado no domingo. Oitenta grupos da sociedade civil
emitiram um “alerta humanitário devido ao ataque do Estado armado contra
a população civil”. O governador de Oaxaca, Gabino Cué, afirmou que os
professores estão em minoria nos bloqueios — tentando deslegitimar a
luta.
Na
cidade de San Cristóbal de las Casas, integrantes do EZLN alertaram o
ofensiva do governo mexicano contra os professores e a população de
Oaxaca.
Em um comunicado oficial, o
grupo zapatista diz “não tolerar a violência praticada de forma
rotineira contra os educadores e os estudantes”, e que a cada vez que o
conflito se aproxima de territórios ocupados pelo grupo, “maiores as
chances de um eventual confronto para proteger a população civil contra o
Estado assassino e policial”.
Oficialmente, o EZLN não pega
em armas desde a metade dos anos 90, após uma ofensiva do grupo
revolucionário em Chiapas. Desde lá, diversas tentativas de negociar um
processo de paz foram esgotadas, por conta da pressão do exército nos
arredores das cidades ocupadas pelo grupo.
Mesmo com a possibilidade de
uma verdadeira revolução ocorrer no México, ainda mais urgente que a
situação e os protestos na Venezuela, o assunto não virou manchete nos
meios de comunicação do Brasil.
Para o ativista
mexicano Pablo Barba, residente no Brasil desde 2007, isso ocorre pela
semelhança entre o plano do governo mexicano para a Educação e os
objetivos do atual governo interino. “A privatização em massa, o
enfraquecimento dos sindicatos, isso tudo é debatido pelo atual governo
de Michel Temer, é um velho sonho do PSDB. No México já estão fazendo
isso, e agora chegou a reação. No Brasil não será diferente,
principalmente se os educadores e os estudantes se inspirarem na
mobilização mexicana contra esse plano absurdo do governo”, diz o
ativista.
—*Scott Campbell, tradutor que viveu em Oaxaca por sete anos,
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