A Petrobras acena que até o fim deste ano mais da metade do petróleo extraído no Brasil virá dos campos do pré-sal. Em junho, conforme a empresa informou nesta semana, a produção nessa área chegou a 1,24 milhão de barris de óleo equivalente (petróleo + gás natural), ou seja, 40% do óleo produzido no país. As multinacionais do petróleo cobiçam o pré-sal brasileiro e contam com a boa vontade do governo interino de Michel Temer – que tem agido com a desenvoltura de quem não é simples interino.
Pior: um governo fraco e, por isso, sujeito às pressões. Quanto mais ricos os grupos de pressão, mais as possibilidades de serem atendidos. Talvez até exagerem nessa percepção, como fez recentemente o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Robson Andrade.
Os mineiros o conhecem bem. Eu mesmo tive a oportunidade de fazer-lhe um perfil com base em informações do ex-presidente da Federação das Indústrias de Minas, Stefan Salej, no livro “O Enigma Salej”. No mínimo, foi apontado como traidor – o que o aproxima de Michel Temer, com quem se reuniu no dia 8 de julho com mais uma centena de empresários do Comitê de Líderes da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI).
Na saída, Robson defendeu, em entrevista, mudanças duras na Previdência Social e nas leis trabalhistas. “No Brasil”, disse o presidente da CNI, “temos 44 horas de trabalho semanal. As centrais sindicais tentam passar esse número para 40. A França, que tem 36, passou para a possibilidade de até 80 horas de trabalho semanal”. Além do retrocesso das 80 horas semanais, citou números errados para justificar o injustificável.
Há 15 anos, a editora Sextante, do Rio, publicou o livro “A Economia do Ócio”, do filósofo italiano Domenico de Masi. Trecho:
Seria exigir muito que o presidente da CNI conhecesse a obra de Masi. Mas um pouco de senso comum não faria mal a Robson Andrade. Tivesse isso, talvez nem fosse preciso ter vendido recentemente sua indústria a franceses, apesar de todas as benesses recebidas por ele do governo Dilma Rousseff.Tomemos como exemplo os cálculos que o economista Nicola Cacace realizou para a Itália. Há cem anos o número de italianos empregados era de 15 milhões, cada um trabalhando em média 3.100 horas por ano, num total de 47 bilhões de horas. Atualmente os trabalhadores italianos somam 20 milhões e o número de horas anuais de trabalho é de 1.750, num total de 35 bilhões de horas. Resumindo, em relação a um século atrás, os italianos trabalham 12 bilhões de horas a menos. E ainda assim, graças à ajuda das máquinas, produzem treze vezes mais.Em todos os países industrializados o processo foi mais ou menos análogo ao italiano. Porém, para algumas figuras profissionais – particularmente os administradores e os operadores da new economy –, a existência compreendida entre os trinta e os sessenta anos tornou-se um inferno: trabalham de manhã até a noite, celulares tocam o tempo todo e em todo canto, ritmos frenéticos, falta de férias, falta de finais de semana livres e uma vida privada reduzida a um tedioso pano de fundo. Para esses trabalhadores forçados, a carga semanal supera sempre mais frequentemente as quarenta horas introduzidas em 1938 nos Estados Unidos como conquista sindical.
Mas não vou gastar mais tinta com esse tipo de empresário brasileiro. Prefiro refletir sobre o que escreveu o economista norte-americano Paul Krugman no “New York Times”, republicado dia 11 de julho pela “Folha de S.Paulo”. Trecho:
Talvez seja querer muito que nossos economistas leiam esse vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2008, mesmo quando ele é traduzido e publicado no Brasil por um jornal conservador. Se lessem, talvez mudassem sua cantilena sobre déficit fiscal e juros elevados para controlar a inflação. Ou talvez não, pois perderiam… não sei o quê.Especificamente, houve uma queda extraordinária nas taxas de juros de longo prazo. No final do ano passado, o rendimento dos títulos de 10 anos do Tesouro dos Estados Unidos era de cerca de 2,3%, já baixo em termos históricos. Na sexta-feira, ele era de apenas 1,36%. Os títulos do governo alemão, o ativo de segurança da zona do euro, apresentam rendimento de menos — sim, menos — 0,19%. Basicamente, os investidores estão dispostos a oferecer dinheiro aos governos por nada, ou menos que nada. O que isso significa?Alguns comentaristas culpam o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) e o BCE (Banco Central Europeu), acusando-os de engendrar taxas de juros “artificialmente baixas” que encorajam a especulação e distorcem a economia. Trata-se, aliás, das mesmas pessoas que costumavam prever que os deficit causariam disparada nas taxas de juros. De qualquer jeito, porém, é importante compreender que essas pessoas não falam coisa com coisa.Pois o que significa “artificialmente baixas”, nesse contexto? Comparadas a quê? Historicamente, a consequência de oferecer dinheiro sob termos excessivamente favoráveis — e a maneira de sabermos que esses termos são excessivamente favoráveis — é inflação descontrolada. Isso não está acontecendo nos Estados Unidos, onde a inflação continua abaixo da meta do Fed, e definitivamente não está acontecendo na Europa, onde o banco central vem tentando sem sucesso elevar a inflação.Os desdobramentos nas economias reais dos países avançados vêm nos dizendo, se alguma coisa, que as taxas de juros não estão baixas o bastante, ou seja, que embora os juros baixos possam estar exercendo seu usual efeito colateral de estimular o setor de habitação e, em alguma medida, o mercado de ações, esse efeito não é forte o suficiente para produzir uma recuperação forte. Mas por quê?Em alguns passados episódios de custos muito baixos de captação de fundos pelos governos, a história sempre foi de fuga para a segurança: investidores que corriam a adquirir títulos dos governos norte-americano ou alemão porque temiam adquirir ativos de maior risco. Mas existem poucos sinais de um processo movido pelo medo, no momento.(…)Eu sei, os resmungões do deficit fariam previsões sombrias sobre os males da dívida pública. Mas eles têm errado sobre absolutamente tudo nos últimos oito anos, e é hora de deixar de levá-los a sério.Dizem que o dinheiro fala; bem, o dinheiro barato está falando, agora, e sua mensagem é muito clara: devemos investir em nosso futuro.
Quem nunca contempla a possibilidade de que o problema fiscal brasileiro advenha em boa parte dos juros altos que o governo paga aos que lhes compram títulos públicos – os rentistas, não os trabalhadores mal remunerados e que vivem a pagar o pato – deve ter alguma forma inconfessada de compensação para fingir que não vê o óbvio.
Que não é, evidentemente, vender o pré-sal para multinacionais do petróleo. E muito menos, sacrificar ainda mais o trabalhador brasileiro.
(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/07/13/um-governo-interino-que-age-como-se-nao-o-fosse/#more-12796)
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