por Mauro Santayana
Depois de intestina disputa que rachou a sociedade inglesa, cujo ápice
foi o emblemático assassinato da deputada trabalhista Jo Cox por um
fanático fascista que, ao atacá-la a tiros, gritou “a Grã Bretanha
primeiro!”, slogan inspirado, assim como o de “o Brasil acima de tudo!”,
no “Deutschland Uber Alles!”, do hino nazista, o Reino Unido - cada vez
mais desunido - votou, finalmente, por sua saída da União
Europeia.
O resultado provocou terremotos internos e
externos. As bolsas caíram em todo o mundo. O primeiro-ministro David
Cameron já marcou data para se afastar do cargo.
E pode levar à
desagregação do país, já que a Irlanda do Norte e a Escócia anunciaram
que pretendem convocar plebiscitos próprios para decidir, a primeira,
se continua na União Européia, e a segunda, se vai unir-se à República
da Irlanda.
Além disso, a libra já caiu mais de 10% com relação
ao dólar e ao euro, e os alimentos e as viagens para o exterior ficarão
mais caras, porque em alguns produtos, como leite e manteiga, e certos
vegetais, por exemplo, mais de 50% do que é consumido na Inglaterra vem
do continente, no outro lado do canal.
Comandada
pela direita e pela extrema direita, e provocada principalmente pela
ignorância característica dos dias de hoje - milhares de britânicos
entraram no Google para perguntar, às vésperas do plebiscito, o que era
“União Européia” - e pelo medo e a aversão aos imigrantes, a vitória do
“Brexit” é mais um poderoso exemplo do comportamento burro, deletério e
ilógico do fascismo.
Com a saída da UE, a
Inglaterra tende a perder influência na Europa; a enfraquecer-se frente a
eventuais adversários extracomunitários; a empobrecer econômicamente,
diminuindo seu acesso a um dos maiores mercados do mundo; além de
aumentar seu isolamento no âmbito geopolítico e sua histórica
dependência dos Estados Unidos.
Uma situação que deveria servir
de alerta, no Brasil, para aqueles que querem acabar com a UNASUL e o
Mercosul a qualquer preço e substituí-lo por “acordos” de livre comércio
desiguais com países e grupos de países altamente protecionistas, como a
própria União Europeia, que contam com capacidade de pressão muito
maior que a nossa.
Decepcionada e frustrada com os resultados
das urnas, a juventude inglesa reclamou que seu futuro foi cortado,
lembrando que os jovens britânicos perderam, entre outras coisas, a
chance de trabalhar em 27 diferentes países, e engrossou um manifesto
de 3 milhões de assinaturas que pede a realização de novo plebiscito -
hipótese improvável, praticamente impossível de avançar neste momento,
diante da indiferença e do egoísmo dos vitoriosos.
Nunca é
demais lembrar que o fascismo, também em ascensão na Inglaterra de hoje,
rejeita e despreza - apaixonadamente - o futuro.
Mesmo
quando se disfarça de "novo" e disruptivo, como ocorreu com a Alemanha
Nazista, ele está profundamente preso ao passado, como mostrou
claramente Mussolini - e também Hitler com seus monumentos, estátuas,
bandeiras e desfiles - ao tentar emular, canhestramente, a cultura
greco-romana e repetir - nesse caso, na forma de tragédia, com as
seguidas derrotas militares italianas - a glória perdida da Roma
Imperial.
O fascismo - ao contrário do que muitos pensam - não é glorioso, mas medroso.
Fascistas
temem, paradoxalmente, aqueles que consideram mais fracos, e por isso
são “apolíticos”, homofóbicos, eugenistas, antifeministas, racistas,
intolerantes, discriminatorios, xenófobos, anti-culturais e contrários
ao voto obrigatório e universal.
A suástica, girando sobre seu
eixo, reproduz o movimento concêntrico de alguma coisa que se encerra
em si mesma, repelindo tudo que venha de fora, como uma tribo ignorante e
primitiva, um molusco que fecha velozmente sua concha, ou um filhote de
porco espinho ou de tatú que se enrola, tapando a cabeça, ao primeiro
sinal de ruído ou de aproximação.
Da mesma forma que faziam,
patologicamente, os soldados nazistas, educados no temor da
“contaminação” judaica, cigana ou bolchevique, que se comportavam como
diligentes técnicos de dedetização tentando conter uma epidemia,
fechando-se a qualquer razão ou sentimento, ao matar récem nascidos e
crianças de três, quatro, cinco, seis anos de idade, escondidas debaixo
da cama, ou trancadas na derradeira escuridão das câmaras de gás, da
forma mais fria e repulsiva, como se estivessem exterminando,
simplesmente, pulgas, percevejos e ratos, ou esmagando ovos de barata.
O
Brexit - a saída da Inglaterra da União Européia - é mais um perigoso
aviso, entre os muitos que estão se repetindo, nos últimos tempos - como
sinais proféticos - do próximo retorno de um fascismo alucinado e
obtuso.
Um retorno que se dá, e se torna possível, mais uma
vez, pela fraqueza e indecisão da social democracia, a existência de uma
pretensa massa de “defensores” do Estado de Direito e da liberdade,
amôrfa, apática, inativa; e de uma esquerda que apenas espera, de braços
cruzados, também encerrada, em muitos países do mundo, em seus próprios
sites e grupos, disfuncional, estrategicamente confusa, passiva, inerme
e dividida, sem reagir ou defender-se quando atacada, nem mesmo
institucionalmente, como um letárgico bando de carneiros pastando ao
sol.
O medo fascista está de volta.
E não se limitará à Inglaterra.
Se
não for contido o avanço de sua imbecilidade ilógica, por meio do
recurso ao bom senso e à inteligência, outros países da UE, tão
xenófobos quanto racistas, seguirão o reino de Sua Majestade em seu
caminho de intolerância, isolamento e fragilidade.
Porque o fascismo só avança com a exploração do medo e do egoísmo.
O medo de quem se assusta com o outro, repele o que é diferente e rejeita o futuro e a mudança.
O
egoísmo daqueles que preferem erguer muros no lugar de derrubá-los; que
se empenham em separar no lugar de unir; que escolheriam, se pudessem
decidir, matar a fecundar, saudando a morte, como fazem em muitos países
do Velho Continente e em outros lugares do mundo, jovens e antigos
neonazistas de coração estéril, com a artrítica, tremente, mão espalmada
levantada, no ressentimento raivoso de uma velhice amarga, que cultiva
e adora o deus do ódio no lugar de celebrar a vida, o amanhã, a
alegria, o encontro e a diversidade.
(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/O-Brexit-o-fascismo-e-o-medo/6/36367)
Nenhum comentário:
Postar um comentário