Antônio de Paiva Moura
A palavra trauma vem do grego e
significa ferida, lesão corporal. Freud empregou o termo com outro sentido
semântico, isto é, ferida na mentalidade, na alma humana. Choque, divergências,
confrontos, crimes, terrorismo, guerras, opressão, catástrofes naturais são
fatores que provocam traumas na sociedade.
Lacan conceitua trauma como resposta a
um evento, ou eventos violentos inesperados ou arrebatadores, que não são
inteiramente compreendidos quando acontecem, mas retornam mais tarde,
repetidamente em flashback, pesadelos e outros fenômenos de repetição. Freud e
Breuer escreveram sobre a histeria traumática, referindo-se a pacientes que teriam
vivido experiências de medo, vergonha ou dor psíquica, as quais teriam ocorrido
de modo muito particular. As lembranças de tais episódios são uma espécie de
corpo estranho na mente do traumatizado, provocando sofrimento.
Começou recentemente um esforço
epistemológico para tratar o trauma além das áreas e conceitos psicanalíticos, iniciados
com Freud no começo do século XX. O trauma é social quando, de forma
específica, atinge toda uma parte da sociedade, uma espécie de “arrastão
global”. Um medo generalizado, um choque de proporção nacional ou mundial. O
trauma, como uma forma de inconsciente coletivo, faz parte da cultura, sendo um
traço marcante de nossa época. Para Freud, os traumas são transfigurados ao
longo da história sobre a forma de mitos e de outras narrativas. Conforme Selingmann-Silva (2015), pensar o
trauma como marca do indivíduo moderno significa pensá-lo como um sobrevivente
que resiste tanto aos ataques de um mundo externo, como de seu próprio mundo
interior, que tem o seu eu constantemente fragmentado, posto em questão e à
prova por esses ataques. Essa visão traumática do indivíduo moderno é correlata
com uma visão do que seria verdade. O momento contemporâneo é de destruição,
genocídios, violência neocolonial, ditaduras sanguinárias, espoliação dos
recursos naturais, que fizeram revirar o conceito positivista de verdade. A
ordem virou revolta e o progresso virou barbárie.
Na sociedade do espetáculo, a confusão entre
consumir, ser visto e existir faz com que quem não tem dinheiro não é posto na
mídia e não obtenha reconhecimento social seja excluído. A exclusão hoje não é
apenas econômica, mas acirrada por uma distribuição da economia narcísica, tão
injusta quanto a financeira. As instituições culturais voltadas para o
humanismo estão sendo ridicularizadas e as que promovem o individualismo como o
Big Brother, que de um dia para o outro cria celebridades vazias, que nada
contribuem com a formação humanística, são idolatradas. Quem não consegue
tornar-se celebridade artificial, torna-se vítima do sentimento de frustração
e de fracasso. O desejo de ser celebridade se transforma em ódio mortal. A
frustração que vem à tona tem origem naqueles que sofrem preconceito racial;
que levaram bofetadas e buscas humilhantes de policiais; que não receberam
escolaridade decente. É a manifestação súbita por parte de sujeitos que sofrem
um processo gradual de barbárie por longos anos. A passagem do crime pragmático
para o crime excessivo é uma explosão de vingança e uma forma de reagir ao
circuito social. (BOSCO, 2010). Tanto os criminosos quanto suas vítimas fazem
parte da população traumatizada.
O homem ultrapassou o limite sustentável de
presença na terra. Com maior perspectiva de vida e menor mortalidade infantil,
em 50 anos a população da Terra pulou de 3,5 bilhões para 7 bilhões de
habitantes. Corre-se o risco de virar um problema para todos os seres vivos que
habitam os mesmos espaços. Daqui a 30 anos o planeta poderá chegar a oito
bilhões de humanos. Esse número tornar-se-á insuportável, porque exigirá
crescimento econômico mais acelerado do que o atual, com um enorme sacrifico da
natureza. A acumulação de riquezas e a desigualdade social têm aumentado,
sustentadas pelo vigor da ideologia neoliberal.
Sabe-se que a renda pessoal está distribuída
de maneira tão desigual no mundo, que os 2% mais ricos da população adulta
detém mais da metade das riquezas do planeta. A outra metade das riquezas é
dividida com 98% da população adulta, cerca de 5 bilhões de habitantes. Para se
incluir entre o 1% de mais ricos do mundo o indivíduo terá que ter em média, um
patrimônio de U$ 500 mil dólares, cerca de um milhão e quinhentos reais. Dos 5
bilhões de adultos do mundo, apenas 34 milhões de pessoas têm um patrimônio
superior a 1 milhão de reais. A América do Norte que tem apenas 6% da população
mundial detêm um terço de toda a riqueza do mundo. Segundo a revista Exame (2012) existiam no Brasil somente
130 mil multimilionários e 65% desse total, (84.500) residiam em São Paulo e
Rio de Janeiro.
A concentração de riquezas em mãos de poucos, em uma
região, é um verdadeiro desastre. Começa com o fato consumado do aumento da
violência e da degradação do modo de viver a marginalidade. Os mais pobres são
os mais atingidos pelas catástrofes naturais provocadas pela ação dos mais
ricos sobre a natureza. Pode-se imaginar o quanto serão dolorosas, trágicas e traumáticas as lutas por espaços e por
melhores condições de vida.
Referências
BOSCO, Francisco. Celebridade
e barbárie. CULT. São Paulo, n. 147, jun.
2010.
SELIGMANN-SILVA,
Márcio. A era do Trauma. Revista
CULT, São Paulo, n. 205, set. 2015.
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