quinta-feira, 28 de julho de 2016

Traumatismo social




Antônio de Paiva Moura

            A palavra trauma vem do grego e significa ferida, lesão corporal. Freud empregou o termo com outro sentido semântico, isto é, ferida na mentalidade, na alma humana. Choque, divergências, confrontos, crimes, terrorismo, guerras, opressão, catástrofes naturais são fatores que provocam traumas na sociedade.
Lacan conceitua trauma como resposta a um evento, ou eventos violentos inesperados ou arrebatadores, que não são inteiramente compreendidos quando acontecem, mas retornam mais tarde, repetidamente em flashback, pesadelos e outros fenômenos de repetição. Freud e Breuer escreveram sobre a histeria traumática, referindo-se a pacientes que teriam vivido experiências de medo, vergonha ou dor psíquica, as quais teriam ocorrido de modo muito particular. As lembranças de tais episódios são uma espécie de corpo estranho na mente do traumatizado, provocando sofrimento.
            Começou recentemente um esforço epistemológico para tratar o trauma além das áreas e conceitos psicanalíticos, iniciados com Freud no começo do século XX. O trauma é social quando, de forma específica, atinge toda uma parte da sociedade, uma espécie de “arrastão global”. Um medo generalizado, um choque de proporção nacional ou mundial. O trauma, como uma forma de inconsciente coletivo, faz parte da cultura, sendo um traço marcante de nossa época. Para Freud, os traumas são transfigurados ao longo da história sobre a forma de mitos e de outras narrativas.  Conforme Selingmann-Silva (2015), pensar o trauma como marca do indivíduo moderno significa pensá-lo como um sobrevivente que resiste tanto aos ataques de um mundo externo, como de seu próprio mundo interior, que tem o seu eu constantemente fragmentado, posto em questão e à prova por esses ataques. Essa visão traumática do indivíduo moderno é correlata com uma visão do que seria verdade. O momento contemporâneo é de destruição, genocídios, violência neocolonial, ditaduras sanguinárias, espoliação dos recursos naturais, que fizeram revirar o conceito positivista de verdade. A ordem virou revolta e o progresso virou barbárie.
          Na sociedade do espetáculo, a confusão entre consumir, ser visto e existir faz com que quem não tem dinheiro não é posto na mídia e não obtenha reconhecimento social seja excluído. A exclusão hoje não é apenas econômica, mas acirrada por uma distribuição da economia narcísica, tão injusta quanto a financeira. As instituições culturais voltadas para o humanismo estão sendo ridicularizadas e as que promovem o individualismo como o Big Brother, que de um dia para o outro cria celebridades vazias, que nada contribuem com a formação humanística, são idolatradas. Quem não consegue tornar-se celebridade artificial, torna-se vítima do sentimento de frustração e de fracasso. O desejo de ser celebridade se transforma em ódio mortal. A frustração que vem à tona tem origem naqueles que sofrem preconceito racial; que levaram bofetadas e buscas humilhantes de policiais; que não receberam escolaridade decente. É a manifestação súbita por parte de sujeitos que sofrem um processo gradual de barbárie por longos anos. A passagem do crime pragmático para o crime excessivo é uma explosão de vingança e uma forma de reagir ao circuito social. (BOSCO, 2010). Tanto os criminosos quanto suas vítimas fazem parte da população traumatizada.
             O homem ultrapassou o limite sustentável de presença na terra. Com maior perspectiva de vida e menor mortalidade infantil, em 50 anos a população da Terra pulou de 3,5 bilhões para 7 bilhões de habitantes. Corre-se o risco de virar um problema para todos os seres vivos que habitam os mesmos espaços. Daqui a 30 anos o planeta poderá chegar a oito bilhões de humanos. Esse número tornar-se-á insuportável, porque exigirá crescimento econômico mais acelerado do que o atual, com um enorme sacrifico da natureza. A acumulação de riquezas e a desigualdade social têm aumentado, sustentadas pelo vigor da ideologia neoliberal.
             Sabe-se que a renda pessoal está distribuída de maneira tão desigual no mundo, que os 2% mais ricos da população adulta detém mais da metade das riquezas do planeta. A outra metade das riquezas é dividida com 98% da população adulta, cerca de 5 bilhões de habitantes. Para se incluir entre o 1% de mais ricos do mundo o indivíduo terá que ter em média, um patrimônio de U$ 500 mil dólares, cerca de um milhão e quinhentos reais. Dos 5 bilhões de adultos do mundo, apenas 34 milhões de pessoas têm um patrimônio superior a 1 milhão de reais. A América do Norte que tem apenas 6% da população mundial detêm um terço de toda a riqueza do mundo. Segundo a revista Exame (2012) existiam no Brasil somente 130 mil multimilionários e 65% desse total, (84.500) residiam em São Paulo e Rio de Janeiro.
            A concentração de riquezas em mãos de poucos, em uma região, é um verdadeiro desastre. Começa com o fato consumado do aumento da violência e da degradação do modo de viver a marginalidade. Os mais pobres são os mais atingidos pelas catástrofes naturais provocadas pela ação dos mais ricos sobre a natureza. Pode-se imaginar o quanto serão dolorosas, trágicas e traumáticas as lutas por espaços e por melhores condições de vida.

Referências
BOSCO, Francisco. Celebridade e barbárie. CULT. São Paulo, n. 147, jun. 2010.
SELIGMANN-SILVA, Márcio. A era do Trauma. Revista CULT, São Paulo, n. 205, set. 2015.

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