Em 1997, Dani
Rodrik, professor da Universidade de Harvard, publicou um livro cujo
título é “A globalização foi longe demais?”. Desde então, já havia uma
percepção generalizada de que as desigualdades de renda e patrimônio
eram crescentes em muitos países e que tal fato poderia colocar em risco
a estabilidade democrática dessas sociedades. Pouco tempo depois,
Rodrik desenvolveu o “trilema” (teorema da impossibilidade), que
sustenta que democracia, soberania nacional e integração econômica
global são mutuamente incompatíveis; podemos combinar duas dimensões,
mas nunca todas as três simultaneamente e completamente.
No ano de 2002, o economista Joseph Stiglitz publicou um livro chamado “A globalização e os seus descontentamentos”. Após o crash
mundial de setembro de 2008, outros acadêmicos aprofundaram análises
relevantes sobre o mal-estar da globalização. A hipótese do economista
Alvin Hansen (1938) sobre a “estagnação secular” foi resgatada por
Lawrence Summers (2013), ex-secretário do Tesouro norte-americano. Em
síntese, a economia mundial pode ter entrado num período longo de
crescimento muito baixo e a “armadilha da liquidez” descrita por Keynes
(1936) não permitiria que os juros baixos (e até negativos) impulsionem o
investimento privado.
Ainda
nesse contexto do mal-estar da globalização, Tony Judt publicou um
instigante tratado sobre as insatisfações do presente, “O mal ronda a
terra” (2010). Os problemas enfrentados pela socialdemocracia são
ressaltados pelo historiador. Ele mostra uma especial preocupação com o
déficit democrático contemporâneo: “Se não respeitamos os bens públicos;
se permitimos ou estimulamos a privatização dos espaços, recursos e
serviços públicos; se apoiamos com entusiasmo a propensão de uma geração
mais jovem a cuidar exclusivamente de suas próprias necessidades, então
não deveremos nos surpreender com a progressiva redução do engajamento
cívico no processo público de tomada de decisões”. No curto prazo é até
possível que as democracias possam sobreviver à indiferença de seus
cidadãos. Do fordismo no pós-guerra ao sistema de acumulação flexível
nas últimas três décadas, a visão de mundo e as perspectivas geracionais
se mostram crescentemente divergentes em diversos países.
Os
desafios no horizonte merecem destaque. Na edição de 25 de junho de
2016, a revista “The Economist” trouxe um relatório especial sobre
Inteligência Artificial (AI, em inglês). O tema em questão mostra sua
relevância pelos prováveis efeitos da automação a serem sentidos nos
mercados, incluindo os eventuais ajustes que provavelmente ocorrerão no
Estado de bem-estar social. Segundo consta no citado relatório, “a
automação poderá ter um impacto muito maior nas economias em
desenvolvimento do que nos países ricos”. Nesse sentido, há o risco de
que a crescente automação poderá negar aos países de baixa ou média
renda a oportunidade para o desenvolvimento através da industrialização.
Renomados economistas falam da "desindustrialização prematura". Dani Rodrik observa no respectivo relatório especial que o emprego industrial na Grã-Bretanha atingiu um pico de 45% pouco antes da Primeira Guerra Mundial, mas já atingiu o pico no Brasil, Índia e China, com a participação de não mais de 15%. Processos de fabricação industrial estão mais automatizados do que costumavam ser. A China, por sua vez, ultrapassou os Estados Unidos como o maior mercado de automação. Nesse contexto, uma crescente automação industrial poderá significar maiores dificuldades para as economias emergentes no crescimento e, portanto, elas precisarão encontrar “novos modelos” de desenvolvimento.
Renomados economistas falam da "desindustrialização prematura". Dani Rodrik observa no respectivo relatório especial que o emprego industrial na Grã-Bretanha atingiu um pico de 45% pouco antes da Primeira Guerra Mundial, mas já atingiu o pico no Brasil, Índia e China, com a participação de não mais de 15%. Processos de fabricação industrial estão mais automatizados do que costumavam ser. A China, por sua vez, ultrapassou os Estados Unidos como o maior mercado de automação. Nesse contexto, uma crescente automação industrial poderá significar maiores dificuldades para as economias emergentes no crescimento e, portanto, elas precisarão encontrar “novos modelos” de desenvolvimento.
Sem
os empregos na indústria de transformação para construir uma classe
média, observa Tyler Cowen, da Universidade George Mason, esses países
"podem ter uma elevada desigualdade de renda em suas estruturas
econômicas fundamentais". São os países ricos que se preocupam mais com
os efeitos da automação sobre a educação, o bem-estar social e o
desenvolvimento. Os formuladores de políticas públicas nos países em
desenvolvimento deveriam estar mais atentos ao assunto. No Brasil, por
exemplo, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan)
disponibiliza, em uma página digital, o potencial instalado das
“indústrias criativas” (por unidade federativa, município e segmento). A
relevância do aprofundamento das políticas públicas nesse campo se deve
ao fato de que o trabalho criativo é mais difícil de ser automatizado,
pois ele é composto por atividades cognitivas não rotineiras.
Diferentemente das commodities que exportamos, as atividades criativas
costumam ser formadoras de preços nos mercados.
A
“questão das máquinas” foi objeto de atenção do economista clássico
David Ricardo, em 1821, ao dizer respeito à influência das máquinas
sobre os interesses das diferentes classes da sociedade. Essa análise
entendia que a opinião da classe trabalhadora era de que o emprego de
máquinas seria frequentemente prejudicial aos seus interesses. O retorno
desse debate se deve aos avanços da Inteligência Artificial, que
permitem com que as máquinas realizem tarefas que anteriormente podiam
ser feitas apenas por seres humanos. Seu impacto poderá ser profundo,
pois a Inteligência Artificial ameaça os trabalhadores cujos empregos
pareciam impossíveis de serem automatizados. Existem ameaças, mas também
oportunidades.
Previsões
de que uma crescente automação farão os humanos redundantes já foram
feitas antes. Entretanto, a tecnologia acabou criando mais empregos do
que destruiu. No geral, é possível dizer que automatizar tarefas para
que elas fossem feitas mais rapidamente e eficientemente aumentou a
procura por trabalhadores para a realização de outras tarefas próximas
(ecossistemas circundantes). Ainda que as comparações com o passado
sugiram cenários não tão sombrios, o futuro é incerto e ele dependerá do
que for feito e desejado pelas pessoas. Não há como negar que existem
relações assimétricas de poder nas sociedades e que o mal-estar da
globalização integra esse complexo quadro histórico de desafios
coletivos.
Recentes
críticas públicas da parte de quadros técnicos do Fundo Monetário
Internacional (FMI) em relação a certos aspectos do neoliberalismo, a
abertura plena da conta de capitais do balanço de pagamentos e a
austeridade fiscal independente do contexto econômico, deveriam demandar
que o Brasil repensasse a sua inserção externa, o conjunto das
políticas públicas domésticas e as reformas institucionais necessárias
para que nos tornemos efetivamente um país menos desigual e mais
desenvolvido. O mal-estar global precisará ser enfrentado em algum
momento de uma forma mais progressista e não será um retorno ideológico à
década de 1990 a solução para os nossos problemas coletivos no Brasil.
Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Os-descontentamentos-da-globalizacao-e-os-novos-desafios-economicos/7/36363)
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