No dia 05 de junho, a CNN noticiou que a
Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito haviam cortado
laços diplomáticos com o Estado do Catar, alegando que esse país
estaria dando suporte ao terrorismo e contribuindo para a instabilidade
na região.
O Estado do Catar é uma monarquia
tradicional governada por um emir, título equivalente a um príncipe,
atualmente Tamim bin Hamad al-Thani, e está. Assim como a maior parte
dos Estados na região, o Catar foi protetorado da Grã-Bretanha de 1916
até 1971, quando se tornou independente. Entre 1973 e 1978, como nos
principais países árabes produtores de petróleo, o Catar aumentou
consideravelmente sua produção de petróleo. No entanto, tal produção é
bastante modesta se comparada aos vizinhos do Golfo Pérsico, como a
Arábia Saudita, por exemplo. Além disso, o Catar, ao lado da Rússia e
Irã, é um dos maiores produtores de gás natural do mundo. Essa
combinação de gás e petróleo permite que o Estado catariano tenha uma
das maiores rendas per capita do mundo. Além disso, o Catar
sempre agiu de forma isolada no âmbito regional e internacional,
estabelecendo suas parcerias e projetos, independentes do posicionamento
de seu líder regional, a Arábia Saudita.
O estopim dos conflitos que deu origem às sanções começou com uma suposta gravação
em que o emir teria afirmado que o Irã é uma potência regional e que
sua posição deveria ser levada em consideração no Oriente Médio. De acordo com os Emirados Árabes Unidos, esta fala foi rastreada durante uma call entre
líderes e diplomatas do Catar. A Arábia Saudita foi o primeiro país a
se manifestar , já que é reconhecidamente rival do Irã. A monarquia
saudita alega que o bloqueio ao Catar foi necessário, pois o Irã apoia o
terrorismo internacional. De acordo com o jornal Washington Post (16-07-2017), as
gravações partiram de e-mail vazados da conta particular do embaixador
dos Emirados Árabes Unidos nos Estados Unidos, Youself al-Otaiba. O
Catar alega que os Emirados Árabes plantaram a notícia falsa, que a
fala do emir foi fabricada e que o portal e conta do Twitter da agência
de notícias do país também tinham sido alvo de ataques cibernéticos
realizados por desconhecidos. Mesmo que o Catar tenha negado a
veracidade da fala do emir, assim que a notícia se espalhou entre os
países do Golfo, houve uma grande revolta entre líderes e ministros
destes países, culminando na decisão da Arábia Saudita e seus aliados em
romper relações com o país.
Até o presente momento, o bloqueio dos
países árabes ao Estado do Catar já dura mais de 60 dias. Assim que o
bloqueio aéreo, marítimo e terrestre tomou forma, a Arábia Saudita
apresentou, no dia 22 de junho, uma proposta ao Estado do Catar com 13
pontos que deveriam ser cumpridos e adequados à legislação interna do
país, sendo que um dos pontos exigia o rompimento das relações entre
Catar e Irã e também o fechamento da rede de comunicação Al-Jazeera.
Dias depois, o governo do Catar emitiu uma nota negativa aos 13 pontos,
alegando que tem o direito de conduzir sua política externa como lhe
apraz e de forma autônoma. No ano de 2014, inclusive, Arábia Saudita e
Emirados Árabes Unidos já tinham retirado seus embaixadores de Doha em
função da aproximação com o Irã. Mas agora as medidas tomaram outras
proporções, considerando que no Catar a água é escassa e a produção
agrícola é mínima, e Arábia Saudita é o principal fornecedor de água e
comida para o país. E em função do bloqueio, o governo saudita
simplesmente parou de fornecer água e comida ao Catar, todavia vale
lembrar que o Irã tem enviado aviões com água e comida diariamente ao
Catar a fim de evitar que o país enfrente qualquer tipo de escassez.
Posteriormente, mais países árabes
aderiram ao boicote de diversas formas: Mauritânia, as Ilhas Maldivas e
Ilha Maurício anunciaram a ruptura dos laços diplomáticos com o governo
do Catar, Jordânia e o Djibuti, por sua vez, baixaram o nível das suas
missões diplomáticas no Qatar, enquanto o Senegal, o Níger e o Chade
retiraram seus embaixadores do país. A Arábia Saudita exerce grande
influência política sobre esses países, por conta da dependência
financeira e religiosa estabelecida. Mas, ao mesmo tempo, países
importantes da comunidade internacional como Estados Unidos, Turquia,
Rússia, China, Inglaterra, Alemanha e Índia pedem que a frente árabe,
liderada pela Arábia Saudita alivie as sanções impostas ao Catar e
procurem resolver suas diferenças através do diálogo, já que os mesmos
também são grandes parceiros comerciais do país bloqueado.
Do outro lado, temos os Estados Unidos,
que tem participado ativamente na região do Golfo, especialmente com o
presidente Donald Trump. No dia seguinte ao bloqueio, no início de
junho, o presidente norte-americano declarou-se favorável a iniciativa
da Arábia Saudita e seus aliados, pois reconhecia que as justificativas
de apoio ao terrorismo, financiamento da Irmandade Muçulmana e apoio ao
Irã eram pertinentes. Em seguida, o Departamento de Estado emitiu um
parecer tentando contornar a situação, afirmando que os países árabes
deveriam aliviar as sanções. Já o Departamento de Defesa dos Estados
Unidos afirmou que a decisão dos países árabes sobre o Catar pode ter um
efeito positivo na luta contra o terrorismo. Vale destacar que, no dia
21 de maio, o presidente Donald Trump fez sua emblemática visita à
Arábia Saudita; dando ênfase à questão da segurança, combate ao
terrorismo e propondo o isolamento dos outros países árabes ao Irã. E
durante a reunião com os líderes do Conselho do Golfo Pérsico, nesta
mesma visita, foi adotada uma frente anti-iraniana.
No entanto, as ações dizem mais do que as
confusas declarações do presidente Donald Trump ou as ações do
Departamento de Defesa tentando contorná-las. Apesar das declarações
favoráveis ao boicote, no dia 15 de junho, foi selado um acordo
bilionário, referente à venda de caças norte-americanos para o Catar. Na
sequência, a Marinha dos Estados Unidos fez diversas operações navais
com a Marinha do Catar, em território catariano, já que lá está a maior
base militar norte-americana na região (base aérea e central de comando
para operações militares). No dia 11 de julho, foi assinado um
memorando de entendimento sobre o Combate ao Financiamento do Terrorismo
entre Estados Unidos e Catar. Tais ações confirmam o compromisso dos
Estados Unidos com seu aliado militar. O maior interesse norte-americano
no Oriente Médio atualmente é extinguir o Estado Islâmico, enquanto a
nova frente árabe liderada pela Arábia Saudita estaria preocupada com o
Irã e a Irmandade Muçulmana – que ameaçam a hegemonia regional saudita.
O grande inimigo regional dos países do
Golfo Pérsico é o Irã. Desde a Revolução Iraniana de 1979, o Irã e a
Arábia Saudita se tornaram referência de suas respectivas correntes
islâmicas, xiita e sunita. E até hoje os dois países estão empenhados
numa disputa político-religiosa pelo domínio geopolítico na região.
Logo, a expansão xiita na região, pode se traduzir em poder e influência
política sobre os Estados sunitas, que são liderados pela Arábia
Saudita. O Catar e o Irã se tornaram aliados, não só para convergir seus
interesses energéticos (gás natural), mas também como uma negação à
liderança regional da Arábia Saudita, apesar de parecer uma contradição,
já que ambos são Estados sunitas, aliados dos Estados Unidos e integram
o Conselho de Cooperação do Golfo(CCG).
Essa nova coalização no Oriente Médio
liderada pela Arábia Saudita, inspirada e incentivada pelo presidente
Donald Trump, durante sua recente visita à Arábia Saudita se traduz nos
interesses dos Estados Unidos em posicionar-se nos bastidores como líder
dos países sunitas do Oriente Médio. A aparente ambiguidade do
presidente Donald Trump, em apoiar o bloqueio e ao mesmo tempo
estabelecer novas parcerias com o governo do Catar, demonstra que
existem duas causas a serem defendidas fortemente pelo Estado
norte-americano: primeiramente, liderar os países que integram o
Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) através de seu parceiro e líder na
região, a Arábia Saudita, formando a frente regional sunita, visando o
controle geopolítico da região. E ao mesmo tempo, garantir que os
interesses econômicos norte-americanos, representados nos acordos
bilionários sobre a venda de armas e caças aos países árabes também
estejam devidamente protegidos. Contudo, o presidente Donald Trump, que é
imprevisível e costuma criar situações de conflito, parece ter sofrido
algum tipo de amnésia quando expressou no Twitter apoio ao boicote feito
ao Catar, sobre a alegação de combate ao extremismo e financiamento do
terrorismo, ignorando que naquele exato momento, grandes parcerias com o
Catar estavam sendo renovadas com o governo norte-americano. Enquanto a
Arábia Saudita, se sente ameaçada por seu rival se relacionar de forma
tão próxima com seu vizinho Catar. A crise entre as monarquias e
repúblicas sunitas só demonstra o quanto o discurso de Trump durante sua
visita à Arábia Saudita, tornou-se estratégico aos ouvidos dos líderes
presentes, especialmente no que se refere à luta contra o terrorismo e a
completa adoção do espírito anti-iraniano, mas muito mais como uma
justificativa para impedir o avanço do Irã na região, do que pela
realidade dos fatos. Exceto pelo Catar, que desde sua independência
sempre preferiu caminhar de forma autônoma à monarquia Saud para não se
transformar naquilo que mais abomina: ser uma colônia da Arábia Saudita.
(fonte: http://outraspalavras.net/terraemtranse/2017/08/11/bloqueio-ao-catar-e-os-protagonismos-da-arabia-saudita-e-estados-unidos/)
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