Texto escrito por José de Souza Castro:
“Espero que as pessoas de bem saibam que cortar a Bolsa Família das
pessoas extremamente pobres do Brasil poderá produzir um verdadeiro
genocídio, porque em sua grande maioria, em especial nos sertões, estes
brasileiros poderão morrer de fome e das doenças derivadas da
subnutrição”.
É o que diz Walquiria Domingues Leão Rego, professora de Teoria
Social no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e
coautora do livro “Vozes do Bolsa Família – Autonomia, Dinheiro e Cidadania” publicado em 2013 pela Editora da Unesp. O artigo pode ser lido AQUI.
Segundo Walquiria, o programa foi sendo aperfeiçoado ao longo dos
anos, com a criação de programas transversais, como Brasil Carinhoso e
Brasil Nutriz, que trouxeram benefícios muito grandes à saúde das
crianças. “Por tudo isto, o programa Bolsa Família recebeu inúmeros
prêmios internacionais, inclusive da própria ONU”, diz a autora. “Os
cortes já feitos ao programa pelo governo ilegítimo de Michel Temer
tiveram como justificativa correção de desvios, o que representa uma
grande mentira”, acrescenta.
Para a autora, não se justifica cortar os recursos destas pessoas, a
não ser para “responder à sanha preconceituosa e mal informada da classe
média paneleira. Na verdade, tornar ainda mais garantido o saque a
nação para ampliar os lucros de rentistas de todos os naipes”, completa.
Darcy Ribeiro, lembra a autora, nos alertou que a elite brasileira é
escravocrata e desenvolveu durante séculos uma insensibilidade social
pouco vista no mundo. “Sua crueldade com os pobres e desvalidos não tem
limites”, diz Walquiria. “Pensa apenas em rapinar o país e usufruir de
sua rapinagem lá fora”.
Pior, com a ajuda da imprensa, que manipula principalmente a classe média:
“Sua profunda ignorância das causas da pobreza a faz seguir e andar
como embriagada pelo ódio aos pobres, vitaminada pela televisão e pelas
revistas de baixo nível, compondo um conjunto sinistro de iniquidade
moral e política. E a grande mídia, sem nenhuma grandeza, todos os dias
zomba, insulta o povo brasileiro, com suas mentiras sistemáticas, com
seu jornalismo manipulativo que omite a informação dos fatos para
propagandear sua tosca visão de mundo. Temos propaganda e não
jornalismo. O resultado disto sobre os consumidores desta pobreza
intelectual é a perpetuação da desinformação em todas as classes
sociais, impera uma espessa e profunda incultura que torna a classe
média, por exemplo, incapaz de raciocinar e a conduz ao abraço de morte
com as soluções antidemocráticas no que esta tem de mais grotesco”.
Segundo a autora, o governo está economizando no programa Bolsa
Família, que gasta 0,5 do orçamento nacional, “para garantir recursos da
nação para ricos banqueiros e rentistas, o que é apresentado pelos
analistas financeiros, colunistas cativos de jornais e televisões como
fenômeno natural, inevitável da vida social”. Prossegue Walquiria:
“A naturalização da rapinagem conforma talvez o fetiche mais enevoado
da contemporaneidade brasileira. A operação dívida pública expropria
dos brasileiros mais de 40 por cento do orçamento da União. Isto
sim drena recursos da nação. (Lazzarato, M. Governing by Debt.) Os juros
pagos altíssimos, a maior taxa do mundo, favorecem, com este privilégio
a apropriação do orçamento nacional por pouco mais de 70 mil famílias
bilionárias. Este grupo derruba governos, impõe sua agenda política e
social sem nenhum pudor democrático, pois não respeita, como se viu, o
voto popular.”
O rentismo constitui hoje o centro do poder efetivo, define
Walquiria. “Por esta razão, não se vê nenhum protesto aos cortes do
programa Bolsa Família, pois cortam a carne dos sem voz pública, dos
invisíveis. Nenhuma solidariedade com o destino de seus concidadãos”,
conclui a autora.
Alguns dados respaldam esse raciocínio. Só no mês passado, 543 mil
pessoas foram retiradas do programa Bolsa Família, para economizar R$
100 milhões por mês. Desde que Temer assumiu o governo, foram 1,2 milhão
de excluídos. Vale assistir a essa reportagem da TVT.
De que vale essa economia diante do que o governo gasta para pagar os
juros da dívida pública, que têm aumentado muito desde que Dilma
Rousseff sofreu o impeachment em maio do ano passado? Em 2015, a dívida estava em R$ 2,793 trilhões,
passou para R$ 3,11 trilhões no fim de 2016 e deve chegar em dezembro
próximo a R$ 3,65 trilhões. A dívida em relação ao Produto Interno
Bruto, que era de 76% no final do governo de Fernando Henrique Cardoso e
de 62% no fim do governo Lula, voltou para 76% em 2016, mais da metade
do qual já sob o governo Temer. E deve chegar a 81% no fim deste ano.
Com todos esses cortes e com a disparada da dívida, pode ir a 92% em
2021. Só perdendo, então, para 1989, no governo FHC, quando houve a
maxidesvalorização do real e a dívida chegou a 100% do PIB.
Vamos agora à evolução dos juros pagos pelo governo sobre essa
dívida. Em 2012, R$ 207 bilhões; em 2013, R$ 218 bilhões; em 2014, R$
243 bilhões; em 2015, R$ 367 bilhões; e em 2016, R$ 330 bilhões. Mais aqui.
Neste ano, por enquanto, não se sabe a quantas andam. A imprensa pouco se interessa pelo assunto. Por exemplo, nessa notícia do G1,
de julho, informa-se apenas: “Ao mesmo tempo, as despesas do governo
com o pagamento de juros, que totalizaram R$ 34,36 bilhões no mês
passado, também impulsionaram a dívida pública”.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, aprecia esse desinteresse
da imprensa. Com dupla cidadania, brasileira e americana, ele foi por 12
anos presidente do BankBoston, quando esse banco dos Estados Unidos aparecia como o segundo maior credor do Brasil.
Depois de se aposentar, foi convidado a presidir o Banco Central do
Brasil no governo Lula, ficando no cargo entre 2003 e 2011. Nos quatro
anos seguintes, até ser chamado por Michel Temer para ser ministro da
Fazenda, ele foi presidente do Conselho de Administração da J&F
Investimentos, do grupo de Joesley Batista, dono também da Friboi.
Definitivamente, alguém que não precisa do programa Bolsa Família para sobreviver nesses tempos de desemprego alto.
(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/08/17/corte-bolsa-familia-genocidio/#more-14256)
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