domingo, 6 de agosto de 2017

Os privilégios sobrepõem-se ao mérito



           
       
Antônio de Paiva Moura

            Muitos são os sinônimos de mérito. O primeiro é “merecer”. Seguem outros: saber, virtude, dom, capacidade, aptidão e competência. O sentido semântico que melhor assenta na abordagem que segue é: qualidade de quem merece reconhecimento.
            Em Roma o gladiador que entrasse em uma arena e matasse seu adversário, era aplaudido e considerado como herói, merecedor de reconhecimento público.  O jogo de futebol foi criado com o objetivo de praticar a paz no respeito pelos adversários. O ideal do futebol é que vença sempre o que tiver mais mérito. Mas isso nem sempre acontece. Muitos clubes brasileiros foram campeões, anos seguidos, sem o merecer.
            Corria o século XIX, quando o mito de Napoleão estava em alta. Ele havia conquistado o poder por mérito e não por pertencer à nobreza. Toda uma legião de jovens europeus inspirava-se na ascensão daquele soldado e general, por mérito e acreditava poder reeditar o feito, cada um ao seu modo. Muitos tipos populares acabaram sendo internados em manicômios por encenar a figura de Napoleão. A Revolução Francesa havia combatido a mentalidade aristocrática e os privilégios da nobreza.
            Por mais que tenha passado o tempo e muitas experiências históricas, os privilégios de classes e as elites do poder impedem o triunfo do mérito sobre status familiares. Descendentes de antigos escravos; de indígenas e de famílias brancas pobre, mesmo que acumulem conhecimentos, diplomas e capacidade de trabalho, serão sempre preteridos em funções e cargos importantes nas instituições.
            Honoré de Balzac, em seu romance “Ilusões Perdidas”, abordou esse problema com muita propriedade. O personagem Lucien Rubrempré é um jovem que sai do interior da França e vai para Paris, crente que era um notável poeta; que lá iria ser admirado e bem recebido por seus méritos pessoais. A primeira pessoa da qual se aproxima é Madame de Bargeton. Mas esta foi persuadida por sua prima a abandoná-lo. Ela havia verificado que Lucien não tinha refinamento parisiense. A partir daí ele passa a freqüentar clube literário e altas rodas, mas percebe que ninguém se interessava por sua poesia. Tenta o jornalismo e se enriquece de forma ilícita. De um jornal republicano salta a outro monarquista conservador; passa a ser malvisto e se enche de dívidas.
            A maioria dos serventuários da Justiça no Brasil pertence às parentelas dos magistrados. Uma verdadeira excrescência a lotação dos servidores dos gabinetes dos parlamentares municipais, estaduais e federais do país. Os cargos comissionados na administração pública são providos por indicações de políticos.
            Os prefeitos municipais de Bonfim, Região Central de Minas Gerais, em todo o século XX e decorrer do XXI, saíram praticamente de duas famílias lá radicadas. O atual prefeito, Gustavo Marques Ribeiro é bisneto e neto de ex-prefeitos ligados à família Marques. Ele é filho de ex-prefeito, da família Ribeiro. A mãe de Gustavo e todos os seus tios também foram prefeitos de Bonfim.
            Com os infortúnios do personagem Lucien, Balzac conclui que o sistema impõe um filtro capaz de matar talentos e elevar os medíocres. O mérito aqui depende muito mais do berço e da classe do que do merecimento propriamente dito: É preciso boas doses de ilusão e ingenuidade para crer que os melhores vencem no final  

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