Saem primeiros dados de devastação do bioma: 9.483 km² em 2015 —
ainda mais que na Amazônia. Região do “Matopiba” é a mais afetada;
agronegócio da soja, o principal responsável
No Observatório do Clima
O cerrado perdeu 9.483 quilômetros quadrados de vegetação em 2015, um
número que equivale a mais de seis cidades de São Paulo e supera em 52%
a devastação na Amazônia no mesmo ano. A informação vem dos primeiros
dados de monitoramento anual do bioma, divulgados pelo governo federal.
A série de dados de satélite, feita pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), foi postada discretamente numa página do Ministério do Meio Ambiente na internet, sem divulgação para a imprensa ou entrevista coletiva. Ela vem acompanhada de uma análise do desmatamento entre 2013 e 2015,
mostrando a pressão sobre o bioma em cada município, as unidades de
conservação, terras indígenas e assentamentos de reforma agrária mais
desmatados.
O monitoramento anual do cerrado, nos mesmos moldes do que é feito na
Amazônia desde os anos 1980, é uma promessa antiga. Ele vem sendo
aventado desde 2008. Em 2010, e chegou a ser anunciado para o ano
seguinte. Dificuldades técnicas de observar com satélite um bioma
formado por savanas e campos naturais, restrições orçamentárias e o
baixo interesse histórico do poder público em olhar mais de perto o
comportamento ambiental do agronegócio exportador fizeram com que a
promessa fosse postergada. Só em 2016 o governo lançou um programa de
monitoramento ambiental de todos os biomas.
“A série de dados do cerrado é uma informação crucial para a
sociedade, mas também para o mercado”, disse Jair Schmitt, diretor de
Políticas de Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente.
“Ela vai permitir desenhar e aplicar ao cerrado políticas como as que
causaram a redução do desmatamento na Amazônia.”
Thelma Krug, pesquisadora do Inpe que iniciou o programa de
monitoramento no ano passado quando estava no MMA, diz que a série
histórica vai permitir ao Brasil captar recursos no exterior para
reduzir o desmatamento no bioma – a exemplo do que ocorre com o Fundo
Amazônia.
O chamado “Prodes do cerrado” (o apelido é uma referência ao Prodes, o
sistema que dá a taxa anual de desmatamento na Amazônia) ainda tem
buracos: os dados para os anos de 2012 e 2014 não foram finalizados.
Mesmo assim, a série que de agora em diante será a taxa oficial de perda
do segundo maior bioma brasileiro confirma estimativas que já vinham
sendo feitas e permite tirar algumas conclusões. Há uma notícia boa e
várias ruins.
A boa é que o Brasil praticamente cumpriu a meta de sua política
nacional de clima de reduzir a devastação em 40% até 2020, para 9.421
quilômetros quadrados ao ano. Por coincidência, mas cumpriu.
A meta foi calculada originalmente, em 2009, com base em estimativas
anteriores ao monitoramento anual, que estimaram uma média de 15.700
quilômetros quadrados perdidos ao ano entre 1994 e 2008. A proposta
inicial era uma redução de 50%, que foi expurgada de próprio punho pela
então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Como lembrou a ecóloga Mercedes Bustamante,
da Universidade de Brasília, o país definiu como “aceitável” perder
todo ano o equivalente a 1% da área remanescente do cerrado.
Diferentemente da Amazônia, porém, no cerrado não houve um esforço
sistemático de comando e controle, nem havia um acompanhamento anual da
taxa – uma estimativa publicada após a adoção da política, com uma
metodologia diferente, apontava para 7.600 quilômetros quadrados
desmatados entre 2008 e 2009, o que implicaria que a meta já teria sido
cumprida no ano de sua adoção. A nova série histórica publicada pelo MMA
põe o desmate em 2009 em 10.342 quilômetros quadrados.
Entre as más notícias está o fato de que o cerrado continua perdendo
1% de sua área remanescente por ano. Dados do projeto MapBiomas
publicados neste ano indicam que o desmatamento acumulado no bioma neste
século foi três vezes maior que o da Amazônia, proporcionalmente ao
tamanho da área de vegetação remanescente.
Sem surpresa, os dez municípios mais desmatados ficam no chamado
Mapitoba, palco da expansão da fronteira agrícola, entre os Estados de
Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia (daí o acrônimo). Juntos, eles
respondem por 11% dos quase 30 mil quilômetros quadrados desmatados no
cerrado entre 2013 e 2015.
Os três campeões são baianos: São Desidério (337 km2), Jaborandi (295 km2) e Formosa do Rio Preto (271 km2), todos produtores de soja. A Bahia tem cinco municípios na lista dos dez mais.
A Bahia também é o Estado pioneiro da flexibilização do licenciamento
ambiental. Em 2014, um decreto do governo estadual isentou as
atividades agropecuárias de licenciamento, algo que hoje a bancada
ruralista pretende emular com a lei geral de licenciamento, em
tramitação no Congresso. A dispensa foi questionada na Justiça e
revogada em 2017. Durante sua vigência, o Estado não apenas viu o
desmate avançar no cerrado, como também presenciou sua explosão na mata
atlântica: 207% em 2015/2016 em relação ao biênio anterior.
Segundo Tiago Reis, pesquisador do Ipam (Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia), a destruição acelerada do cerrado cria problemas
para a própria agricultura. “Esse desmatamento coloca em risco o
equilíbrio ambiental que garante a produção agrícola no Brasil, uma vez
que a perda de vegetação nativa do cerrado compromete a formação de
chuvas por evapotranspiração, a infiltração das águas no solo para
recarregar aquíferos e rios da região”, diz. “Desse processo dependem as
enormes áreas agrícolas irrigadas do oeste baiano, por exemplo.”
(fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=491640)
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