MARCELO GRUMAN* Fonte: Site O Globo.
E, no final, o candidato do atual do prefeito do Rio de Janeiro,
aquele que gosta de dar uns sopapos em mulher, tinha razão. Num dos
debates do primeiro turno, aconselhou Marcelo Freixo a “sair da Praça
São Salvador”, no bairro de Laranjeiras, na zona sul da cidade.
A Praça São Salvador vem se transformando, ao longo dos últimos anos,
num bastião de resistência ao crescente conservadorismo da sociedade
carioca. É um oásis de tolerância e convívio de manifestações culturais.
É uma caixa de ressonância de valores caros a sociedades realmente
democráticas, fundadas no respeito, na promoção e na proteção ao
diverso.
O resultado das urnas demonstrou que a Praça São Salvador passou de
oásis à ilha, ou melhor, a gueto da classe média intelectualizada,
apartada da realidade do resto da cidade, boa parte dela desassistida de
serviços básicos e assistida por charlatães da fé. Já dizia o ditado:
Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé. Neste caso, a
Praça…
Os votos nulos e em branco não são o problema, na minha modéstia
opinião. Afinal, se estes cidadãos não se sentem representados por
quaisquer dos dois candidatos, não há porque digitar seus números na
urna eletrônica. Sendo esta uma posição ideológica, o chamado “voto
útil” não faz sentido.
O descalabro é a quantidade espantosa de votos dados a um candidato
que representa o retrocesso nas políticas públicas de inclusão sexual e
cultural, que representa um projeto de poder que joga por terra a
separação entre religião e Estado e que prega o fundamentalismo
religioso como visão de mundo, que representa o pensamento mágico em
detrimento da razão, o sagrado em detrimento do profano.
E os eleitores do bispo não se restringem aos “ignorantes”, sem
educação formal, porque aprender matemática, biologia e química, exibir
títulos de doutorado nada tem a ver com a formação do caráter e do
sentimento de pertencimento a uma coletividade que abarca a igualdade
tanto quanto a diversidade, enfim, o sentimento e a prática da
cidadania. Aceitar a existência do “outro”, não simplesmente tolerá-lo,
ainda que isto não signifique ausência de conflitos simbólicos, não faz
parte do cardápio político de um prefeito cujas alianças pregam
exatamente o contrário, o ódio e a exclusão de quem representa o
“capeta”. “Chora, capeta!”, nas palavras poéticas de um “pastor” em
êxtase com os resultados das urnas.
Não há coitadinhos, não há “massa de manobra”, não há ignorantes.
Votaram conscientemente porque acreditam naquilo que o prefeito eleito
prega.
O Rio de Janeiro morreu pelos próximos quatro anos. Cabe a nós ressuscitá-lo (usando a linguagem da moda). *MARCELO GRUMAN
é Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ). Atualmente é administrador cultural
da Fundação Nacional de Arte (Funarte). Blog: https://desconstruindomarcelo.blogspot.com.br/
(fonte: https://espacoacademico.wordpress.com/2016/11/01/a-praca-perdeu/)
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