quarta-feira, 9 de novembro de 2016
Envolvimento com ditaduras volta a assombrar a Volkswagen
Empresa substitui historiador que investigava sua parceria com nazismo. No Brasil, múlti promete analisar participação nos “anos de chumbo” — mas boicota inquérito do Ministério Público sobre o tema
Pelo centro de Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP)
Em 2 de outubro, foi anunciado na imprensa o rompimento da Volks alemã com seu historiador corporativo, Manfred Grieger. Autor do livro de referência sobre o passado nazista da empresa, Das Volkswagenwerk und seine Arbeiter im Dritten Reich (A Volkswagen e os trabalhadores no Terceiro Reich, em tradução livre), juntamente com Hans Mommsen, Grieger foi descrito como um historiador independente que se insurgiu contra a empresa, omitindo suas ações recentes no Brasil e na Alemanha. O estranhamento pelo afastamento de Manfred e a solidariedade dos intelectuais alemães contra a brutalidade da empresa pautou o noticiário em diversos países.
No dia seguinte, foi anunciada a nomeação pela Volks alemã do reconhecido historiador, Christopher Kopper, da Universidade de Bielefeld, que será encarregado da apuração da responsabilidade corporativa nos casos de tortura, vigilância, repressão e perseguição aos trabalhadores ocorridos no interior da filial de São Bernardo do Campo. As notícias afirmam que Kopper terá um ano para produzir um relatório de suas pesquisas.Não é a primeira vez que a empresa anuncia uma postura à imprensa que não condiz com o seu comportamento diante da questão.
Elencamos alguns elementos sobre como a multinacional tem tratado as denúncias a respeito de seu envolvimento ativo com a repressão política aos trabalhadores durante a ditadura, num conjunto de ações que vão muito além das chamadas “listas negras” e das prisões dentro da fábrica.
A Volkswagen e mais cinco empresas do Estado de São Paulo foram formalmente convidadas a comparecer a duas audiências públicas da Comissão Estadual da Verdade – Rubens Paiva sobre o envolvimento das corporações com a ditadura. Em 27 de fevereiro de 2015, a montadora foi representada por seu gerente jurídico, Rogério Varga. Ali, foi acordado que toda a comunicação entre a empresa e os trabalhadores denunciantes seria feita através da própria Comissão Estadual da Verdade e, após sua extinção, pelo Ministério Público Federal (MPF).
A partir desse momento, a única pessoa que deu seguimento à relação com os trabalhadores atingidos foi o historiador Manfred Grieger.
Desrespeitando o combinado, em 24 de abril de 2015, os trabalhadores que estavam à frente das denúncias receberam carta em papel timbrado da empresa, convidando-os a comparecer a conversas individuais com o Sr. Grieger no Hotel Mercury, em Santo André, “a fim de ouvi-los sobre a sua experiência pessoal durante o período da ditadura militar no Brasil”. A Volkswagen enviou, inclusive, veículos para transportar os que moravam mais distante. Reunidos com os presidentes da Comissão Municipal da Verdade de São Bernardo do Campo, o Vereador José Ferreira, e da Comissão Estadual Rubens Paiva, o Deputado Adriano Diogo, os metalúrgicos decidiram não aceitar nenhuma conversa ou acordo individual.
A representação contra a Volkswagen aceita pelo MPF
Em 22 de setembro de 2015 o Ministério Público Federal recebeu representação do Fórum de trabalhadores e trabalhadoras por verdade, justiça e reparação – assinada pelas dez centrais sindicais brasileiras, presidentes de comissões da verdade e juristas – que resultaria na instauração de um Inquérito Civil Público para apurar a conduta da empresa, ainda em andamento.
Em outubro, Grieger buscou contato com o IIEP, que secretaria o Fórum de trabalhadores, para retomar o diálogo sobre a representação. No dia 13, compareceu, a título informal, na sede do MPF em São Paulo, acompanhado de Joerg Kother, da Conselho Mundial de Trabalhadores do Grupo Volkswagen. Ambos receberam cópia de toda a representação, inclusive seus anexos. Ouviram três ex-funcionários da empresa, Lucio Bellentani, Expedito Soares e Bras Sobrinho. Na ocasião, Grieger não teceu nenhum comentário sobre a continuidade de suas atividades nem expressou qualquer posição da empresa sobre o assunto. Nesse mesmo dia, outros trabalhadores receberam por e-mail novamente convites para conversas individuais com o historiador da empresa, às quais não compareceram.
Em 1º de novembro de 2015 o jornal O Estado de S. Paulo publicou matéria de capa com o título “Volkswagen busca reparar apoio à repressão na ditadura”. A manchete expressa posição exposta em e-mail do Sr. Manfred ao jornalista Marcelo Godoy, autor da matéria. Essa proposta, no entanto, nunca foi apresentada ao MPF pelo historiador ou pelos advogados que têm acompanhado o inquérito.
Novos procedimentos?
Pelas notícias publicadas, o novo historiador contratado pela empresa — Christopher Kopper, da Universidade de Bielefeld — limitou-se, ao assumir sua atividade, a citar o que consta da empresa no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), entregue em dezembro de 2014.
Kopper afirmou que irá “checar novamente as críticas da Comissão à Volkswagen”, os “casos de repressão política que se tornaram públicos” e verificará “se a empresa, de forma geral, lucrou com a ditadura. Irei além do que os historiadores já pesquisaram sobre o tema”. Reforçou também que terá “toda a independência para pesquisar e sobre o conteúdo final deste trabalho”.
O historiador afirmou que fará buscas de documentação relativa à ditadura brasileira nos arquivos da matriz em Wolfsburg e que virá ao Brasil no próximo ano para continuar a pesquisa. Declarou que receberá “todo o apoio da Volkswagen para traduzir os documentos” encontrados, que “a pesquisa sobre o passado da companhia no Brasil deve durar cerca de um ano” e que “os resultados serão apresentados em um relatório que será distribuído pela Volkswagen”. Não houve referência ao Inquérito do MPF contra a Volkswagen do Brasil.
O historiador também anunciou que irá entrevistar ex-funcionários da fábrica, aparentemente repetindo o procedimento adotado pela empresa até agora.
O diálogo necessário
Como as notícias são muito recentes, aguardamos a manifestação da empresa para sabermos se haverá uma mudança de postura institucional, já que desde o dia 27 de fevereiro de 2015, quando da audiência da Comissão da Verdade Rubens Paiva, a Volkswagen do Brasil não emitiu nenhum tipo de comentário, opinião ou posicionamento sobre as denúncias ou o Inquérito instaurado.
O Conselho Mundial de Trabalhadores do Grupo Volkswagen tem cobrado da empresa matriz explicações sobre o caso.
Os passos para o avanço no campo da Memória, Verdade, Justiça, Reparação, no caso Volks, devem ser dados sob a mediação do MPF, dentro do Inquérito Civil conduzido pelos procuradores.
O Inquérito Civil é público está integralmente disponível a qualquer interessado no Ministério Público Federal em São Paulo.
Para acesso à denúncia apresentada ao MPF e os documentos anexos: https://goo.gl/vQv1ak
(fonte: http://outraspalavras.net/blog/2016/11/07/envolvimento-com-ditaduras-volta-a-assombrar-a-volkswagen/)
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Espanto total. Não sabemos quase nada sobre história da repressão.
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