aqui.
Ele defendeu “a destinação universal dos bens” e convocou os
movimentos sociais para um projeto de “refundar as democracias” e a não
se conformarem a serem “atores secundários, ou pior, a meros
administradores da miséria existente”.
Francisco denunciou a “internacional do dinheiro”, usando uma
expressão de 1931 de Pio XI, afirmou que os ricos governam o mundo com
“o chicote do medo” e que existe um “terrorismo de base que deriva do
controle global do dinheiro sobre a terra e ameaça toda a humanidade”,
acrescentando que “o sistema é terrorista”.
O Papa comparou o tratamento que o sistema capitalista destina aos
bancos daquele que é dispensado aos refugiados, que são uma emergência
planetária: “O que acontece no mundo de hoje que, quando ocorre a
bancarrota de um banco: imediatamente aparecem somas escandalosas para
salvá-lo. Mas quando acontece esta bancarrota da humanidade não existe
sequer uma milésima parte para salvar estes irmãos que sofrem tanto? E
assim o Mediterrâneo transformou-se em um cemitério e não somente o
Mediterrâneo…muitos cemitérios próximos aos muros, muros manchados de
sangue inocente.”
Francisco retomou uma formulação de sua Exortação Apostólica Evangelii gaudium (Alegria do Evangelho),
de 2013, e afirmou que “enquanto não se resolverem radicalmente os
problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da
especulação financeira e atacando as causas estruturais da iniquidade,
não se resolverão os problemas do mundo e definitivamente, nenhum
problema. A iniquidade é a raiz dos males sociais”.
Ao final do discurso, Francisco advertiu os movimentos sociais quanto
aos riscos da corrupção, mas não tratou do tema de acordo com a lógica
conservadora da mídia, do sistema judiciário, empresarial e político
brasileiro. Ao contrário chamou a atenção para a instrumentalização das
notícias em torno da corrupção. O Papa afirmou que “como a política não é
uma questão dos “políticos”, a corrupção não é um vício exclusivo da
política. Existe corrupção na política, existe corrupção nas empresas,
existe corrupção nos meios de comunicação, existe corrupção nas Igrejas e
existe corrupção também nas organizações sociais e nos movimentos
populares. É justo dizer que existe uma corrupção radicada em alguns
âmbitos da vida econômica, em particular na atividade financeira, e que é
menos notícia do que a corrupção diretamente e ligada ao âmbito
político e social. É justo dizer que muito vezes se utilizam os casos de
corrupção com más intenções.”
Além disso, o Papa indicou a obrigação dos que “escolheram uma vida
de serviço” quanto à necessidade de “viver a vocação de servir com um
forte sentido de austeridade e a humildade. Isto vale para os políticos,
mas vale também para os dirigentes sociais e para nós pastores.”
Francisco apontou que a necessidade de uma vida austera para os líderes
dos movimentos sociais não pode se confundir nunca com as políticas de
supressão de direitos sociais, como acontece no Brasil hoje: “Disse
‘austeridade’. Gostaria de esclarecer a que me refiro com a palavra
austeridade. Pode ser uma palavra equivocada. Austeridade moral,
austeridade no modo de viver, austeridade em como levo em frente a minha
vida, minha família. Austeridade moral e humana. Porque no campo mais
científico, científico-econômico se quiserem, ou das ciências do
mercado, austeridade é sinônimo de ajuste. E não é a isto que me refiro.
Não estou falando disto.”
Participaram do encontro em Roma, delegados de movimentos populares
de mais de 60 países dos cinco continentes, entre eles o ex-presidente
do Uruguai Pepe Mujica e a líder ambientalista indiana Vandana Shiva.
João Pedro Stédile, líder histórico do MST, foi um dos integrantes do
grupo brasileiro.
Em sua conferência no encontro, Mujica chamou a atenção para o fato
de que que apenas 32 pessoas detêm tanta riqueza quanto 300 milhões na
América Latina e que a esta situação uma “concentração do poder
político” com decisões dos governos “que favorecem os que acumulam”,
num procasso que “desacredita os sistemas políticos e faz o povo começar
a dar as costas aos sistemas políticos representativos”. O
ex-presidente uruguaio afirmou que sem uma mudança cultura profunda não
haverá mudanças: Não se pode construir uma cultura solidária a partir de
valores capitalistas”. Veja aqui mais detalhes do discurso de Mujica ou ouça-o na íntegra.
O documento final do encontro afirma que “o sistema capitalista que
governa o mundo” é o causador da crise ambiental do planeta, por não
respeitar “a dignidade humana”. Um momento emocionante da leitura do
documento por Edilma Mendes foi a menção a Berta Cárceres, líder
ambiental hondurenha assassinada em março passado: “Queremos recordar
Berta Cárceres, porta-voz de nosso primeiro encontro, assassinada por
promover processos de mudanças”. Ela leu o documento final do primeiro
encontro, realizado em 2014 também em Roma –o segundo, em 2015, foi em
Santa Cruz de la Sierra (Bolívia).
Os movimentos populares apresentaram a proposta de “um salário social
universal para os trabalhadores”, propuseram que a inviolabilidade da
residência familiar seja um direito também universal, condenaram a
privatização da água, os transgênicos e as patentes de sementes. Os
movimentos populares querem “mecanismos institucionais” que garantam sua
participação nas decisões políticas e econômicas e manifestaram o
desejo de “construir uma cidadania universal que derrube os muros da
exclusão e da xenofobia”.
Ao final do texto com as conclusões, os líderes dos movimentos
sociais de boa parte do planeta afirmaram querer “trabalhar junto com
Francisco, para que estas propostas transformem-se em direitos” e
incentivaram “as igrejas locais a fazerem realidade as mensagens do
Papa”. Se quiser, clique aqui para ler a reportagem do site católico espanhol Religion Digital sobre o último dia do encontro. Veja aqui o site oficial do encontro, com muitos detalhes sobre tudo o que aconteceu.
Stedile apresentou um bom resumo de como o diálogo e as formulações
evoluíram desde o primeiro encontro, em 20014, até o de 2016. Assista
clicando aqui.
Todo o discurso do Papa foi vazado em termos duros contra o
capitalismo e os ricos de incentivo aos movimentos populares para que
tomem o destino do mundo em suas mãos.
Francisco apresentou um verdadeiro programa mínimo comum que poderia
unificar os movimentos populares em todo o planeta “para caminhar em
direção a uma alternativa humana diante da globalização da indiferença”:
“1. Colocar a economia a serviço dos povos; 2. Construir a paz e a
justiça; 3. Defender a Mãe Terra.”
A seguir, detalhou este programa que deveria se nortear pela seguinte
plataforma: “trabalho digno para aqueles que são excluídos do mercado
de trabalho; terra para os agricultores e as populações indígenas;
moradia para as famílias sem-teto; integração humana para os bairros
populares; eliminação da discriminação, da violência contra as mulheres e
das novas formas de escravidão; o fim de todas as guerras, do crime
organizado e da repressão; liberdade de expressão e de comunicação
democrática; ciência e tecnologia a serviço dos povos.”
O Papa escutou os consensos articulados nos trabalhos durante a
semana e que foram reunidos pelo projeto surgido nos últimos anos na
América Latina sob o desejo do “bem viver”: “Ouvimos também como vocês
se comprometeram em abraçar um projeto de vida que rejeite o consumismo e
recupere a solidariedade, o amor entre nós e o respeito pela natureza
como valores essenciais. É a felicidade de ‘bem viver’ aquilo que vocês
reclamam, a ‘vida boa’, e não aquele ideal egoísta que enganosamente
inverte as palavras e propõe a ‘bela vida’.”
O Papa fez um vínculo direto entre o governo do dinheiro e o
terrorismo: “Quem governa então? O dinheiro. Como governa? Com o chicote
do medo, da desigualdade, da violência econômica, social, cultural e
militar que gera sempre mais violência em uma espiral descendente que
parece não acabar nunca. Quanta dor, quanto medo! Existe – disse
recentemente – existe um terrorismo de base que deriva do controle
global do dinheiro sobre a terra e ameaça toda a humanidade. Deste
terrorismo de base se alimentam os terroristas derivados como o
narcoterrorismo, o terrorismo de Estado e aquele que alguns erroneamente
chamam terrorismo étnico ou religioso. Nenhum povo, nenhuma religião é
terrorista. É verdade, existem pequenos grupos fundamentalistas de todas
as partes. Mas o terrorismo inicia quando ‘é expulsa a maravilha da
criação, o homem e a mulher, e colocado ali o dinheiro’ (Coletiva de
imprensa no voo de retorno da Viagem Apostólica à Polônia, 31 de julho
de 2016). Tal sistema é terrorista.”
O Papa animou os movimentos sociais do planeta a não se deixarem
paralisar pelo medo: “Nenhuma tirania, nenhuma tirania se sustenta sem
explorar os nossos medos. Isso é chave. Disto o fato de que toda a
tirania seja terrorista. E quando este terror, que foi semeado nas
periferias são com massacres, saques, opressão e injustiça, explode nos
centros com diversas formas de violência, até mesmo com atentados
odiosos e covardes, os cidadãos que ainda conservam alguns direitos são
tentados pela falsa segurança dos muros físicos ou sociais. Muros que
fecham alguns e exilam outros. Cidadãos murados, aterrorizados, de um
lado; excluídos, exilados, ainda mais aterrorizados de outro. É esta a
vida que Deus nosso Pai quer para os seus filhos? O medo é alimentado,
manipulado… Porque o medo, além de ser um bom negócio para os mercadores
das armas e da morte, nos enfraquece, nos desestabiliza, destrói as
nossas defesas psicológicas e espirituais, nos anestesia diante do
sofrimento dos outros e no final nos torna cruéis. Quando ouvimos que se
festeja a morte de um jovem que talvez tenha errado o caminho, quando
vemos que se prefere a guerra à paz, quando vemos que se difunde a
xenofobia, quando constatamos que ganham terreno as propostas
intolerantes; por trás desta crueldade que parece massificar-se existe o
frio sopro do medo.”
E incentivou os líderes e protagonistas destes movimentos a atuarem
na política em seus países, pois a ausência deles deixa terreno aberto
para que “os grupos econômicos e midiáticos” dominem a cena –uma
descrição quase literal do processo em curso no Brasil. “Os movimentos
populares, o sei, não são partidos políticos e deixem que eu vos diga
que, em grande parte, aqui está a vossa riqueza, porque vocês expressam
uma forma diversa, dinâmica, e vital de participação social na vida
pública. Mas não tenham medo de entrar nas grandes discussões, na
Política com maiúscula”.
Também num trecho que pareceu talhado ao contexto brasileiro o Papa
alertou os movimentos sociais para “o risco de deixar-se formatar e o
risco de deixar-se corromper.” Para Francisco , esta “formatação”
significaria os movimentos sociais relegarem-se a agendas
assistencialistas nas quais “vocês são tolerados.” Quando os movimentos
populares colocam-se “no terreno das grandes decisões que alguns
pretendem monopolizar em pequenas castas” deixam de ser tolerados:
“Assim a democracia se atrofia, torna-se um nominalismo, uma
formalidade, perde representatividade, vai desencarnando-se porque deixa
fora o povo na sua luta cotidiana pela dignidade, na construção de seu
destino.”
O Papa convocou os movimentos sociais “a refundar as democracias que
estão passando por uma verdadeira crise” e não se bastarem a “a atores
secundários, ou pior, a meros administradores da miséria existente.
Nestes tempos de paralisias, desorientação e propostas destrutivas, a
participação como protagonistas dos povos que buscam o bem comum pode
vencer, com a ajuda de Deus, os falsos profetas que exploram o medo e o
desespero, que vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade ou de um
bem-estar egoístico e uma segurança ilusória.”
_______________
MAIS:
Leia na íntegra a fala do Papa Francisco aos movimentos populares, em Roma (5/11); o a palestra de Pepe Mujica, também presente ao encontro; a análise de João Pedro Stédile do MST sobre sua importância no cenário atual; a cobertura no site oficial do Encontro Mundial de Movimentos Populares.
(fonte: http://outraspalavras.net/maurolopes/2016/11/05/papa-condena-a-internacional-do-dinheiro-e-diz-que-ha-no-mundo-o-projeto-ponte-dos-povos-e-o-projeto-muro-do-dinheiro/)
No encerramento do III Encontro Mundial dos Movimentos Populares, na
tarde deste sábado (5) na sala Paulo VI, no Vaticano, o Papa Francisco
fez um ataque assertivo ao capitalismo, e disse que o mundo está
dividido entre dois projetos: “Um projeto-ponte dos povos diante do
projeto-muro do dinheiro.” Leia a íntegra do discurso de Francisco
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