Mauro Santayanna, certamente um dos mais aguçados olhares na
imprensa sobre as questões internacionais, escreve hoje sobre as
dificuldades do Ocidente de entender que nem a Rússia, nem seu
presidente, Vladimir Putin, são molambos mafiosos, sem capacidade
política e sem sofisticação em gestos e palavras.
Sem mais a União Soviética às suas costas mas, ao contrário de
líderes fracos como Gorbachev e Yeltsin, Putin move sempre as peças com
uma percepção milimétrica da distância entre a provocação e a
flexibilidade.
Provocação, obvio, à hegemonia americana no mundo, como que a dizer “é, vocês podem muito, mas não podem tudo”.
Contem um a um os episódios destes últimos meses: Síria, Edward Snowden, Criméia.
Em todos eles, os russos deram um nó de valsa nos EUA, que sempre
ficaram presos pelas linhas morais que Moscou traçava diante deles e que
não podia ultrapassar.
A quatro dias do referendo para decidir sobre a separação da
Ucrânia e associação à Russia, não parece haver “sanções” que os EUA ou
seus parceiros da Europa possam impor diante de um resultado eleitoral
adverso.
A linha moral estará mais uma vez, e desta vez com votos, traçada diante de qualquer ousadia.
E Putin livre para retaliar com suas diversas matrioskas ousadias que dificilmente virão.
A Otan e as matrioskas
Mauro Santayanna
Toda nação tem seus símbolos. Um dos mais tradicionais símbolos
russos, à altura de Dostoiévski, e de Pushkin, são as Matrioskas, as
bonecas de madeira, delicadamente pintadas e torneadas, que, como as
camadas de uma cebola, guardam, uma dentro da outra, a lembrança do
infinito, e a certeza de que algo existe, sempre, dentro de todas as
coisas, como em um infinito jogo de espelhos e surpresas.
Ao se meter no complicado xadrez geopolítico da Eurásia, que já
dura mais de 2.000 anos, o “ocidente” esqueceu-se dos russos e de suas
Matrioskas.
Para enfrentar o desafio colocado pela interferência ocidental na Ucrânia, Putin conta com suas camadas, ou suas Matrioskas.
A primeira camada, a maior e a mais óbvia, é o poder nuclear.
A Rússia, com todos os seus problemas, é a segunda potência
militar do planeta, e pode destruir, se quiser, as principais capitais
do mundo, em uma questão de minutos.
A segunda é o poder convencional. A Rússia dispõe, hoje, de um
exército quatro vezes maior que o ucraniano, recentemente atualizado,
contra as armas herdadas, pela Ucrânia, da antiga URSS, boa parte delas,
devido à condição econômica do país, sem condições de operação.
A terceira, é o apoio chinês, a China sabe que o que ocorrer
com a Rússia, hoje, poderá ocorrer com a própria China, no futuro, assim
como da importância da Rússia, como última barreira entre o Ocidente e
Pequim.
A quarta Matrioska é o poder energético. Moscou forneceu, no
último ano, 30% das necessidades de energia européias, e pode paralisar,
se quiser, no próximo inverno, não apenas a Ucrânia, como o resto do
continente, se quiser.
A quinta, é a financeira. Com 177 bilhões de superávit na
balança comercial em 2013, os russos são um dos maiores credores, junto
com os BRICS, dos EUA. Em caso extremo, poderiam colocar no mercado, de
uma hora para outra, parte dos bilhões de dólares que detêm em bônus do
tesouro norte-americano, gerando nova crise que tornaria extremamente
complicada a frágil a situação do “ocidente”, que ainda sofre as
consequências dos problemas que começaram – justamente nos EUA – em
2008.
Finalmente, existe a questão étnica e histórica. Para
consolidar sua presença nas antigas repúblicas soviéticas, Moscou criou
enclaves russos nos países que, como a Ucrânia, se juntaram aos
nazistas, para atacar a URSS na Segunda Guerra.
Naquele momento, o nacionalismo ucraniano, fortemente
influenciado pelo fascismo, não só recebeu de braços abertos, as tropas
alemãs, quando da chegada dos nazistas, mas também participou, ao lado
deles, de alguns dos mais terríveis episódios do conflito.
Derrotados pelo Exército Soviético, na derradeira Batalha de
Berlim, em 1945, os alemães sabem, por experiência própria, como pode
ser pesada a pata do urso russo, quando provocado.
E como podem ser implacáveis – e inesperadas – as surpresas que se ocultam no interior das Matrioskas.(Fonte: http://tijolaco.com.br/blog/?p=15278)
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