O ninho da serpente
Há um velho ditado que reza que, toda vez que o capitalismo se vê ameaçado, ele sai para passear com o fascismo.
Como
um skinhead e seus pit-bulls, que pode ser por eles atacado, depois de
tentar prendê-los à força no canil, ao voltar para casa, bêbado drogado,
a Europa mostra que não aprendeu nada com as notícias dos jornais, nem
com as lições do passado.
Dirigentes europeus - e
norte-americanos - tiram fotos, sorridentes, ao lado dos líderes do
Partido Svoboda ucraniano, que podem ser vistos, em outras fotos,
recentes, discursando em tribunas nazistas e saudando com a palma da mão
levantada.
A cruz celta, símbolo da supremacia branca, as
suásticas, os três dedos que lembram o tridente tradicional usado pelos
neofascistas ucranianos, os raios assassinos das SS nazistas,
destacam-se nas bandeiras e braçadeiras portadas pela multidão, na qual
desfilam, triunfantes, membros das 22 organizações neonazistas que
existem no país, que, segundo analistas locais, são muito mais radicais
que o “Svoboda”.
As notícias que vem de Kiev dão conta
de que há indícios de que os atiradores que mataram manifestantes
durante os protestos, antes do golpe, teriam sido contratados pelos
próprios neonazistas para fazê-lo. Sinagogas têm sido incendiadas nos
úlimos meses, professores e estudantes de Yeshivas – assim como
estrangeiros e homossexuais - têm sido insultados e espancados pelas
ruas.
Na Ucrânia atual o anti-semitismo é tão forte, que nos
últimos 20 anos, depois da derrocada da União Soviética – que sempre
protegeu os judeus como etnia – 80% dos 500.000 hebreus que viviam no
país o abandonaram, desde 1989, em um êxodo sem precedentes no
pós-guerra. Hoje, em uma população mais de 44 milhões de habitantes, há
menos de 70.000 judeus ucranianos.
Se a situação é ameaçadora
para a população judaica, é ainda pior para os cerca de 120.000 a
400.000 ciganos que vivem na Ucrânia, uma minoria que não conta com
recursos para deixar o país, nem com um destino, como Israel, que os
possa receber.
Com a desmobilização da polícia e do exército, e
sua substituição por brigadas paramilitares compostas de vândalos e
arruaceiros, os neonazistas têm circulado livremente pelos bairros
ciganos da periferia de Kiev e de cidades do interior do país,
insultando e agredindo. impunemente, qualquer homem, mulher, criança,
idoso, que encontrem pela frente.
Não é preciso lembrar que os
roms, assim como os judeus, foram torturados e mortos – seis milhões de
judeus e um milhão de ciganos, pelo menos – nos campos de concentração e
de extermínio nazistas, a maioria deles pelas mãos de voluntários
ucranianos, que serviam de “guarda” auxiliar para os alemães, em lugares
como Treblinka, Auschwitz e Sobibor.
Os nazistas ucranianos não
apenas forneceram assassinos e torturadores para o holocausto - e a
eliminação de prisioneiros políticos e de homossexuais - mas também
lutaram ao lado dos alemães, por meio da sua famigerada Legião Ucraniana
de Autodefesa e da Divisão SS Galitzia, contra os russos, na Segunda
Guerra Mundial.
Longe de renegar esse passado, do qual toma parte
o extermínio da própria população ucraniana – em Baby Yar, uma ravina
perto de Kiev, foram massacrados, com a ajuda de soldados e policiais
ucranianos, 150.000 mil civis, entre ciganos, comunistas, e judeus
ucranianos, 33.700 deles apenas nos dias 29 e 30 de setembro de 1941 –
a direita ucraniana o venera e honra.
No dia primeiro de agosto
de 2013, com a presença de um padre ortodoxo, dezenas de pessoas
vestindo uniformes da Waffen SS, em meio a uma profusão de bandeiras
ucranianas e de suásticas, se encontraram na cidade de Chervone, na
Ucrânia, para honrar o “sacrifício” dos “heróis” ucranianos da Divisão
SS Galitzia.
Os nazistas ucranianos não foram os únicos a
combater, ao lado de Hitler, contra a União Soviética e a colaborar no
extermínio de judeus e ciganos e da sua própria população.
O
massacre de Odessa, também na Ucrânia, de outubro de 1941, no qual
morreram 50.000 judeus, foi cometido, sob “organização” alemã, por
tropas do exército romeno, um dos diversos países que participaram,
como aliados do nazismo, da invasão da URSS na Segunda Guerra Mundial.
Entre
elas, estavam, além da Itália, da Espanha e da Romênia, Bulgária,
Hungria e Eslováquia, países não por acaso colocados - para que isso não
viesse a acontecer de novo - sob a esfera de influência soviética, após
o fim do conflito.
Engrossada pela deterioração do
estado de bem-estar social, a crise econômica, o desemprego e a pressão
migratória - criada em boa parte pela própria Europa com o incentivo ao
terrível pesadelo da “Primavera Árabe” - a baba do racismo, do ódio
contra os ciganos e os árabes, do antissemitismo e do anticomunismo
mais arcaico e bestial, espalha-se como peste seguindo o curso de
grandes rios como o Dnieper e o Danúbio, criando uma sopa densa e
corrosiva, apropriada para alimentar as ovas - nunca totalmente inertes -
da serpente nazista.
Fruto de uma nação multiétnica, que
estabelece seu passado e seu futuro na diversidade universal de sua
gente, nenhum brasileiro pode ficar ao lado dos golpistas neofascistas
ucranianos.
Não é possível fazê-lo, não apenas pelo senso comum de não apoiar uma gente que odeia e despreza tudo o que somos.
Mas, também, porque não podemos desonrar o sangue e a memória daqueles cujos ossos descansaram no solo sagrado de Pistóia.
De
quem, em lugares como Monte Castelo e Fornovo di Taro – onde
derrotamos, em um único dia, a 148 Divisão Wermacht e a Divisão
Bersaglieri Itália, obtendo a rendição incondicional de dois generais e
de milhares de prisioneiros – combateu, com a FEB, o bom combate.
Dos
soldados e aviadores que, com a força e a determinação de 25.700
corações brasileiros, ajudaram a derrotar, naquele momento, a serpente
hitleriana.
No afã de prejudicar e sitiar a Rússia, criando
problemas à sua volta, em países que já a atacaram no passado, o que a
UE não entendeu, ainda, é que o que está em jogo na Ucrânia não é o
apenas o futuro do maior país europeu em extensão territorial, nem mesmo
o de Putin, mas o da própria Europa.
Até agora, o neonazismo se
ressentia de um território grande e simbólico o suficiente, do ponto de
vista de uma forte ligação com o anticomunismo e com o
nacional-socialismo, no passado, para servir de estuário para o
ressentimento e as frustrações de um continente decadente e nostálgico
das glórias perdidas, que nunca se sentiu realmente distante, ou
decididamente oposto, ao fascismo.
Faltava um lugar, um
santuário, onde se pudesse perseguir o mais fraco, o diferente,
impunemente. Um front ideológico e militar para onde pudessem convergir –
como voluntários ou simpatizantes - militantes da supremacia branca de
todo o mundo.
Um laboratório para a criação de um novo estado,
com leis, estrutura e ideologia semelhantes às que imperavam na Alemanha
há 70 anos.
Se, como tudo indica, os neonazistas se
encastelarem no poder em Kiev, por meio de eleições fraudadas, ou da
consolidação de um golpe de estado desfechado contra um governante
eleito, o ninho da serpente poderá renascer, agora, no conflagrado
território ucraniano.
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/O-ninho-da-serpente/30428
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