A
extensão da bacia hidrográfica Rio do Prata, e a imensa fertilidade de
suas terras, explicam, em boa medida, a importância estratégica do Cone
Sul, dentro do sistema internacional. A Bacia do Prata, constitui uma
região geoeconômica
plana, contínua e relativamente homogênea, que atravessa fronteiras e
integra partes importantes dos territórios argentino, uruguaio,
paraguaio e boliviano, e do próprio território brasileiro, banhado pelo
Rio Paraná, e pelos seus afluentes, Paranaíba, Grande, Tietê e
Paranapanema. Essa região de enorme potencial econômico, foi
transformada num só tabuleiro geopolítico, pelas “guerras de
independência”, e pelas “guerras platinas”, que se sucederam até a
segunda metade do século XIX, culminado com a Guerra do Paraguai, que
marca o início da competição secular entre a Argentina e o Brasil, pelo
controle do Cone Sul. Um século, exatamente, em que a Argentina se
transformou no primeiro grande “milagre econômico” da América do Sul,
entre 1870 e 1940; e em que o Brasil se transformou no segundo grande
“milagre econômico” do continente, entre 1937 e 1980, completando ao
final, mais de cem anos de alto crescimento contínuo, dentro de uma
mesma região, algo absolutamente incomum na história do desenvolvimento
capitalista.
O take off do
“milagre econômico” argentino ocorreu logo depois da Guerra do
Paraguai, e da unificação definitiva do estado argentino, na década de
1860. Obedeceu a uma estratégia geopolítica claramente expansiva e de
disputa pela hegemonia do Cone Sul, com o
Brasil e o Chile. Essa estratégica orientou, desde o início, as guerras
argentinas de conquista territorial do oeste e do sul, assim como seu
desenvolvimento econômico e sua aliança quase incondicional com a
Inglaterra. Entre 1870 em 1930, a economia argentina cresceu a uma taxa
média anual de cerca de 6%, e no início do século XX, a Argentina havia
se transformado no país mais rico do continente sul-americano, e na
sexta ou sétima economia mais rica do mundo, com uma renda per capita
que era quatro vezes maior que a dos brasileiros, e quase o dobro da dos
norte-americanos, naquele momento. Nessa hora, a Argentina teve todas
as condições para se transformar na potência hegemônica da América do
Sul, e numa importante potência econômica mundial.
Mas
não foi isto que aconteceu, depois de 1940, quando a Argentina entrou
num longo processo entrópico de divisão social, e crise política
crônica, ao não conseguir se unir em torno de uma nova estratégia
adequada ao contexto geopolítico e econômico criado pelo fim da II
Grande Guerra, pelo declínio da Inglaterra e pela nova supremacia
mundial dos Estados Unidos.
Como se fosse uma sequência ou consequência quase direta dessa
desaceleração argentina, o Brasil viveu o seu próprio “milagre
econômico” – entre 1937 e 1980 – orientado por uma estratégia igual e
contrária, de resposta e superação do desafio argentino, através de uma
política de rearmamento das Forças Armadas e de desenvolvimento e
industrialização da economia brasileira. Essas ideias foram elaboradas e
amadurecidas durante as duas primeiras décadas do século XX, mas só
foram implementadas de forma sistemática e consistente a partir da
década de 30, quando a economia brasileira cresceu à uma taxa media
anual de 7%, ultrapassando a Argentina e transformando-se na principal
economia da América do Sul.
Mas
esse quadro favorável e de crescimento contínuo foi alterado pela crise
econômica e pelas mudanças geopolíticas da década de 70, quando o
governo brasileiro foi obrigado a redefinir sua estratégia de inserção
internacional, e sua própria política de desenvolvimento econômico. Foi
nesse momento que governo militar do general Geisel propôs a
transformação do Brasil numa “potência intermediária”, e num
“capitalismo de estado”.
Mas esse projeto dos
militares brasileiros foi atropelada pela politica externa, pela
politica econômica internacional dos Estados Unidos e pela oposição de
uma parte das elites que haviam apoiado o regime militar.
Nessa
história, o importante é entender que os “milagres econômicos” da
Argentina e do Brasil, nos séculos XIX e XX, foram orientados por duas
estratégias opostas de competição econômica e militar, pela hegemonia do
Cone Sul. Essas estratégias foram formuladas internamente, mas acabaram
sendo estimuladas e instrumentalizadas pela Inglaterra e pelos EUA,
como forma de equilibrar as forças e neutralizar o poder expansivo do
próprio Cone Sul. Desse ponto de vista, o novo projeto do Brasil e da
Argentina — a construção de
uma “zona de co-prosperidade” e de um bloco de poder sul-americano — é,
de fato, uma revolução, na história do Cone Sul. Mas trata-se de uma
estratégia que só poderá ter sucesso no longo prazo, e que enfrentará
uma oposição externa e interna, ferrenha e permanente, dos EUA e dos
partidários locais do “cosmopolitismo de mercado”. Nesse ponto não há
como enganar-se: todo e qualquer sucesso dessa nova aliança, e dessa
nova política do Brasil e da Argentina, será sempre considerado como uma
“linha vermelha”, para os interesses dos EUA e de sua rede de apoios
dentro continente, defensora da submissão estratégica e econômica da
América do Sul à politica internacional dos Estados Unidos.
(Fonte: http://outraspalavras.net/mundo/america-latina/brasil-argentina-e-o-cone-sul/)
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