O colapso da civilização
Texto escrito por José de Souza Castro:
Um estudo assinado por três cientistas
das universidades de Maryland e Minnesota, nos Estados Unidos, e
divulgado há alguns dias, vem causando polêmica em vários países, mas
teve pouca repercussão no Brasil. Entre os grandes jornais, só o “O
Globo” abriu espaço para o estudo, no dia 19, em sua editoria de Ciências. Título da reportagem: “Nasa prevê que planeta está à beira do colapso”.
A
agência espacial norte-americana é citada também por jornais de vários
países, principalmente o Reino Unido, como financiadora do estudo. Mas,
no dia 20 de março, a Nasa se apressou a tirar o corpo fora. Em nota à imprensa,
declarou que o estudo não foi solicitado, orientado ou revisado por
ela. Esclareceu que se trata de um estudo independente feito por
pesquisadores de universidades que utilizaram ferramentas de pesquisa
desenvolvidas pela Nasa para outra atividade.
O
próprio título do estudo explica esse cuidado da Nasa, uma agência do
governo dos Estados Unidos, pois ele destaca a desigualdade na
distribuição das riquezas no mundo como causa do colapso de nossa
civilização.
Os
autores tentam construir um modelo matemático simples para explorar as
dinâmicas essenciais da interação entre população e recursos naturais.
Concluem que duas características estiveram sempre presentes nas
civilizações que soçobraram nos últimos milênios: a exploração
predatória dos recursos naturais e a divisão das sociedades entre ricos e
pobres, ou entre elites e comuns.
As
elites controlam as riquezas acumuladas, inclusive alimentos, enquanto
para a massa da população, que produz a riqueza, sobra apenas uma
pequena parte, em geral o bastante para a sobrevivência. Como o consumo
das elites tende a crescer, eventualmente os comuns se revoltam, dando
início ao colapso. Até aí, nenhuma novidade. Karl Marx, entre tantos
outros, escreveram sobre isso.
E
não demorou quase nada para que os autores do estudo – Safa Motesharrei
e Eugenia Kalnay, da Universidade de Maryland, e Jorge Rivas, da
Universidade de Minnesota – fossem acusados de comunistas. De fato, o
modelo matemático desenvolvido pela Nasa e utilizado por eles não se
dedicava, originalmente, a medir como a desigualdade na distribuição de
renda pode apressar o fim de uma civilização, como teria ocorrido várias
vezes no passado. Essa questão foi introduzida por eles no modelo
batizado pela Nasa como Human and Nature Dynamics (Handy).
Conforme
a notícia publicada pelo “O Globo”, sem dar destaque a essa questão –
compreensivelmente, dada a conhecida orientação pró-capital do jornal –,
quanto maior a diferença entre ricos e pobres, maiores as chances de um
desastre. “Segundo a pesquisa, a desigualdade entre as classes sociais
pauta o fim de impérios há mais de cinco mil anos” – afirma o texto, no
quinto parágrafo.
O
diretor executivo do Institute for Policy Research & Development,
Nafeez Ahmed, o primeiro a escrever sobre esse estudo – e o fez nas páginas do jornal britânico
“The Guardian” –, afirma que, embora ele seja amplamente teórico, há
muitos outros estudos mais empiricamente focados que alertam: a
convergência das crises de alimento, água e energia poderia criar a
tempestade perfeita dentro de aproximadamente 15 anos.
Nafeez Ahmed foi acusado de ter induzido jornais do mundo inteiro a atribuir o estudo à Nasa. AQUI ele contesta um dos críticos e a própria nota da Nasa, reafirmando que a agência teve participação, sim, no apoio ao estudo.
Independentemente
desse estudo, como lembrou “O Globo” em sua reportagem, a Nasa já
constatou diversas vezes a multiplicação de eventos climáticos extremos,
como o frio intenso do último inverno na América do Norte e o calor
que, nos últimos meses, afligiu a Austrália e a América do Sul. “Seus
estragos paralisam setores vitais para o funcionamento da sociedade”.
O
fim da civilização pode ser adiado ou evitado, conforme o estudo, desde
que ela passe por grandes modificações. As principais seriam o controle
da taxa de crescimento populacional e a redução da dependência por
recursos naturais e sua distribuição de uma forma mais igualitária. Não é
nada fácil e resta pouco tempo, ao que parece, para que providências a
esse respeito sejam tomadas.
A
depender das elites, não haverá qualquer providência. E elas, nos
últimos cinco mil anos, jamais foram tão poderosas como agora. Segundo o
“Guardian”, o patrimônio das 85 famílias mais ricas do mundo é igual ao
da metade da população mundial, como pode ser visto AQUI, na tradução do artigo de Graeme Wearden publicado no dia 20 de janeiro deste ano pela “Folha de S. Paulo”.
Pobre civilização! Seus dias parecem já estar contados.
(Fonte: http://kikacastro.com.br/2014/03/24/o-colapso-da-civilizacao/ )
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