terça-feira, 6 de novembro de 2012

A História e as mulheres no Brasil


Carla Bassanezi Pinsky, de São Paulo, enviou este texto, publicado originalmente no Correio Braziliense de 29 de setembro de 2012.
A foto que acompanha, claro, não estava no jornal. Mas me pareceu significativa ao sugerir o olhar para os novos caminhos das mulheres brasileiras.
Gostei muito e torço para que ele seja a primeira colaboração dos leitores e leitoras deste blog. Muito legal!


A História e as mulheres no Brasil

Carla Bassanezi Pinsky
Historiadora. Organizadora, com Joana Pedro, do livro Nova História das Mulheres no Brasil.

Já não há dúvida de que as mulheres merecem atenção em qualquer História escrita sobre as transformações ocorridas nos séculos XX e XXI. E, quando falamos das brasileiras, temos que considerar suas especificidades na comparação com as mulheres de outros lugares. A escravidão, que perdurou até fins do século XIX, ou a recente ditadura militar, por exemplo, influenciaram nossa chamada historia geral, mas também marcaram de maneira particular a historia das mulheres. Vejamos.
Diferentemente de povos que não tiveram a escravidão pautando as relações sociais em seus territórios ou que, ao abolir a escravatura, patrocinaram alternativas significativas de inserção social dos negros libertos, por aqui, o fim do regime escravista deixou evidente uma categoria de mulheres com muito menos oportunidades que as outras. Na época, o preconceito racial contribuiu para limitar sua atividade a vendedoras de rua, lavadeiras, empregadas domésticas entre outras ocupações humildes.
As brasileiras conquistaram o direito de votar e ser eleitas só depois das americanas (1920) e inglesas (1928), mas antes de francesas (1944), italianas (1945) e muito na frente de suíças (1971) e portuguesas (1974). A luta de nossas sufragistas, iniciada logo no advento da República e reforçada pelas manifestações sociais do início do século, foi vitoriosa já nos anos 30 graças a uma conjunção de fatores: se por aqui o movimento pelo voto feminino nunca foi “de massas”, por outro lado era muito bem organizado e capaz de exercer forte pressão política. A maioria das líderes feministas originava-se das classes privilegiadas, eram educadas e/ou parentes de figuras de projeção nacional, e souberam aproveitar-se disso para obter simpatias para a causa. Com Vargas disposto a legitimar-se e dar aparência de modernidade a seu governo, o sonho do sufrágio feminino se materializou.
Também diferente das estrangeiras que viviam sob regimes democráticos nos anos 60 e 70, as brasileiras viram suas liberdades cerceadas no terrível período da ditadura militar. Assim, enquanto na França, por exemplo, as feministas combatiam o patriarcado e defendiam a liberação sexual, por aqui, o machismo era apenas um dos “inimigos”, sendo que as questões da desigualdade social e da liberdade política apareciam em primeiro plano na pauta das reivindicações.  Por outro lado, enquanto o exercício da política pelas “vias normais” (partidos, sindicatos) estava proibido no país, as mulheres – apresentando-se como mães, esposas e donas de casa – ocuparam a linha de frente em manifestações contra a carestia, por creches e postos de saúde e também pela anistia política.
No Brasil, leis que regulamentam o divórcio ou reconhecem direitos reprodutivos surgiram mais tarde (ou ainda esperam engavetadas, enquanto muitas mulheres padecem...) em razão do grande peso da Igreja Católica e demais confissões cristãs contrárias à liberdade sexual e ao poder decisório da mulher em relação a seu próprio corpo. Porém, a pílula anticoncepcional chegou relativamente cedo ao Brasil – no início, divulgada mais como uma forma de controle da natalidade (para a diminuição da pobreza, considerada fruto do “comportamento irresponsável dos pobres que fazem filhos demais”) do que como um direito da mulher de escolher se e quantos filhos quer ter.
Por aqui, a grande disponibilidade de empregadas domésticas adiou – se comparamos com Estados Unidos ou França, por exemplo – as discussões no interior dos casais sobre a divisão das tarefas do lar, dando ao feminismo bancado por militantes de classe média um colorido um tanto diferente do de outras paragens. Equacionada essa questão (por algum tempo), elas puderam se dedicar com mais afinco aos problemas da igualdade no mercado de trabalho.
E um último exemplo, que diz respeito à “paixão esportiva nacional”: ao contrário dos EUA, no Brasil, o futebol foi considerado por muito tempo “coisa de homem”; sua prática por mulheres chegou a ser proibida por lei durante décadas sob a justificativa de ser “incompatível com a natureza feminina”, “perigosa para as capacidades procriativas da mulher”.
A lista poderia crescer muito, mas é suficiente para concluirmos ser necessário conhecer cuidadosamente, e com detalhe, a história das mulheres no Brasil no momento de estabelecer políticas públicas com mais eficiência e de tentar modificar as relações de gênero em nosso país.

Um comentário:

  1. Incomoda-me que se discuta apenas a condição da mulher rica. Sim, porque a mulher pobre sempre esteve presente no mundo do trabalho. Em sala de aula tento fazer essa observação, mas fica sempre a falsa ilusão de que a mulher só entra no mundo do trabalho mais tarde e até então, vive dentro de casa e só...

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