terça-feira, 30 de setembro de 2014

Populismo e ação impopular





            A mídia tradicional do Brasil, controlada por nada mais que onze famílias, é contrária às medidas que visam diminuir o abismo que existe entre ricos e pobres. Chamam essa política de “populismo”, querendo dizer que este é responsável pela decadência de muitos países. Mas, na verdade, as medidas impopulares que propõem eliminar direitos das classes trabalhadoras; que são contra bolsas de estudos e de famílias: que depreciam a saúde pública para aumentar o lucro da saúde privada; que lutam para privatizar as empresas de economia mista, tudo isso reforça a estrutura que permite que a sociedade se mantenha injusta, retirando de todos para capitalizar o setor financeiro do capitalismo global. No Brasil as medidas impopulares idealizadas por Margareth Thatcher, que deveriam ser repugnadas, passam por ações que projetam e ampliam os negócios e os poderes do capitalismo, a exemplo da política de privatização projetada por Collor e executada por FHC. As medidas impopulares têm levado o capitalismo ocidental a crises intermináveis com a perda de poder aquisitivo dos trabalhadores. O neoliberalismo que pretendia tirar o capitalismo da crise aprofundou-a irremediavelmente.
Diante desse impasse, pergunta-se: quem verdadeiramente nos representa? Na falta de resposta, a primeira consequência é a descrença e o desprezo pela representação política. A tendência da sociedade é a de se posicionar, marchar e agir contra a destruição da natureza; contra a exagerada acumulação e concentração de riquezas; contra a disparidade de rendas entre os executivos e os trabalhadores. Basta dizer que, segundo dados da revista Exame (2012) existem no Brasil 130 mil multimilionários, sendo que mais da metade deles, cerca de 84.500, vivem em São Paulo e Rio de Janeiro.
Na segunda semana de abril de 2014, veio à tona um fato muito significativo que sinaliza o divórcio entre as instituições clássicas e o novo paradigma de mobilização social. A entrevista concedida pelo ex-presidente Lula a blogueiros gerou uma onda de protestos entre os veículos tradicionais, que se sentiram excluídos dos costumeiros privilégios de coberturas exclusivas. Nem a visita do Papa Francisco escapou do maldito exclusivismo em que repórteres estiveram a bordo do avião que viajava e em seus aposentos no Rio de Janeiro. Os blogueiros, ao contrário, tiveram o mesmo espaço para perguntas e não houve seleção prévia para perguntar. Foi ai que os grandes jornais do país se enfureceram, pois perceberam que não mais fazem as cabeças de grande parte da população do país. Por que será que os manifestantes de rua atacam jornalistas das grandes redes?

Belo Horizonte, outubro de 2014.


Antônio de Paiva Moura

Desfazendo “mitos” eleitoreiros


Adital
Mais uma vez nos encontramos em período eleitoral. E nesta época sempre aparecem os "mitos”, uma vez que os brasileiros costumam discutir política não com a razão, mas com a emoção, com a mesma paixão que discutem futebol nos botequins das esquinas. Neste período, assim como acontece na discussão sobre futebol, aparecem 200 milhões de "cientistas políticos”, cada um pretendendo arrogantemente entender de política mais do que os outros.
Não se trata de não colocar paixão na reflexão de um tema que permeia toda a vida da nação e afeta cada um de nós brasileiros. Como já dizia o poeta e dramaturgo alemão, Bertold Brecht, tudo em nossa vida depende da política: a comida, o transporte, a educação, a saúde, a roupa, o calçado etc. etc. Que bom seria que em todos os espaços, em todos os lugares, em todos os ambientes se discutisse com muita seriedade o tema da política. Mas a questão está exatamente na forma como discutimos. De um modo geral fazemos isso sem consciência crítica, sem discernimento e sem nem mesmo saber do que estamos falando. Vamos muito pelo que diz a grande mídia, envolvida e totalmente comprometida com a elite e a burguesia brasileira, as quais querem manter seus privilégios às custas do sacrifício da maioria da população brasileira. Para defender os interesses dos poderosos, a grande mídia, geralmente controlada por eles, inventa e divulga alguns "mitos” que terminam confundindo a cabeça do eleitor desavisado, levando a acreditar e a votar exatamente em quem ele nunca deveria crer e votar. Vejamos agora alguns dos "mitos” inventados pela nossa mídia.

O primeiro deles é passar a impressão de que um candidato "ficha limpa” é um anjo, alguém sem nenhum defeito, sem nenhuma mácula. Ora, isso, além de ser falso, é irreal. Há milênios as grandes culturas e as grandes experiências religiosas detectaram que "todo homem é mentiroso, todo homem”. Não há, pois, candidatos genuinamente puros, totalmente revestidos de uma lisura ímpar. Quem ainda acredita nisso é um iludido, é um idiota que não se dá conta da realidade concreta do ser humano. Como já diziam os grandes filósofos gregos, em cada um de nós habita pelo menos um anjo e um demônio. Pensar que há alguém desprovido de seu lado demoníaco é pura idiotice. O que resta fazer, então? É procurar pessoas, candidatos equilibrados, ou seja, pessoas nas quais o lado demoníaco não prevaleça. E como isso dá trabalho e as pessoas se recusam a fazer como Zaratustra, o personagem de Nietsche, saindo pelas ruas com uma tocha acesa, em pleno dia claro, à procura desses candidatos equilibrados, terminam por aderir e votar nos que aparentam ser totalmente anjos. Aliás, uma das artimanhas dos demônios é exatamente criar a ilusão de que eles são anjos puríssimos. E com o marketing em alta, isso é possível ser feito sem maiores problemas.

Um segundo "mito”, também criado intencionalmente pela mídia "golpista”, é pensar e acreditar que "todo político é igual”, que "todos os partidos políticos são iguais”. E isso não só é falso como é profundamente enganador. No Brasil existem partidos políticos cujos programas estão totalmente voltados para os interesses das elites brasileiras. O passado destes partidos, as figuras que os compõem hoje, representam o que há de mais nojento na política brasileira. Pode-se dizer, sem medo de errar, que esses partidos hoje são bem representados pelo PSDB, pelo DEM e pelos partidos nanicos que gravitam em torno deles e a eles são subservientes. Todo eleitor crítico, consciente, ciente não vota nestes partidos. Mas há ainda bons partidos e bons políticos, cujos programas são sérios e bem significativos para o país. Mas devido ao assédio da mídia corrupta estes partidos e essas pessoas terminam permanecendo na penumbra ou sendo totalmente ignorados.

Outro "mito” que afeta a política brasileira é pensar que a solução de todos os problemas do país passa pela eleição do poder executivo. Assim, se elegermos o presidente da República, o governador do Estado e o prefeito do município, todas as questões serão resolvidas num toque de mágica. Esse mito está tão impregnado em nossa cultura política que, neste período eleitoral, se fazem somente debates públicos com os candidatos ao executivo. Deixamos de lado e não nos importamos com a eleição dos membros do poder legislativo. Estes, porém, são aqueles que fazem as leis e porque não há debate sério sobre eles, as pessoas terminam votando em elementos não comprometidos com o bem público. Basta dar uma olhada na atual bancada da Câmara e do Senado para perceber que a maioria dos que lá estão não poderia e nem deveria ter sido eleita.
Recentemente as elites, com o apoio da mídia a elas subservientes, criaram outro "mito”: o de que o Partido dos Trabalhadores (PT) é o único partido corrupto do Brasil. Tiveram a ajuda de um Judiciário parcial, que usando métodos questionados por eminentes juristas, tudo fizeram para massacrar algumas figuras do PT. Não se defende aqui a inocência `dos membros do PT que foram acusados e condenados. O que se questiona é o fato de que a mídia e o Judiciário não tenham usado da mesma severidade com outros partidos e outros políticos. Por que, por exemplo, não puniram com o mesmo rigor o PSDB, envolvido até o pescoço na lama da privataria tucana e no escândalo do metrô de São Paulo, cujas empresas ligadas ao dito escândalo continuam descaradamente patrocinando as campanhas dos candidatos suspeitos? Por que os políticos da "Caixa de Pandora” do Distrito Federal, pegos repartindo polpudas propinas, continuam impunes até agora? Alguns deles inclusive concorrendo, no momento, a cargos políticos ou obrigados a renunciar por serem "fichas sujas”, mais porcos do que "pau de galinheiro”. Percebe-se, então, que tudo não passou de uma armadilha, com o objetivo explícito de desviar a atenção dos verdadeiros corruptos. O próprio Ministério Público, por exemplo, não quis "cortar na própria carne”. Deixou impune até agora um dos seus membros, o ex-senador Demóstenes Torres, moleque de recado do bandido Carlinhos Cachoeira no Senado. Não se pode acreditar na seriedade de um poder judiciário que prende "ladrões de galinha” e deixa solto este tipo bandido de alta periculosidade para o povo, para a nação e para o país. Este tipo de judiciário já perdeu por completo a sua credibilidade juntos às pessoas sérias, dotadas de cérebro pensante e que raciocinam com espírito crítico.
Por fim um outro mito: a do messianismo político, ou seja, da figura do salvador da pátria. De repente, no cenário político, surge alguém com ideias mirabolantes, com a história de única alternativa possível, teatralizando, como sendo a salvação da pátria. E boa parte dos brasileiros fica encantada com o discurso bonito, com o espetáculo teatral bem montado, e se deixa enganar. Não percebe que se trata de alguém que não traz nenhuma novidade concreta. Pegou carona com outros partidos, aproveitou-se do espaço que lhe foi dado, comportou-se de maneira desleal com os seus aliados de outrora, e, de repente, se apresenta como a grande alternativa. Mas basta prestar atenção para se ver que, na prática, não há nada de novo. Mesmo porque os grandes problemas da nação não se resolvem nos palanques e com palavrórios bonitos dos programas políticos.
Portanto, se queremos votar bem temos que desfazer todos esses "mitos”, refletir com seriedade, usando a razão e não apenas a emoção. Há candidatos sérios, comprometidos com o bem comum. Temos que nos dar ao trabalho de procurá-los e de encontrá-los. Temos que recusar veementemente os "clichês” fabricados pela grande mídia. Temos que nos reunir para conversar, deixando de lado paixões desenfreadas, guiando-nos pela lógica, pela objetividade e pela racionalidade. Do contrário seremos apenas marionetes e terminaremos por votar em quem nunca deveríamos votar. Mas para fazer tudo isso temos que agir com humildade, escutando os outros, aprendendo com os outros e com a história e até abrindo mão de visões deturpadas, parciais, que até então carregávamos conosco. Convém jamais esquecer de que, na prática, a teoria é outra, especialmente na política. Quem chega com ideias mirabolantes, com chavões ultrapassados, fazendo teatro para chamar a atenção sobre si, prometendo resolver tudo num toque de mágica, é um mentiroso, um falso político, um hipócrita. Este sujeito não merece a confiança do eleitor sério e honesto.

José Lisboa Moreira de Oliveira

Filósofo, teólogo, escritor, conferencista, gestor do Centro de Reflexão e Estudos sobre Ética e Antropologia da Religião (Crear) da Universidade Católica de Brasília, onde também é professor

sábado, 27 de setembro de 2014

Como a bicicleta pode salvar a economia

por Afonso Capelas Jr.

É só prestar atenção às capas dos principais jornais e sites de notícias dos últimos meses para perceber que a velha e, outrora, esquecida bicicleta virou manchete. Até mesmo os candidatos às eleições incluíram as magrelas em suas campanhas de governo.
A presidenciável Marina Silva, por exemplo, acaba de assinar em Brasília uma carta-compromisso pela mobilidade urbana ciclística no país e pela redução dos impostos para a produção de bikes. Dilma também pegou carona nas duas rodas e disse que vê com muita simpatia a campanha pelo IPI zero para bicicletas.

Já o senador tucano Aloysio Nunes, vice na chapa de Aécio Neves à presidência, num arroubo de elitismo e uma asquerosa dose de arrogância, vociferou em enxutos 122 caracteres no Twitter o que acha dos novos caminhos abertos nas ruas paulistanas: “Delírio autoritário de Haddad: esparrama ciclofaixas a torto e a direito, provocando revolta nos moradores de Higienópolis”. Ui…
Para quem não sabe, Higienópolis é um bairro nobre de São Paulo, onde parcela considerável de seus ilustres moradores diferenciados recentemente torceu o nariz para a construção de uma estação de metrô. Agora também não querem ver suas ruas manchadas com o vermelho das ciclovias.
O fato é que, a despeito da elite enclausurada em seus SUVs pretos blindados – ou os nem tão favorecidos economicamente, mas felizes proprietários de automóveis financiados e de vidros escuros –, mais de 80% dos cidadãos paulistanos aprovam a abertura de ciclovias na cidade. É o que mostra um estudo recente da organização não governamental Rede Nossa São Paulo.
Diante dessa discussão – saudável para uns, exagerada e inoportuna para outros – um livro chama a atenção para o fenômeno das bicicletas nas grandes cidades mundo afora: Bikenomics, How bicycling can save the economy (“Como andar de bicicleta pode salvar a economia”). Escrito pela cicloativista e blogueira norte-americana Eleanor Blue, ou simplesmente Elly Blue, a publicação ainda não traduzida para o português é uma ode ao movimento em prol das magrelas.
A autora mostra em teorias próprias ou por meio de estatísticas e depoimentos porque a bicicleta pode nos salvar, não somente de problemas econômicos, mas também sociais, ambientais, de saúde.
A publicação faz foco, em particular, em dados e exemplos de norte-americanos que aderiram ao uso das bicicletas como meio de transporte barato e saudável. Mas indica também como, do ponto de vista econômico, o ciclismo precisa receber mais atenção de governantes, economistas e planejadores urbanísticos em qualquer parte do planeta.
Elly Blue considera que, dando mais atenção ao tema, esse impacto pode ter dimensões favoráveis para as finanças pessoais dos cidadãos. E até para a economia de cidades, estados e países onde pedalar pode ser uma atividade viável. Como sugere o título, para a autora, conquistar mais e mais adeptos do ciclismo como transporte usual diário pode até tirar países da crise.
Seria exagero? Então por que países europeus como França e Inglaterra têm cada vez mais investido dinheiro para incentivar o uso da bicicleta, inclusive com bônus financeiros a quem se dispõe a esquecer o carro em casa para ir ao trabalho e à escola pedalando?
Óbvio: mais ciclistas e menos carros nas ruas significa menos despesas com as consequências do trânsito, desde internações em hospitais por acidentes, até a perda de vidas economicamente ativas. Sem contar a diminuição de gastos com doenças causadas pela poluição atmosférica e a melhoria da qualidade da saúde pública.
Até mesmo paraísos do sonho americano de ver a vida por trás do para-brisas de um automóvel, como Nova York e Detroit, quedaram-se ao uso das bicicletas.

Detroit foi meca da indústria automobilística norte-americana, décadas atrás. Falida e à mercê de gangues perigosas a cidade hoje tenta reerguer-se com a abertura de centenas de quilômetros de ciclovias, já que é privilegiada por ser plana e extensa.
Semana passada, quase oito mil ciclistas ocuparam as ruas de Detroit para um passeio que arrecadou dinheiro para a abertura de novas ciclovias. Quem diria, o músico e ciclista David Byrne, autor do livro Diários de Bicicleta, elegeu Detroit como uma das oito melhores cidades do mundo para pedalar.
Parece indiscutível que a bicicleta, esse veículo simples, inofensivo e simpático – um dos mais antigos já inventados pelo homem (Leonardo da Vinci a teria desenhado pela primeira vez no século 16) – está tomando uma dimensão inegavelmente crucial, em termos globais, nestes tempos de caos no trânsito das metrópoles.
É isso o que discute o livro de Elly Blue. Ela, aliás, esteve no Brasil em fevereiro para participar do 3º Fórum Mundial da Bicicleta, em Curitiba. Visitou também São Paulo e Rio de janeiro. Achou o trânsito das três capitais assustador.
Elly pedalou no Rio de Janeiro e elogiou as ciclovias, mas confessou que andar de bicicleta nas ruas da cidade onde elas não existem é uma experiência horrível.
No geral, se disse encantada com o movimento pelo ciclismo no Brasil. Confessou que em suas palestras de divulgação do seu Bikenomics mundo afora tem sempre citado o bom exemplo brasileiro em favor da popularização do uso das bicicletas.

Sobre o Autor
Afonso é jornalista e escritor paulistano especializado em meio ambiente, ecologia e sustentabilidade.
 
(fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/como-a-bicicleta-pode-salvar-a-economia/)

Mudanças à vista na educação

Ainda a passos lentos

Documento em elaboração no MEC pretende definir interesses que devem nortear a educação no país. Mas processo de mudança é difícil e moroso, e a distância que separa a teoria da prática, enorme.  

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O atoleiro de Obama na Síria: um artigo de Robert Fisk

Publicado no Independent.
POR ROBERT FISK

No momento em que os Estados Unidos ampliaram a sua guerra contra o Estado Islâmico (EI) na Síria, o presidente Bashar al Assad ganhou um apoio militar e político maior do que qualquer outro líder árabe poderia se vangloriar. Com as bombas e mísseis que explodem no leste e norte da Síria, Assad agora pode contar com os Estados Unidos; Rússia; China; Irã; a milícia do Hezbollah; a Jordânia e uma séria de países ricos do Golfo; para manter vivo seu regime. Se alguma vez o velho provérbio árabe – “o inimigo de meu inimigo é meu amigo” – conteve alguma sabedoria, Assad comprovou que estava correto.
Em sua casa em Damasco, o líder sírio pôde refletir sobre o fato de que a nação mais poderosa da Terra – que no ano passado quis bombardear seu país até o esquecimento – está agora atacando aos seus inimigos mais ferozes. Sunitas sauditas, cujas doações de “caridade” financiaram o “Estado islâmico” também sunita, agora veem que seu governo supostamente ajuda os Estados Unidos a destruí-lo. Assim como o Irã xiita e seus protegidos do Hezbollah combatem os algozes sunitas e cortadores de pescoços em sua região, bombas e misses americanos caem para destruir os inimigos frente a eles.
Desde que Churchill se aliou com Stalin em 1941, um antigo amigo da Alemanha nazista, nenhum presidente pôde ter encontrado um antagonista tão terrível transformado rapidamente em um irmão de armas. Porém – e esse é um grande “porém” – o regime sírio baasista não é tão estúpido a ponto de levar a palavra “amigo” a sério. Obama é a última pessoa com a qual Assad queria se associar – como não quer se lembrar de Vladimir Putin – e o regime sírio irá observar com a mais profunda preocupação o quanto o uso promíscuo da força aérea dos Estados Unidos se estende inexoravelmente e inclui mais e mais objetivos fora de seu objeto declarado.
A margem das baixas civis na província de Idlib, os alvos dos Estados Unidos sobre a Al Qaida vinculada a Jabhat al Nusra, sugerem que o Pentágono tenha, ainda mais, o  EI na mira. Por exemplo, quão pronto se está antes de que um míssil exploda em um depósito de armadas do regime sírio – por “erro”, obviamente -  ou em outras instalações do governo? Como os Estados Unidos decidiram financiar e treinar a “oposição moderada” para lutar contra o EI e o regime sírio, por que não bombardearia ambos os inimigos? E como os sírios, que apoiam o que resta desses “moderados”, reagiriam às bombas americanas em Idlib, que mataram aos seus companheiros civis no lugar de forças de Assad – bombas que, de fato, parecem ter sido tão letais como as munições lançadas sobre eles por aviões de Assad –?
Em relação aos árabes do Golfo, não há, até agora, evidências de que fisicamente tenham bombardeado qualquer alvo na Síria. Apenas a Jordânia afirmou ter atacado o EI; o restante dos aliados do rei Abdullah na árabe “coalizão dos dispostos” – que logo esqueceu-se de que esta era a expressão de George W. Bush para aquelas nações que apoiaram a invasão do Iraque em 2003 – parece ter limitado sua cooperação a proporcionar pistas de aterrissagem, a dar combustíveis aos aviões e a talvez patrulhar as tranquilas águas do Golfo. Em suas audiências no Capitólio na semana passada, os congressistas o assediaram com perguntas ao secretário de Estado John Kerry sobre quantos aviões árabes estariam bombardeando o EI.
Os árabes do Golfo, afinal, estiveram aqui antes. Recordam claramente as afirmações exageradas do êxito militar aéreo – de bombas inteligentes que não assassinam civis, dos mísseis de cruzeiro que destruíram refúgios e dos campos de treinamento e dos “centros de comando e controle” em 1991 e 2003. Tudo resultou em um arriscado menu de guerra. Todavia, agora os americanos estão requentando esses antigos sanduíches para o conflito do EI.
Estavam estes islamitas “guerreiros” realmente sentados – bebendo chá, talvez – em “campos de treinamento” para que os americanos pudessem mata-los? O EI vangloria-se por ter um “centro de comando e controle” – um bunker de computadores e cintilantes indicadores de objetivos – em lugar de um punhado de telefones móveis? Contudo, disseram que havia sido destruído, nada menos que um “centro de controle e comando”.
E, como tantas vezes em meio à emoção de uma nova escalada do conflito, os “especialistas” e os decréptos ex-embaixadores em nossas telas devem folhear um dos livros de história antes de explicar “nossas” ações. O “Estado islâmico” foi criado a partir da Al Qaida no Iraque, que absorveu a resistência anti-americana para a ocupação. Se os senhores Bush e Blair não tivessem embarcado na aventura iraquiana, alguém pensaria que os Estados Unidos estariam ajudando a Assad a destruir seus inimigos hoje?
“Ironia” não está à altura das palavras do “enviado de paz” no Oriente Médio, que se transformou esta semana em um enviado de guerra oferecendo a perspectiva de mais tropas ocidentais no mundo mulçumano. Supõe-se assim que o regime sírio deve rir ou chorar?
(fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-atoleiro-de-obama-na-siria-um-artigo-de-robert-fisk/)

Por uma Pedagogia da Descoberta


Sociedade está madura para Educação que reduza papel dos currículos obrigatórios e estimule prazer do conhecimento — exercitado em bibliotecas transversais e de livre acesso

Por Derbi Casal, em Bibliotecas Sem Fronteira

A escola mata a descoberta. Ela entrega o conhecimento pronto em um currículo, definido de acordo com aquilo que é considerado por autoridades como conhecimento válido, todo o resto é excluído.
O que há nesse “resto”?  Toda  a experimentação, o conhecimento informal, aprendido nas vivências, os saberes tradicionais, transmitidos pelos mais velhos e a descoberta.
A serendipidade (o princípio da descoberta) só existe quando há liberdade de escolha por caminhos diferentes e aleatórios. A descoberta se dá, principalmente, quando não estamos procurando exatamente aquilo. Esse processo, que não pode ser controlado, é inexistente na grade escolar. Na escola somos todos considerados incompetentes para adquirir nosso próprio conhecimento. E nunca somos estimulados à fazê-lo.
A palavra serendipidade surgiu em referência a um antigo conto persa sobre os três príncipes de Serendip. Em suas aventuras eles viviam se deparando com situações inusitadas e fazendo descobertas ao acaso, encontrando respostas para questões que eles sequer haviam feito. Tinha um pouco de sorte envolvida, mas era a sagacidade dos meninos, um toque genial de mentes abertas para a descoberta, que realmente operava a magia.
Essa qualidade da descoberta não é de forma alguma privilégio de mentes superiores. É uma habilidade e um posicionamento, uma forma de ver o mundo, disponível para qualquer pessoa.
Bibliotecas são um excelente lugar para o exercício de serendipidade e nas escolas elas ficam isoladas das pessoas, que mal as frequentam nos intervalos das aulas. Temos alguma contação de história, mas livros previamente escolhidos. Mesmo quando eles não são previamente escolhidos, raramente é o acervo todo ofertado à escolha e, mesmo que fosse, ainda assim seria apenas uma atividade controlada, algum livro teria de ser “o escolhido”, os outros permanecerão inertes nas estantes.
Em geral é proibido (ou vigiado) andar entre as estantes a procura de livros que não se sabe ainda quais são. Isso é feito em nome da “ordem” que sempre vem de cima, e está sempre acima da vivência, pairando sobre ela, limitando suas possibilidades libertadoras.
Há um tipo de acesso à biblioteca, que é transversal, não linear, baseado quase que puramente na serendipidade. Ao conduzir uma leitura, indo de um texto à outro, colecionando trechos diferentes de cada livro sobre determinado assunto, eu estou praticando a descoberta. Aliás foi essa prática que desenvolveu a ciência como hoje a conhecemos e o acesso não linear a uma coleção de livros foi o embrião do hipertexto.
Essa forma de utilizar acervos surgiu lá na antiguidade e se tornou evidente na Biblioteca de Alexandria. Foi responsável pelo desenvolvimento da filologia, da geografia, da matemática, da astronomia, da medicina, da poesia, da filosofia, da história e de muitas outras ciências e saberes.
A serendipidade foi a maior consequência de se acumular livros em uma sala. Isso desenvolveu toda uma economia e ergonomia do saber: o surgimento da paginação, da referência, da citação, da glosa, do colofão, dos sumários, dos resumos, das bibliografias, dos catálogos, das resenhas… Todas essas formas de diálogo entre livros, escritores e leitores.
Uma biblioteca nunca é a mesma para duas pessoas praticando a descoberta. As escolhas, mais ou menos aleatórias, de livros formam caminhos, percursos diagonais, transversais, paralelos, pela coleção toda. O prazer de percorrê-los é como o prazer do desconhecido, é desbravar os universos não domesticados do saber. E é possível reiniciar muitas vezes o processo, sempre com resultados inusitados.
A autonomia de percorrer estantes, pegar livros, ler um trecho, procurar outro livro, compará-lo com um terceiro, pegar uma enciclopédia e, partindo de um verbete qualquer, buscar outras fontes, é o principio do amor pela pesquisa e do autodidatismo. São qualidades fundamentais para o pensamento livre e crítico.
Não provoca nenhum espanto a pouca valorização das bibliotecas e da leitura nos dias de hoje. É um reflexo do que a educação faz com a descoberta. Em tempos em que a homogeneidade de ideias, comportamentos e atividades e a obediência a regras, controles e currículos é o que está nas bases da educação, é bastante esperado que as capacidades revolucionárias e libertadoras das bibliotecas sejam caladas.
A busca por uma forma de educação livre passa pelo resgate da descoberta como veículo da potência humana. A serendipidade em substituição à rigidez curricular. É aí que está a importância esquecida das bibliotecas!
Em uma pedagogia da serendipidade, a descoberta é o centro do aprendizado e  a biblioteca é o coração da escola.
(fonte: http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/por-uma-pedagogia-da-descoberta/)

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Mais alegria...






Márcio Santos fez pós-doutorado na França: O Brasil mudou, sim!

Conheço o autor do texto. Márcio foi companheiro meu na ALMG. Fiquei emocionado lendo este depoimento dele no Viomundo, hoje.
Compartilho com vocês!
Ricardo

Marcio Campos
Acesso à Universidade em dois tempos: Dos anos 80 a 2014
por Márcio Santos

No início dos anos 80, ainda em plena ditadura militar, “vestibular” era uma palavra quase maldita. As pernas tremiam e o coração saltava só de olhar o número de concorrentes: eram dezenas e dezenas de candidatos para uma mísera vaga num dos cursos de graduação das universidades federais. Em Belo Horizonte, quem não conseguisse a façanha de entrar na UFMG tinha que contar com a família para custear os caros cursos da então “Universidade Católica”, hoje Pucminas. Ou, o que era largamente o mais comum, abandonar por completo o sonho de entrar no tal do “curso superior”.

Num dia entre o final de 79 e o início de 80, já não me lembro exatamente em que mês, acordo assustado com o chamado da minha mãe. Havia varado noites a fio nos estudos para as provas de vestibular e estava atrasado. Ela tirou algum dinheiro da bolsinha e disse “vá de táxi, meu filho, você vai perder a prova”. Recusei e atravessei correndo os quarteirões que me separavam do ponto de ônibus para a UFMG. Consegui chegar a tempo, afinal, para encarar a primeira de uma sucessão de provas eliminatórias e classificatórias aplicadas ao longo de já não me lembro mais quantas etapas de seleção.

O tal do “cursinho” era quase obrigatório. Promove e Pitágoras se revezavam na captura de adolescentes de classe média que lotavam as salas quentes. Os professores davam aulas para centenas de pessoas. Eu, que não pudera pagar um desses cursinhos, acabei por ler a notícia da aprovação para o curso de Economia num cartaz estampado no antigo Promove da Rua São Paulo, no centro da cidade. Sozinho, dei um pulo silencioso de alegria e fui para casa abraçar a minha mãe. Mais tarde teria a cabeça raspada, como era de praxe.

Um salto de 30 e alguns anos me leva ao início de 2013. Foi quando escrevi o projeto de pós-doutorado em História, apresentado ao CNPq, uma das duas agências federais de fomento à pesquisa. Alguns meses depois veio a resposta positiva para o pedido de bolsa de pós-doutorado na França, na prestigiosa École des hautes études en sciences sociales.

O Programa Ciência Sem Fronteiras, do governo federal, garantiria a minha permanência em Paris por sete valiosos meses. A verba incluía, além da bolsa de manutenção mensal, auxílio para as passagens aéreas e uma taxa extra de 400 euros mensais, por se tratar de cidade cara. A minha esposa, doutoranda em Linguística, conseguira bolsa semelhante para o chamado “doutorado sanduíche”. E assim pudemos ir em família, levando o filhinho de 8 anos. Graças a essas bolsas e às facilidades que encontramos na França, pudemos morar e estudar numa das cidades mais desejadas e encantadoras do mundo.

O Brasil mudou, sim. Nos anos 80 da minha juventude éramos desesperançados, atravessamos pessimistas a chamada “década perdida”. O Plano Real, que debelou a inflação, trouxe-nos algum alento, mas todos sabíamos que mexia-se na superfície financeira de uma sociedade em que crianças morriam diariamente de fome nas ruas das grandes cidades. País “subdesenvolvido”, de “Terceiro Mundo”, “atrasado”, eram os termos mais comuns para nos referimos ao Brasil.

Esse quadro desalentador foi sacudido nos últimos 12 anos. Felicito-me diariamente pela dificuldade em conseguir uma empregada doméstica, porque as jovens pobres das vizinhanças são vendedoras de lojas, cabeleireiras, cuidadoras de idosos ou, até mesmo, universitárias. A lavadora de roupas da nossa casa estraga e a nossa ajudante opina certeira sobre o problema, pois tem um equipamento igual ou melhor em casa. Recebe um salário mínimo e meio por 6 horas diárias de trabalho, apenas de segunda a sexta-feira, com carteira assinada e direitos trabalhistas, um padrão impensável há 20 ou 30 anos.

Quanto a mim, pude desfrutar de um curso de pós-doutorado num centro mundial de produção intelectual graças a um programa dos governos Lula e Dilma. Não foi “dádiva”: tive que batalhar duro para ter o projeto aprovado e, depois, prestar contas do resultado final da pesquisa realizada. Mas esse ambiente de múltiplas alternativas de estudo, pesquisa e aprimoramento intelectual só foi possível por meio das transformações operadas pelos últimos 3 governos.

Na França o meu supervisor de pesquisa dizia-se surpreendido com a oferta de bolsas de pós-graduação pelas universidades públicas brasileiras, segundo ele maior até mesmo do que nas escolas francesas. É isso: somos comparados à França. E a comparação não vem de algum “petista apaixonado”, mas de um acadêmico e intelectual francês, nada interessado nas nossas lides políticas e eleitorais.

Muito resta por se fazer. O relatório da ONU informa que o país reduziu em 50% o número de pessoas que passam fome. Estamos nos aproximando do sonho de Lula em 1989: que todo brasileiro coma 3 vezes por dia. Mas ainda nos resta um fundo terrível de desigualdade, violência, exclusão e corrupção. Mudanças históricas são lentas, a menos que sejam feitas por revoluções – e esse não foi o nosso caso. Mas, com os programas sociais dos últimos 12 anos, sabemos que estamos no caminho certo.
Setembro de 2014
Márcio Santos
(fonte:  http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/marcio-santos.html)

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Ladislau Dowbor: Voto Dilma, uma questão de bom senso


Nem a situação internacional preocupante, nem muito menos a dinâmica interna permitem aventuras, voos inseguros em nome da moralidade e do liberalismo,

Achei importante me posicionar relativamente às eleições presidenciais. Os que acompanham o meu trabalho sabem a centralidade que têm, na minha visão, a redução das desigualdades e o resgate da sustentabilidade ambiental. A própria economia, neste sentido, tem de responder a estes objetivos: o que queremos é viver melhor, este é o fim, o resto são meios. A presente tomada de posição também está ligada à vontade de buscar raciocínio numa área onde com facilidade os argumentos descem do cérebro para o fígado: as pessoas perdem de vista o que realmente importa. O clima de ódio, tão fortemente insuflado em particular pela mídia comercial, realmente não ajuda. Deixem-me dizer desde já que o catastrofismo apresentado é semelhante ao da véspera da Copa, e tem a mesma falta de fundamentos.

Gostaria também de me proteger contra a imediata rejeição por parte de quem acha que tudo que vem de outra banda é contaminado. Quando Ruth Cardoso, há anos, me pediu para ajudar no Comunidade Solidária, ao lado de Gilberto Gil, Zilda Arns e outros personagens que respeito, participei, sem remuneração, por achar que poderia ser útil. O objetivo maior, para mim, é o bem-estar da população. E também aprendi muito, em particular ao constatar que não basta um pouco de política social, precisávamos de uma política integrada de Estado para reerguer a base do país. Na época me criticaram à esquerda por ajudar o Comunidade Solidária, hoje poderão me criticar por apoiar a Dilma. Deem-me ao menos o crédito de que a minha posição não parte do fígado, mas dos conhecimentos que adquiri aplicando políticas de desenvolvimento e de inclusão em vários países, no quadro das Nações Unidas, e em vários segmentos de gestão pública e privada no Brasil.

O argumento central, de longe, é que o Brasil gerou um círculo virtuoso que não pode ser interrompido. Quanto mais se aproximam as eleições, sem dúvida, mais aparecem gritos de que a economia está quebrada, de que estamos num mar de lama e argumentos semelhantes. Nenhum deles se sustenta. O PIB estar murcho quando a economia mundial está em crise e as commodities básicas perderam mais de 15% do valor no mercado internacional não é surpresa. Tampouco é surpresa aparecer muito mais corrupção quando é combatida: quando tudo funciona a contento, há um silêncio solidário entre quem paga e quem recebe. E num país de 200 milhões de habitantes, 8 milhões de funcionários públicos e 5 milhões de empresas, há muita matéria prima para denúncias. Apresentei o amplo leque de opções de desvios em pequeno livro, Os estranhos caminhos do nosso dinheiro. Recomendo, está online, eu fiz a lição de casa, abri a caixa. Acreditem, já fiz este exercício para vários países, a pedido da ONU, eu sei o que são números e o que é cosmética. Follow the money, siga o dinheiro.

E o que importa mesmo é a dinâmica estrutural e de longo prazo. Aqui os dados são avassaladores. Temos os quase 40 milhões de brasileiros que saíram do buraco negro em que se encontravam, e isto em si já é quase milagroso, num país onde se criou uma ditadura por um miserável aumento de salário mínimo e fragmento de reforma agrária. Temos também os 20 milhões de empregos formais criados, um aumento do salário mínimo real da ordem de 70% e o menor desemprego da história, da ordem de 6%, dados que apontam para um marco de transformação estrutural. Aqui não há voo de galinha. Eu, por ofício de economista, acompanho os números. A esperança de vida ao nascer, efeito de alimentação, saúde e outros direitos básicos, passou de 65 para 74 anos: ou seja, o brasileiro tem praticamente 10 anos de vida a mais para falar como era bom antigamente.

No plano ambiental, a redução de desmatamento da Amazônia de 28 para 5 mil quilômetros quadrados é um imenso avanço. E meio-ambiente é muito mais que o verde. Mais de um milhão de famílias passaram a ter moradias decentes, o financiamento do pequeno e médio agricultor passou de 2,5 bilhões para 25 atualmente, há uma batalha em curso pelo fim dos lixões, criou-se um PAC de mobilidade urbana – desastre acumulado por décadas de descaso do transporte público – tudo isto é meio ambiente. Nesta dinâmica não se deve mexer, a pretexto de eleger políticos que poderão fazer o mesmo de maneira mais eficiente. Para ampliar as políticas atuais e aprofundá-las, em termos de gestão o melhor é manter quem as criou e domina as dinâmicas, do que entrar no caos tradicional da descontinuidade administrativa.

A solidez dos avanços de hoje encontram sem dúvida pontos de apoio fundamentais que foram a aprovação da constituição de 1988, que nos devolveu regras de jogo democráticas, e a ruptura da hiperinflação em 1994, que recuperou o sentido das contas e do cálculo financeiro. Mas também enfrentamos a perversa herança de meados dos anos 1990, que foi a da taxa Selic, com monumentais transferências de dinheiro público para os bancos: as tentativas de reduzi-la encontram a resistência feroz dos mesmos interesses que hoje estão em campanha. Outra herança pesada foi a autorização em 1997 do financiamento corporativo das campanhas eleitorais. O resultado é que temos um congresso com bancadas ruralista, das empreiteiras, dos grandes bancos, das montadoras, da grande mídia, e ficamos à procura da bancada cidadã: os interesses privados estão dentro do sistema público, com todo o desequilíbrio que isto implica. São estes mesmos grupos que dificultam as transformações que querem recuperar o poder. O tripé que realmente interessa é o resgate da representatividade dos eleitos, o controle do sistema de intermediação financeira e o equilíbrio do sistema tributário: reforma política, reforma financeira, reforma tributária.

Os imensos avanços que tivemos nos últimos anos, e que precisam continuar, se deram dentro deste quadro de restrições. De certa forma, o próprio desenvolvimento conseguido exige um marco institucional modernizado. Temos um ministro do STF que “pediu vistas” na votação sobre a inconstitucionalidade que representa o financiamento eleitoral por corporações, apesar de estarem já garantidos os 6 votos que dão a maioria à sua proibição. São mais dois anos de privilégios e de deformação política. A oposição demanda a volta do controle do Banco Central pelos bancos, na linha da chamada “independência”. A direita ostenta o “impostômetro” quando se trata não de aumentar os impostos, mas de torná-los justos. As soluções não estão na volta para trás.

De certa forma, o corpo econômico e social do país cresceu mais do que a camisa institucional que o veste, e que hoje o trava. Nesta tensão, há os que querem a volta ao passado, à restrição das políticas sociais, à redução das políticas públicas, ao travamento da subida da base da pirâmide que os assusta. E há os que querem dinamizar o processo virtuoso gerado por meio de mudanças estruturais. Nos protestos, misturam-se assim por vezes os que são indignados pelos avanços, e os que são indignados porque não se avança o suficiente. A verdade é que estamos sim enfrentando entraves institucionais poderosos – daí a importância de uma constituinte que modernize o sistema – mas para que os entraves sejam rompidos, ou atenuados, precisamos manter e expandir as políticas de desenvolvimento em curso.

Nem a situação internacional preocupante, nem muito menos a dinâmica interna permitem aventuras, voos inseguros em nome da moralidade e do liberalismo, argumentos que clamam por um voto “contra”, mas que não apresentam outra perspectiva senão o da reconstituição do sistema de privilégios de sempre. A verdade é que a máquina administrativa herdada foi feita para administrar privilégios, não para prestar serviços. E os privilegiados a querem de volta. A dinâmica de transformação em curso é preciosa demais para que a travemos com aventuras. Precisamos de mudanças sim, mas de mudanças para a frente, não de um retrocesso liberal.
(fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Ladislau-Dowbor-Voto-Dilma-uma-questao-de-bom-senso/4/31841)

domingo, 21 de setembro de 2014

O projeto de Brasil dos três candidatos

Luis Nassif

Nos próximos anos, a Gol deverá adquirir aviões E-Jets E2 da Embraer. A TAM também anunciou que até o final do ano deverá realizar encomendas de jatos da Embraer para as rotas regionais. Em julho, a Azul assinou pedido firme para comprar 30 aeronaves da Embraer.
Mesmo estando no Brasil, a Embraer só logrou contornar o cerco da Boeing e da Airbus devido ao programa de incentivo à aviação regional lançado pelo governo Dilma.
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Nos últimos anos, apenas no setor naval foram qualificados 97 mil técnicos. Em 2014 e 2015 serão mais 18 mil, em 185 categorias profissionais. Trabalhando junto ao Sebrae, a Petrobras ampliou de 14 mil para 19 mil fornecedores PMEs (Pequenas e Micro Empresas). Hoje em dia o setor naval tem uma carteira de 389 encomendas, no valor de US$ 6,5 bilhões até 2020 e emprega 82 mil trabalhadores.
Esse avanço não seria possível sem o programa de conteúdo nacional e sem as encomendas da Petrobras viabilizando estaleiros nacionais.
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Programas desses tipos não prosperariam em um eventual governo Marina Silva ou Aécio Neves. E não se trata de terrorismo eleitoral, mas de simples análise do pensamento econômico de Dilma Rousseff e dos economistas dos dois outros candidatos.

Do ponto de vista conceitual, a visão econômica do governo Dilma é a seguinte:
  1. O país chegou a um nível de desenvolvimento e de democracia social que não comporta mais o achatamento de salários como fator de competitividade.
  2. Para garantir emprego e competitividade, tem que se trabalhar em sistemas integrados de competição, na área de educação, inovação, financiamento, compras públicas, acordos comerciais.
  3. Não há condições do país competir em todos os setores na economia global, dadas as desvantagens competitivas frente a países que já se industrializaram. Se abrir a economia sem negociar, destrói o que resta de indústria nacional.
  4. O caminho consistirá em identificar setores estratégicos montando programas de política industrial visando fortalece-los.
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A lógica mercadista é outra.
Os economistas não enxergam o país mas o mundo. São a favor da abertura das fronteiras comerciais, da liberdade de movimentos dos capitais e contra toda forma de política industrial.
Tratam todos os programas da ótica da economicidade, modelo de política pública que está sendo revisto em muitos países, entre os quais os Estados Unidos.
Nos EUA decidiu-se, anos atrás, que a economia nacional deveria ser a do conhecimento e do serviço, muito mais nobre, exportando a manufatura para os países asiáticos. Como consequência, houve perda de empregos e de dinamismo econômico, comprometendo o crescimento nacional e produzindo uma nova onda de concentração de renda.
Ou seja, havia uma lógica microeconômica de economicidade em construir um computador na China ou um automóvel em outro país. Do ponto de vista da lógica macroeconômica nacional, foi um desastre.
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Por exemplo, adquirir uma plataforma no exterior sai mais barato do que construir no país com parte de conteúdo nacional. Mas o sobre preço do conteúdo nacional lança as sementes para a criação de competência interna e a possibilidade, mais à frente, de transformar o país em um exportador de plataformas.
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Essa mesma lógica vale para todas as demais políticas, inclusive as regionais.
Hoje em dia, há ênfase à regionalização das universidades federais, do Reuni, do Prouni.
A visão mercadista é que a concentração de verbas nas universidades já existentes – especialmente no eixo Rio-São Paulo – é mais produtivo, por encontrar equipes mais capacitadas e instaladas.
Mas a abertura de universidades regionais dinamiza toda a economia regional e permite transformar cidades médias em centros de acumulação de conhecimento, peça central para um desenvolvimento equilibrado.
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No campo macroeconômico, a lógica é similar.
Melhora-se o ambiente econômico, mas sem distinção entre empresas nacionais e internacionais. Abre-se a economia completamente, reduzindo as alíquotas de importação. Amplia-se a competição, mas retira-se das empresas nacionais o acesso ao crédito subsidiado, às compras públicas.
Ao mesmo tempo, amplia-se o ajuste fiscal, mas só em cima de despesas correntes – e a maior parte das despesas correntes é de cunho social. Confere-se ao Banco Central liberdade para utilizar os juros sem limites.
O resultado final será um país meramente exportador de commodities, sem oferecer empregos qualificados e sem condição de manter a melhoria da qualidade de vida de sua população.
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O governo Dilma tem cometido desacertos na gestão macroeconômica, um voluntarismo irritante, um personalismo desastrado.
Mas, dos três candidatos, é a única em condições de manter o modelo atual de desenvolvimento, em uma fase crucial de consolidação do capitalismo brasileiro. 
(fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/o-projeto-de-brasil-dos-tres-candidatos)

sábado, 20 de setembro de 2014

Wallerstein: Império em pânico no Oriente Médio


Mal explicada pelos militares e Obama, nova guerra na região será provável desastre. Em grave declínio, EUA cometem desatinos que ameaçam planeta

Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Antonio Martins

O presidente Barack Obama disse aos Estados Unidos, e em particular ao Congresso, que o país deve fazer algo no Oriente Médio, para interromper um desastre. Sua análise do suposto problema é extremamente turva, mas os tambores do patriotismo estão batendo forte e, no momento, quase todo mundo, nos EUA, está cotagiado. Alguém mais sensato diria que todos estão se debatendo em desespero, diante de uma situação pela qual Washington é o principal responsável. Não sabem o que fazer. Por isso, agem em pânico.

A explicação é simples. Os Estados Unidos estão em grave declínio. Tudo dá errado. E, em pânico, seus governantes assemelham-se ao condutor de um automóvel possante, que perdeu o controle da máquina e não sabe como reduzir a velocidade. Em vez disso, ele acelera rumo a um grande desastre. O carro trafega em ziguezague e derrapa. Tornou-se um enorme perigo – não apenas para o motorista, mas também para o resto do mundo.

As análises atuais concentram-se sobre o que Obama fez ou deixou de fazer. Mesmo seus defensores mais próximos parecem duvidar do presidente. Um comentarista australiano escreveu, no Financial Times, que “em 2014, o mundo subitamente cansou-se de Barack Obama”. Imagino que talvez o próprio Obama tenha se cansado de si mesmo. Mas seria um erro culpar apenas o presidente. Virtualmente ninguém, entres os líderes norte-americanos, apresentou alternativa mais inteligente. Bem ao contrário. Há os profetas da guerra, que estimulam o presidente a bombardear todo mundo, e já. Há os políticos que realmente creem que as próximas eleições norte-americanas farão grande diferença…

Uma rara voz de sensatez surgiu numa entrevista do New York Times com Daniel Benjamin, que foi, no primeiro governo Obama, o principal conselheiro antiterrorismo do Departamento de Estado. Ele considera a suposta ameaça do ISIS uma “farsa”, em que “membros do governo e do alto comando militar descrevem a ameaça, todo o tempo, em termos escabrosos, que não se justificam”. Ele diz que as alegações são feitas sem nenhuma “evidência comprovada”, o que só demonstra como é fácil, para altos funcionários e a mídia, “mergulhar o público em pânico”. Mas quem dá ouvidos a Benjamin?

Neste instante, e com a ajuda de fotos macabras da decapitação de dois jornalistas norte-americanos pelo califado, as pesquisas mostram enorme apoio a uma ação militar. Mas quanto isso perdurará? O apoio só será sustentado enquanto houver resultados concretos. Mesmo o chefe do Estado-Maior militar, Martin Dempsey, reconhece, quando defende ação bélica, que ela se estenderá por pelo menos três anos. Multiplique três por cinco, para se aproximar de uma estimativa de duração mais real. A população norte-americana, com certeza, irá se desencantar rapidamente.


Por enquanto, Obama propõe alguns bombardeios na Síria, nenhum soldado norte-americano “em solo”, mas um número maior de soldados especiais, em atividades de treinamento no Iraque (e provavelmente em outras partes). Quando disputou a presidência, em 2008, Obama fez muitas promessas, como é normal para um político. Mas sua promessa-chave foi sair do Iraque e Afeganistão. Ele não irá mantê-la. Na verdade, está envolvendo os EUA em novas guerras.

A coalizão liderada por Obama oferecerá “treinamento” a quem o presidente define como “gente de bem” [orig: “good guys”]. Aparentemente, o treinamento ocorrerá na Arábia Saudita. Bom para os governantes do pais. Eles podem vetar qualquer participante dos exercícios e escolher em quem confiam ou não. Isso tornará possível, ao regime saudita (hoje, ao menos tão desnorteado quanto o norte-americano), sugerir que está fazendo algo e sobreviver um pouco mais.

Há maneiras de alterar este cenário catastrófico. Mas elas exigem uma decisão de substituir a guerra por acordos políticos entre muitos grupos, que não se gostam, nem confiam uns nos outros. Tais acordos políticos não são impossíveis, mas são difíceis de articular – e, depois de firmados, são, num primeiro momento, frágeis. Uma das principais condições para que eles tenham espaço no Oriente Médio é um menor envolvimento dos Estados Unidos. Ninguém acredita em Washington, ainda que alguns atores convoquem assistência norte-americana momentaneamente, para executar certas tarefas. O New York Times lembra que, no encontro que Obama montou, para lançar sua nova coalizão, o apoio dos países do Oriente Médio presente foi “morno” e “relutante”, por haver “crescente desconfiança nos Estados Unidos, partindo de todos os lados”. Portanto, ainda que alguns se alinhem de forma limitada, ninguém mostrará gratidão por algum tipo de assistência norte-americana. É provável que os atores políticos do Oriente Médio desejem agora produzir seu próprio cenário, ao inveś de encenar a visão dos EUA sobre o que lhes convém.

(fonte: http://outraspalavras.net/capa/wallerstein-imperio-em-panico-no-oriente-medio/)

Quem devasta as florestas brasileiras


Estudo internacional sugere: desmatamento caiu 70% na última década, mas ainda é o mais grave do mundo. Agronegócio é responsável por 90% da devastação ilegal

Na Deutsche Welle

Entre 2000 e 2012, a agropecuária foi responsável por metade do desmatamento ilegal nos países tropicais. No Brasil, até 90% da derrubada ilegal da floresta neste período ocorreu para dar lugar ao gado e à soja. Os números fazem parte de um estudo da organização Forest Trends, divulgado nesta quinta-feira (11/09).
Segundo o relatório da ONG americana baseada em Washington, as situações mais críticas foram registradas no Brasil e na Indonésia. No Brasil, parte considerável dos produtos cultivados nessas áreas ilegais vai para o mercado externo: até 17% da carne e 75% da soja. Os destinos incluem Rússia, China, Índia, União Europeia e Estados Unidos.

Brasil e Indonésia são os maiores produtores do mundo de commodities agrícolas para a exportação. O que é colhido nas terras desmatadas ilegalmente nesses países vai parar em cosméticos, produtos domésticos, alimentos e embalagens.

“Naturalmente, os países compradores também são responsáveis. Afinal, eles estão importando e consumindo produtos sem prestar atenção em como foram produzidos. Consequentemente, estão criando uma demanda. E as companhias envolvidas no negócio estão lucrando”, avalia Sam Lawson, principal autor do estudo e consultor de instituições como o Banco Mundial e Greenpeace. Ele calcula que esse tipo de comércio gere uma receita de 61 bilhões de dólares, cerca de 140 bilhões de reais.

A pesquisa foi feita ao longo dos últimos três anos e reuniu dados publicados em mais de 300 artigos científicos, informações da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e dados de satélite.

Ilegalidade no Brasil

Ao mesmo tempo em que o estudo aponta o Brasil como líder nesse tipo de ilegalidade, ele reconhece que o país reduziu dramaticamente o desmatamento desde 2004. A taxa de derrubada ilegal na Amazônia caiu mais de 70% se comparada aos índices medidos entre 1996 e 2005.

“No Brasil, as florestas também estão dentro de propriedades privadas. E, em muitos casos, o único documento que o produtor rural tem para justificar sua plantação é um certificado de posse da terra. Eles não têm, necessariamente, a permissão para cortar a floresta para dar lugar a essa plantação”, diz Lawson.
Francisco Oliveira, diretor do Departamento de Políticas de Combate ao Desmatamento na Amazônia, do Ministério de Meio Ambiente, diz que a apropriação irregular de terras públicas, ou “grilagem”, é uma das principais causas do desmatamento ilegal. “Um grileiro nunca vai buscar uma autorização de desmatamento”, acrescenta.

O corte da mata também é feito por proprietários regulares de terra. Mas nem todos respeitam a lei: muitos retiram a vegetação nativa para expandir plantações sem a devida autorização, que é dada pelo governo estadual. Para aumentar o rigor na fiscalização, o governo federal pretende exigir que os estados repassem as autorizações de supressão de vegetação concedidas aos proprietários.

A legislação nacional obriga as propriedades rurais privadas a manter no mínimo 20% da vegetação natural, a chamada Reserva Legal. Por outro lado, ainda não existem dados oficiais que mostrem quem cumpre a lei. A esperança de separar “o joio do trigo” está no Cadastro Ambiental Rural (CAR), introduzido com o novo Código Florestal para ajudar no processo de regularização.

Esse cadastro tem que ser feito por todo proprietário e trará informações georreferenciadas do imóvel, com delimitação das Áreas de Proteção Permanente, Reserva Legal, entre outros. “A pessoa sabe que entrou para um sistema e vai tomar os devidos cuidados para não desrespeitar a legislação, e quer ser respeitada por isso”, analisa Oliveira.

Comida e floresta para todos

Cinco campos de futebol de florestas tropicais são destruídos a cada minuto para suprir a demanda por commodities agrícolas. A FAO também vê esses números com preocupação. A organização estima que, até 2050, o mundo precisará de cerca de 60 milhões de hectares extras para suprir a demanda por comida.
Para Keneth MacDicken, especialista em assuntos florestais da FAO, seria possível fazer essa expansão sem agredir as florestas. “Aumentar a produtividade, melhorar as técnicas e diminuir o desperdício são fundamentais”, diz.

Para acabar com a produção agropecuária em terras desmatadas ilegalmente, é importante mostrar que a legalidade é rentável. “Nesse processo, empresas como a Embrapa são muito importantes. Porque elas ajudam os proprietários rurais a produzir de forma mais eficiente e mais rápida”, exemplifica MacDicken.
Além do aumento na fiscalização e vigilância por satélite, Oliveira, do ministério de Meio Ambiente, aposta na parceria com produtores para mostrar que o consumidor também está ficando mais exigente. “Os compradores de soja no mercado internacional não estão querendo atrelar o nome ao desmatamento ilegal na Amazônia.” Essa percepção criou a chamada “moratória da Soja”, em que produtores se comprometeram a não estender o cultivo para áreas desmatadas.

Lawson só vê uma saída: “Nada vai funcionar se os governos não tomarem providências contra a ilegalidade”. O pesquisador admite que, hoje, o tema é mais discutido entre produtores e consumidores do que há dez anos. No entanto, se os números do desmatamento associado à expansão da agropecuária ainda são altos, a conclusão é que “esse combate ainda não está sendo feito como deveria”.

(http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=29930)

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Por que Bush encobriu fatos sobre o 11 de setembro?

James Ridgeway - CounterPunch

Em seu artigo do New Yorker, publicado no site da revista na semana passada, Lawrence Wright conta sobre como a administração Bush deletou 28 páginas do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os ataques de 11 de setembro, provavelmente pelo fato de que descreviam em detalhe as conexões dos sauditas com o ataque da Al Qaeda e com o financiamento de suas operações nos EUA a partir de pessoas que conheciam os sequestradores dos aviões e podem ter servido como ligação para o dinheiro saudita. Uma parte do dinheiro pode ter sido transferido pela família real através de caridade.

Ao remover as 28 páginas, Bush declarou que a publicação de tal conteúdo prejudicaria operações de inteligência americanas. Os sauditas negam tudo.

Na verdade, ninguém estaria falando sobre isso hoje se as famílias das vítimas e as seguradoras não estivessem processando os sauditas.

Wright relata:

“Não há nada a ver com segurança nacional,” é o que diz Walter Jones, deputado da Carolina do Norte que leu as 28 páginas. “Elas são sobre o governo Bush e sua relação com os sauditas.” Stephen Lynch, um democrata de Massachusetts, me contou que os documentos são “chocantes por sua clareza,” e que oferecem evidência direta da cumplicidade por parte de alguns indivíduos e entidade sauditas quanto ao ataque da Al Qaeda nos EUA. “Estas 28 páginas contam a história que foi completamente removida dos relatórios sobre o 11 de setembro,” sustena Lynch. Outro deputado que leu o documento declarou que as evidências do apoio do governo saudita ao ataque são “assustadoras,” e que “a verdadeira questão é se tudo isso foi sancionado pela família real ou em um nível mais baixo, e se as orientações foram ou não seguidas.” Agora, em um raro exemplo de aliança bipartidária, Jones e Lynch copatrocinam uma resolução requisitando que a administração Obama desclassifique estas páginas.

Mas há outras questões aqui, e elas envolvem a história de como a administração Bush suprimiu as provas que revelariam o quanto ela sabia dos planos de ataque — e não fez coisa alguma para impedi-los.

Um breve resumo da história:

Dois dos sequestradores do vôo 77 — Khalid al-Midhhar, um saudita que lutou com a Al Qaeda na Bósnia e na Chechênia, e Nawaf al Hazmi, outro saudita com experiências militares na Bósnia, Chechênia e Afeganistão, se encontraram em uma reunião estratégica da Al-Qaeda em Kuala Lumpur em janeiro de 2000. A CIA pediu ao serviço de inteligência malaio que monitorasse a reunião, sem sucesso. Os dois deixaram a reunião em direção ao aeroporto e tomaram um vôo para Bankok dia 8 de janeiro, e depois tomaram um vôo da United Airlines de Bankok para Los Angeles, aterrisando sem problemas e passando pelo serviço de imigração americano.

Nesta época, de acordo com a Comissão de Inquérito, “a CIA e a NSA tinham informações suficientes disponíveis sobre os futuros sequestradores al-Midhar e al-Hamzi para conectá-los a Osama Bin Laden, ao ataque à embaixada na África e ao ataque do USS Cole… e eles deveriam ter sido colocados dentro da lista de suspeitos do Departamento de Estado e da INS.”

Em julho de 2001, analistas que trabalhavam por conta própria confirmaram que os dois haviam aterrisado nos EUA e avisaram o FBI. O FBI alertou seus oficiais em Nova York, mas não em Los Angeles e em San Diego. E não pensaram em avisar a FAA, a INS ou outros serviços de inteligência para proibirem estes homens de entrar em aviões.

Uma vez nos EUA, os dois sequestradores passaram desapercebidos sob os narizes da CIA e do FBI, Eles foram de Los Angeles a San Diego, onde alugaram um apartamento, arrumaram um cartão de seguridade social, carteiras de motorista, cartões de crédito e um carro. E logo começaram treinamentos de vôo.

Os dois possuiam contatos com um iemenita radical, que o FBI estava vigiando e com o líder de uma comunidade saudita local, que era suspeito de ser um dos financiadores dos sequestradores.

Eles tiveram contato com um informante do FBI que vivia na casa do iemenita. Este homem fora incumbido pelo FBI de vigiar a comunidade saudita local. “Ele estava na casa de uma de nossas fontes,” foi o que um oficial do FBI contou a James Bamford, autor do livro “Um Pretexto para a Guerra”. “Se tivéssemos tomado conhecimento disso teríamos seguido os dois e dito, ‘estes caras estão frequentando aulas de aviação'.”

A comissão de inquérito concluiu que os contatos dos informantes com os sequestradores, se tivessem sido investigados, teriam dado oportunidade ao FBI de San Diego para desvendar o plano. As tentativas da Comissão de Inquérito de entrevistar os informantes foram frustradas pelo FBI e pelo Departamento de Justiça. De acordo com o ex-senador Bob Graham, em seu livro “A inteligência Importa,” quando a Comissão pediu ao FBI todos seus arquivos sobre os informantes, o acesso foi negado e quando foram intimados a fazê-lo, o FBI não se mexeu. Graham organizou uma reunião com o diretor da CIA, George Tenet, o diretor do FBI, Robert Mueller e o procurador geral John Ashcroft. Eles sugeriram que Graham interrogasse o informante por escrito e o informante havia conseguido um advogado de ponta, antigo funcionário do Departamento de Justiça. O advogado demandou imunidade para o informante antes que este testemunhasse. Graham escreveu em seu livro, “era estranho que um indivíduo que declarava não ter feito nada errado e que o FBI insistia que era uma fonte valiosa requisitasse imunidade.”

O comitê recusou o pedido.

Graham escreveu que o FBI “insistia que não se poderia de maneira alguma contar ao povo americano que um informante do FBI tivera se relacionado com dois dos sequestradores.” O FBI se opôs a qualquer a qualquer audiência pública, deletou do relatório da Comissão de Inquérito todas as referências à situação . Apenas um ano depois o FBI permitiu que uma versão da história se tornasse pública.

Em seu livro, Graham descreveu uma carta de um membro do FBI explicando que a entidade não tinha cooperado por causa de ordens vindas do governo. “Nós pretendíamos escrever sobre o que suspeitamos. A Casa Branca dirigiu o encobrimento da situação.

"Mais tarde, quando a comissão sobre 11 de setembro conduziu sua própria investigação, tanto Bush quanto Cheney fizeram uma reunião com ela, privada, sem registros.”

Esta história e o novo artigo de Wright sugerem que o presidente, o vice-presidente e o comandante do FBI se envolveram com obstrução da justiça. Se isto aconteceu de fato, seria necessário um júri federal para julgar o caso. O Departamento de justiça, que gere o FBI, faria isso? Provavelmente não.

Restou que as famílias que estão processando os sauditas descubram e publiquem a verdade.
(fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Por-que-Bush-encobriu-fatos-sobre-o-11-de-setembro-/6/31826)

Por que hoje é sexta-feira.... vamos rir!