Apesar de a
política brasileira de combate ao desmatamento ter sido aprimorada nos últimos anos, um
estudo recente realizado por pesquisadores da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, da
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG e da
Universidade de Brasília - UnB demonstra
que as barganhas concedidas pelo Estado brasileiro até 2016 podem
reverter os índices de desmatamento no país e comprometer a m
eta brasileira de redução das emissões de gás carbônico assumidas no Acordo de Paris. Segundo um dos coautores da pesquisa,
Raoni Rajão, da UFMG, embora o governo tenha fortalecido as políticas de
controle ao desmatamento,
de outro lado “houve uma pressão e uma sinalização pró-desmatamento
maior, que acabou anulando ou se sobrepondo à pressão antidesmatamento. O
que tentamos mostrar neste estudo é justamente essa situação paradoxal,
na qual a capacidade de
controle do desmatamento se manteve, mas, ao mesmo tempo, a pressão pró-desmatamento aumentou”, explica.
Entre as
sinalizações que favoreceram o desmatamento,
Rajão destaca a aprovação do
Código Florestal em 2012 e a não criação de
novas Unidades de Conservação. “Um marco importante foi a aprovação do
Código Florestal em
2012. Inclusive a reforma do Código Florestal surgiu a partir do
momento em que o Código antigo começou a ser implementado e começou a
‘doer no bolso’ do produtor e daqueles que desmatam, e esse setor se
organizou para, dado que a regra estava ficando difícil, mudá-la”, frisa
na entrevista a seguir, concedida por telefone à
IHU On-Line. Na avaliação dele, o
novo Código Florestal foi “uma grande colher de chá para o setor produtivo,
porque se perdoou tudo o que aconteceu no passado. Tanto é assim que 60% do
desmatamento ilegal feito até 2008 foi perdoado pelo
Código de 2012.
Agora, o problema é que isso acabou sendo lido pelo setor produtivo que
está ligado ao desmatamento como uma mensagem de que se ele conseguiu
vencer o governo e anular o desmatamento feito no passado, futuramente
poderia haver um novo perdão”. E adverte: “É preocupante passar essa
mensagem de que com pressão e articulação no governo se consegue
reverter leis ambientais, que é algo inclusive inconstitucional, porque não se pode diminuir a
proteção em áreas ambientais”.
Raoni Rajão é
professor de Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia no departamento de
Engenharia de Produção da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e
membro do Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da mesma
instituição. Também atua nos programas de Pós-Graduação em Análise e
Modelagem de Sistemas Ambientais da UFMG e Social and Political Sciences
of the Environment (Radboud University/Holanda). Ele é graduado em
Ciência da Computação pela Universidade de Milão-Bicocca (Itália) e
mestre e doutor em Organização, Trabalho e Tecnologia pela Universidade
de Lancaster (Inglaterra). Desde o mestrado se dedica ao estudo da
relação entre tecnologia, ciência e políticas públicas, com ênfase na
avaliação de políticas de controle do desmatamento e de pagamento por
serviços ambientais.
Confira a entrevista.IHU
On-Line - Na semana passada, noticiou-se na imprensa um estudo feito
pelo senhor e pelo professor Britaldo, juntamente com pesquisadores da
Coppe/UFRJ e da UnB, acerca das barganhas políticas feitas a partir de
2016 e o modo como elas afetaram o controle do desmatamento na Amazônia e
no Cerrado. Em que consiste esse estudo e quais dados o fundamentam?Raoni Rajão – Esse estudo surgiu da percepção de uma contradição. Seria errado dizer que houve uma reversão ou um enfraquecimento das
políticas de desmatamento nos
últimos anos. Na verdade, elas se mantiveram, com alguma flutuação de
orçamento, mas nada que não tivesse acontecido nos anos anteriores. Isso
porque o governo tem dificuldade de manter o fluxo de recursos, mas de
maneira geral foram mantidos aprimoramentos pontuais e, inclusive,
ajudamos o
Ibama a realizá-los. Então, o ponto do nosso estudo foi o seguinte: por que o
desmatamento aumentou se a
política de desmatamento continuou
e melhorou? Para responder a essa questão, analisamos as políticas de
controle de desmatamento para entender que estamos num contexto mais
amplo de governança ambiental, que são as ações de controle do
desmatamento do
Ministério do Meio Ambiente e também as ações dos
outros ministérios, as ações do setor privado, as sinalizações
políticas que são dadas pelo Congresso e pela presidência.
Então, o que ajudou a explicar a
queda do desmatamento nos períodos anteriores foi a concomitância de uma estruturação da
política de controle de desmatamento,
que praticamente não existia antes de 2004. Depois se teve um contexto
político favorável, com tolerância zero ao desmatamento, mas na
sequência, mesmo com a manutenção da política do desmatamento, houve uma
pressão e uma sinalização pró-desmatamento maior, que acabou anulando
ou se sobrepondo à
pressão antidesmatamento. O que tentamos
mostrar neste estudo é justamente essa situação paradoxal, na qual a
capacidade de controle do desmatamento se manteve mas, ao mesmo tempo, a
pressão pró-desmatamento aumentou.
A partir dessa constatação, tentamos olhar para o futuro, pensando num cenário no qual existe uma
sinalização política antidesmatamento, no qual se pode diminuir o
desmatamento conforme as metas assumidas pelo país em 2009. Nesse sentido, não estamos propondo que o
Brasilassuma uma nova meta, nem estamos sugerindo que se faça uma
política de desmatamento zero.
O cenário intermediário que vemos como tendencial é o de manutenção das
políticas de controle de desmatamento. Mas com a erosão e a diminuição da capacidade gradual que vem ocorrendo por causa do
teto dos gastos, da aposentadoria dos funcionários do
Ibama e da não reposição do quadro de funcionários através de novos concursos, prevemos um cenário pior, no qual o
Ministério do Meio Ambiente seria extinto e se transformaria numa secretaria do
Ministério da Agriculturae,
portanto, estaria submetido a esse ministério, como já foi sinalizado
por um dos candidatos à Presidência. Se essa situação se concretizar, a
política de controle do desmatamento será desmontada e as consequências serão piores.
IHU
On-Line - Quais foram as principais barganhas concedidas pelo Estado
aos ruralistas e como elas contribuíram para o aumento do desmatamento
na Amazônia e no Cerrado?Raoni Rajão – É difícil, quando se faz uma análise política, relacionar uma ação específica do governo e como isso gerou um
aumento do desmatamento. Entretanto, é possível perceber que foram feitas sinalizações importantes e, nesse sentido, um marco foi a aprovação do
Código Florestal em
2012. Inclusive a reforma do Código Florestal surgiu a partir do
momento em que o Código antigo começou a ser implementado e começou a
“doer no bolso” do produtor e daqueles que desmatam, então esse setor se
organizou para, dado que a regra estava ficando difícil, mudá-la.
É claro que, no que diz respeito ao
Código Florestal,
existe uma discussão mais ampla, porque alguns argumentaram à época que
era melhor ter uma regra mais fácil e 100% aplicada do que ter uma
regra muito forte e que nunca seria aplicada. De certa forma isso ajudou
a justificar, para alguns ambientalistas, a construção do
novo Código Florestal,
que foi uma grande colher de chá para o setor produtivo, porque se
perdoou tudo o que aconteceu no passado. Tanto é assim que 60% do
desmatamento ilegal feito até 2008 foi perdoado pelo
Código de 2012.
Agora, o problema é que isso acabou sendo lido pelo setor produtivo que
está ligado ao desmatamento como uma mensagem de que se ele conseguiu
vencer o governo e anular o desmatamento feito no passado, futuramente
poderia haver um novo perdão. É preocupante passar essa mensagem de que
com pressão e articulação no governo se consegue reverter leis
ambientais, que é algo inclusive inconstitucional, porque não se pode
diminuir a
proteção em áreas ambientais. Apesar de muitos alertarem para o fato de que se trata de algo inconstitucional, o
STF acabou dando um parecer favorável ao Código Florestal, inclusive em aspectos mais controversos como, por exemplo, a anistia por
desmatamentos anteriores a 2008, para pequenas propriedades. Existiu ali uma sinalização que foi muito negativa.
Outra sinalização importante ocorreu assim que
Dilma Rousseff assumiu o governo: ela diminuiu radicalmente o número de criação de
Unidades de Conservação e
demarcação de terras indígenas.
Inclusive, no nosso artigo, fizemos um levantamento das áreas de
Unidades de Conservação criadas ano a ano, que evidencia uma diminuição
radical já no
governo Lula, mas quando Dilma assume o governo, essa diminuição chega próximo a zero.
No
final do governo, ela fez algumas benesses para compensar essa
situação, mas ficou evidente a sinalização, pois até então uma
estratégia muito clara do
governo Lula, no período da
Marina Silva, consistia em pegar as áreas devolutas, que são áreas do governo, e ali criar
Unidades de Conservação ao invés de deixá-las sem atribuição, o que permite a
grilagem das terras.
Então tal política sinalizava que essas áreas seriam difíceis de ser
griladas e roubadas do governo. Mas essa estratégia foi interrompida.
Além disso,
no governo Temer foi aprovada uma medida provisória,
por pressão dos ruralistas, a qual expandiu benefícios para grileiros,
os quais hoje conseguem legalizar, a um preço irrisório, áreas de até
2.500 hectares. São
grandes latifúndios de terras públicas — ou seja, nosso patrimônio — que estão sendo
desmatados por pessoas que depois conseguem a propriedade dessas terras e as vendem por preços exorbitantes.
A
Renca, por exemplo, que é uma reserva de minério de cobre no
Pará,
não tem uma função ambiental direta, mas acaba tendo uma função
indireta, porque ela limita os tipos de uso daquela área. Por causa
disso, dentro da
Renca foram criadas
Unidades de Conservação estaduais pelo Estado do Pará. Mas a partir do momento em que o
governo federal quis
desfazer essa área, o Estado do Pará também poderia querer desfazer as
suas unidades estaduais de conservação e permitir a exploração dessas
áreas. Nesse caso, a iniciativa de desfazer a
Renca foi fruto do lobby da própria
Vale. Depois houve uma pressão internacional enorme e o governo voltou atrás, e o mesmo aconteceu com
Jamanxim.
Apesar de o governo ter voltado atrás, o sinal para quem quer desmatar
está claro: basta pressionar que o governo vai lá e assina o que alguns
setores querem e isso gera uma expectativa pró-desmatamento.
Tanto é que no contexto do
Jamanxim houve uma explosão de
desmatamento nas Unidades de Conservação, porque já estava se esperando que no apagar das luzes do governo
Temer se
daria uma canetada e se conseguiria desfazer aquelas áreas, facilitando
a tomada delas, que a partir de então estariam legalizadas. A diferença
entre o legal e o ilegal é uma caneta. Como essa caneta está na mão de
quem quer fazer barganha, isso acaba tendo um impacto muito grande na
expectativa de quem quer desmatar.
IHU On-Line - Segundo o
estudo, somente por desmatamento o Brasil emitiria 1,8 bilhão de
toneladas líquidas de gás carbônio em 2030. O que esse percentual
representa em comparação com a meta interna assumida pelo país na
Conferência do Clima de Paris? Como é feita essa projeção?Raoni Rajão – Isso mostra que só com o
desmatamento o
Brasil vai superar o que ele promete em termos de emissão nesse período, o que significa que o país, em 2030,
não alcançará as próprias metas internasque foram prometidas no acordo de Paris.
É
importante enfatizar que uma das nossas preocupações é que o governo
escolha quais setores poderão emitir gás carbônico. Nesse caso, alguns
setores poderiam desmatar, porque o governo quer usar a
meta de emissão de gás carbônico para
esses setores, mas se for assim, como fica o resto da economia
brasileira? Essa sim precisa emitir para produzir, porque para produzir
carne, soja, um carro, para produzir energia elétrica, é preciso emitir
gás carbônico também, então, o governo estará prejudicando outros
setores da economia que precisam emitir para produzir. Ou seja, o
governo irá permitir a emissão de gás carbônico para um setor da
economia que não gera
PIB. O problema é um pouco esse e funciona
como uma espécie de orçamento: se gastamos todo o orçamento do governo
num setor, não teremos recursos para outros. A mesma coisa acontece em
relação ao carbono: se gastarmos em barganha política gerando
desmatamento, gerando
grilagem de terra,
não teremos possibilidade de oferecer barganhas para o setor produtivo,
que também irá gerar as taxas de emissões. Esse é o “x da questão”.
IHU
On-Line – O senhor defende que o desmatamento deveria ser controlado
para permitir que outros setores da economia, que geram um PIB maior,
possam usar a cota de emissões de gás carbônico?Raoni Rajão – Exato. A tendência é gerarmos uma
economia de baixo carbono, de maneira mais efetiva, mas pelo menos nos próximos 50 anos, até que se faça a
transição para a economia de baixo carbono,
teremos que emitir para poder crescer. Então, temos que poder emitir
num lugar que gere crescimento. É importante ter noção disso, porque
quando alguém desmata, há uma perda para todo mundo, inclusive para a
agropecuária moderna. Não se trata de uma briga do ambientalista
preocupado em salvar as árvores contra a agropecuária. O governo poderia
permitir o
desmatamento legal em áreas de expansão de algumas
culturas que têm alto valor agregado e não em áreas de fronteira onde é
economicamente inviável produzir alimentos. Os que estão desmatando
essas áreas fazem isso para grilar as terras e depois tomá-las do
Estado, para depois vendê-las sem produzir alimento e
PIB.
IHU
On-Line - Considerando essas barganhas já concedidas pelo governo, que
tipo de política o Brasil deveria implementar para alcançar suas metas
de redução das emissões de gás carbônico?Raoni Rajão – Um dos pontos centrais está ligado às
terras devolutas; são 80 milhões de hectares de terras públicas não designadas na
Amazônia.
O problema é que enquanto essas terras não estiverem designadas, elas
estarão abertas para serem usadas por grileiros que as desmatam e depois
são usadas pela
especulação imobiliária. É absolutamente urgente
pensar formas para que essas áreas tenham um destino específico, porque
à medida que elas entram no mapa, quem grila terra vai ficar atento e
não irá naquelas áreas.
Além disso, é absolutamente essencial que seja sinalizado que acabou a farra de se
desfazerem as Unidades de Conservação.
Isso porque a partir do momento que se cria a expectativa de que com
pressão política a Unidade de Conservação é desfeita, aí vira moda e
todos vão querer fazer a mesma coisa, vão querer pressionar também no
âmbito estadual, porque os estados também têm um papel importante na
criação de Unidades de Conservação.
Também é importante que se continue com o aprimoramento das
plataformas políticas de controle do desmatamento. O
Ibama tem feito um bom trabalho, mas, infelizmente, toda vez que relatamos situações de
desmatamento,
a tendência é falar que isso acontece porque não há fiscalização — essa
é a narrativa típica. Porém, ela é incorreta porque a situação é mais
complexa do que isso. De todo modo, é preciso continuar aprimorando a
fiscalização, é preciso fazer investimentos, promover concursos, por
exemplo, porque faz anos que não há concurso do
Ibama, e hoje a quantidade de fiscais é 50% menor do que há alguns anos, logo, isso impacta a capacidade de ação do órgão.
Também é importante pensar em incentivos para a
legislação. Se acabássemos com o
desmatamento ilegal na Amazônia, seria possível reduzir muito o desmatamento, mas esse não é o caso do
Cerrado.
Nesse sentido é necessário pensar em como implementar aspectos, os
quais já estão inclusive em lei, em que, por exemplo, é feito o pedido
de estudo de viabilidade ou de se demonstrar a necessidade de desmatar
uma nova área. Há possibilidade de ser criado um
imposto de autorização de desmatamento legal que possa, depois, ser revertido para o
uso sustentável de outras áreas.
Hoje,
infelizmente, é muito mais barato para o produtor desmatar uma nova
área, por exemplo, para poder expandir o pasto, do que recuperar uma
área já degradada. Existe um
incentivo econômico muito grande
para que se continue desmatando sempre novas áreas em vez de manter e
utilizar, de maneira sustentável, as áreas já abertas e utilizadas. É um
pacote que precisa ser pensado em conjunto.
IHU On-Line — O
estudo fez algum cálculo para medir em que percentual o desmatamento foi
reduzido a partir da política de desmatamento, em contraposição a que
percentual de áreas foram desmatadas por causa das barganhas concedidas
pelo governo?Raoni Rajão – É difícil atribuir valores
percentuais de maneira direta. O que houve foi uma série de estudos que
tentam compreender o papel dessas diferentes políticas para explicar
como o
desmatamento saiu
de 20 mil quilômetros quadrados em 2005 para 4 mil quilômetros
quadrados em 2012. Esses estudos mostraram um aumento substancial dos
atos de infração emitidos pelo
Ibama nos municípios. O meu estudo, particularmente, mostra a
revolução tecnológica que aconteceu dentro dos órgãos ambientais, porque antes os técnicos iam para campo sem saber onde procurar o
desmatamento, mas hoje eles fazem monitoramentos por satélite. A própria
criação de Unidades de Conservação foi
muito importante e, além disso, houve mudanças legislativas
importantes, como, por exemplo, a criação da lista negra dos municípios
desmatadores. Aqueles municípios que estão nessa lista têm dificuldades
de conseguir créditos com bancos e isso gerou uma reação importante para
o setor produtivo na
região Amazônica. Ou seja, esses são dados
de uma série de estudos que apontam como o desmatamento chegou a esses
valores, mas não existe um estudo integrado.
Como o elemento
político estava presente no período de 2005 a 2012, fica difícil separar
a influência dele desses outros elementos. Entretanto, o que mostramos é
que se a partir de 2012 as políticas que levaram ao
desmatamento foram
mantidas, então o que mudou foi de fato a reversão de algumas
políticas, como a redução das Unidades de Conservação. Então, apesar de
não atribuirmos um percentual a cada uma dessas políticas, fica claro
que tem que ter havido uma influência importante da dimensão política
para poder explicar essa reversão, porque, do contrário, ela não se
explica e estaríamos com os mesmos
índices de desmatamento que foram registrados em 2012.
IHU
On-Line — Dado o índice de desmatamento no país, o Brasil não
conseguirá cumprir suas metas internas propostas para o acordo de Paris?Raoni Rajão – Se a tendência se confirmar, não. Tanto é que consideramos que o cenário intermediário é o cenário tendencial. Ou seja, se as
questões do desmatamento e do
orçamento de carbono não entrarem para a agenda política de 2018, chegaremos a 2030 longe da
meta do acordo de Paris. A situação é preocupante porque, com exceção de uma candidata, ninguém toca nesse assunto. Pelo contrário,
candidatos à esquerda e à direita estão querendo se aproximar do
agronegócio porque ele é uma grande potência, gera
PIB,
mas não fazem uma aproximação qualificada no sentido de afirmarem que
querem apoiar o agronegócio que busca crescer, que quer gerar uma
agricultura de baixo carbono,
e não aquele agronegócio que quer roubar terra. Mas, infelizmente, essa
mensagem fica muito misturada na discussão política e a tendência é a
de ter uma eleição que não trate do assunto.
IHU On-Line — Que questões são urgentes e precisam constar no debate eleitoral acerca da questão ambiental?Raoni Rajão — É importante começar a discutir a agenda do
orçamento de carbono, porque o
carbono é um recurso finito: nós emitimos dia a dia, toda vez que ligamos o carro estamos emitindo
gás carbônico,
porém é importante fazer essa emissão de maneira inteligente. É a mesma
coisa com o orçamento da União, que precisa ser pensado de maneira mais
efetiva. Não é simplesmente cortar gastos, aumentar impostos ou
aumentar investimentos, mas fazer gastos de maneira mais efetiva.
Infelizmente, isso está fora do debate e é curioso que esteja fora do
debate em um contexto em que, por exemplo, mesmo dando sinalizações
pró-desmatamento, tanto
Kátia Abreu, que foi ministra de
Dilma, quanto
Blairo Maggi, que é ministro de
Temer, já falaram publicamente que a
agricultura não precisa desmatar para
crescer. Este foi o cenário: de 2005 para 2012 houve um aumento
espetacular das exportações brasileiras de soja e de carne, e a
produção agrícola do Brasil aumentou substancialmente, isso em um cenário em que o
desmatamento caiu.
De
fato, há pessoas ligadas ao agronegócio falando que não precisa
desmatar para poder crescer, então, por que isso não vira uma linha
comum de propostas? O que aconteceu nesses últimos tempos é que o
setor do agronegócio que quer desmatar não
está sendo repreendido pelo agronegócio que está querendo produzir.
Parte dos candidatos não quer atacar essa questão do desmatamento e da
diminuição das
emissões de gás carbônico, a meu ver, porque não
querem ofender parte importante do eleitorado deles. Entretanto é
essencial conseguir separar estes dois públicos: a agricultura que está
querendo produzir e aquela que está querendo só desmatar.
IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?Raoni Rajão — Um
ponto a ser colocado é que esse estudo é resultado de um trabalho de
duas equipes de ponta de duas universidades brasileiras e que utilizou
modelos desenvolvidos no Brasil. Normalmente, quando se trata de
grandes
estudos sobre mudanças climáticas, há uma tendência muito
grande de copiar e colar modelos desenvolvidos fora do país, o que faz
com que não tenhamos uma capacidade de entender as nossas
particularidades nacionais. Nesse sentido, esse estudo foi
representativo e também, de certa forma, foi importante para o
desenvolvimento científico do país. É relevante enfatizar isso e a
importância de continuar a se fazer investimentos nessa área, pois esse
estudo que fizemos só foi possível porque, anteriormente, essa mesma
equipe fez parte de um grande projeto do
Ministério da Ciência e Tecnologia, onde fizemos as
projeções de emissões do Brasil até 2050.
É importante haver investimento para a
Ciência e Tecnologia,
porque se não existir investimento em Ciência e Tecnologia nas
universidades, não teremos inteligência governamental no país.
Infelizmente estamos num cenário onde isso não é visto, onde acredita-se
que as
universidades públicas são espaços privilegiados ou que são politizados, mas esses são espaços em que se gera inteligência e se faz pesquisa.
*Publicado originalmente na IHU On-Line
(fonte: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Mae-Terra/Pressao-pro-desmatamento-e-barganhas-politicas-comprometem-metas-brasileiras-de-emissao-de-gas-carbonico/3/40983)