domingo, 29 de julho de 2018

‘Depressão e suicídio: os dramas deste século triste’, por Ricardo de Moura Faria


Pedintes não são exclusividade do Brasil. Esta mora em Barcelona. Foto: Izabel Faria
A contribuição recebida hoje foi de ninguém menos que o professor e historiador Ricardo de Moura Faria, que já foi citado várias vezes aqui no blog e tem até livro publicado na nossa biblioteca, para ser baixado e lido gratuitamente. Ricardo é historiador, autor de mais de 70 livros didáticos e paradidáticos, e atualmente tem se dedicado a publicar romances de época: "O amor nos tempos do AI-5" e "Amor, opressão e liberdade". É também blogueiro e meu amigo virtual de debates na blogosfera desde os tempos do "Tamos com Raiva", minha primeiríssima página, criada em 2003. No artigo abaixo, ele trata de temas importantíssimos da nossa sociedade atual. Boa leitura!

Depressão e suicídio: os dramas deste século triste

Os tempos que estamos vivendo estão muito tristes, e eu diria que no Brasil atual essa tristeza ainda é maior do que em outros locais. E é a nossa realidade aquela que cientificamente ou empiricamente podemos debater.
Fiquei espantado com um dado que foi noticiado neste ano: se pudessem, 62% dos jovens brasileiros emigrariam. E não vou negar que já dei esse conselho a alguns amigos.
Por que emigrariam? Sem dúvida, pela tristeza de viver em um país que não lhes acena com a possibilidade de um futuro promissor, associada com a quase certeza de que a situação do país só tende a piorar, que nada dá certo... enfim...
Os poucos momentos de alegria social, que são, basicamente, o carnaval e o esporte, notadamente o futebol, creio que já esgotaram sua capacidade de provocar alegria. A seleção brasileira é formada por estrangeiros milionários que estão se lixando para o país; o carnaval que se vê na mídia é, em essência, aquele que acontece dentro dos parâmetros estabelecidos, enquanto a violência que acontece nas ruas, durante os desfiles de blocos, pouco é noticiada.
Nossa democracia, tão frágil, é esculhambada diariamente pelos integrantes dos três poderes. O que aparece, dia após dia, são fatos de estarrecer. Somos roubados nos impostos que pagamos para sustentar mordomias inacreditáveis a qualquer país sério. A violência nas ruas, o aumento do número de sem-teto, sem-terra, a miséria exposta a cada esquina. Como alguém consegue ser feliz em meio a tudo isso?
Nossas mulheres são espancadas, estupradas, mortas. O número de assassinatos anualmente supera o número de mortos na Guerra do Vietnã, que durou cerca de vinte anos! Jovens e negros são a maioria dos assassinados.
Essa tristeza toda é que, a meu ver, explicaria o incontável número de depressivos, de suicídios, inclusive entre jovens.
Por uma dessas coincidências da vida, chegou-me às mãos um artigo da escritora Eliane Brum, em que o tema do suicídio entre jovens é analisado com profundidade, inclusive com uma entrevista feita por ela com o psicanalista Mario Corso. E, dissertando sobre o absurdo número de suicídios de jovens (a segunda causa de mortes de adolescentes, em todo o mundo), a grande pergunta que ela levanta é: "Por que mais jovens se suicidam hoje do que antigamente?”
Ela observa que a pouca divulgação na mídia dos suicídios de jovens acaba levando à conclusão de que se trata de um problema individual. Resposta com a qual ela não concorda, pois aborda a questão não como individual, mas social.
“Quando adolescentes se matam, eles dizem algo sobre si mesmos, mas também dizem algo sobre a época em que não viverão. A inversão da pergunta não é um jogo retórico. Ela é decisiva. É decisiva também porque devolve a política à pergunta, de onde ela nunca poderia ter saído. E a recoloca no campo do coletivo.”
Então, as perguntas corretas seriam: 1) Por que não haveria mais adolescentes interrompendo a própria vida nos dias atuais do que no passado? E 2) como conseguir uma resposta que não seja a brutalidade de tirar a própria vida?

A primeira pergunta remete ao mundo em que estamos vivendo, pois se trata de um mundo em que, nas redes sociais, as curtidas e bloqueios assumem importância para os jovens sem perspectivas de futuro num mundo sem emprego e com destruição ambiental sem limites.
Trabalho? Já na década de 1980 a pensadora francesa Vivienne Forrester apontava em livro brilhante – “O horror econômico” – que, num curto espaço de tempo, os robôs passariam a ocupar o lugar dos seres humanos, que se tornariam, portanto, descartáveis. O que fazer com bilhões de pessoas sem emprego, sem renda e, portanto, não-consumidoras, que vivem num sistema que clama pelo consumo para se reproduzir?
A visão dela se completa com a de Robert Kurz em “O colapso da modernização”, em que ele aponta exatamente esse problema que o sistema terá de solucionar. Esperamos que não seja uma solução de extermínio global.
Para a segunda pergunta, eu me confesso incapaz de dar uma resposta. Vocês teriam?
(fonte: blog da Kika Castro)

NYT vê avanço militar no Brasil, pelo voto ou pela força

Escrito por José de Souza Castro
"Brazil’s Military Strides Into Politics, by the Ballot or by Force". Este é o título de uma reportagem de 1.800 palavras publicada pelo "New York Times" no último sábado (em tradução livre: "Militares do Brasil avançam na política, pelo voto ou pela força"). Tipo de relato a que os brasileiros têm acesso em jornais como este dos Estados Unidos, mas não nos do Brasil.
Os repórteres Ernesto Londoño e Manuela Andreoni entrevistaram militares brasileiros de alta patente, na ativa ou na reserva. Entre eles, o general Eliéser Girão Monteiro, que se candidatou a governador do Rio Grande do Norte e que defendeu o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal que decidiram libertar políticos condenados por corrupção.
O sistema político criado pela Constituição de 1988 se tornou uma “caverna que aparentemente não tem saída de emergência”, disse Monteiro. Enquanto afirma que pessoalmente não apoia um golpe militar, acrescenta na entrevista: “A única saída de emergência que o povo está dizendo é uma intervenção militar”.
Se a eleição não trouxer mudanças rápidas, alguns destacados generais da reserva advertem que líderes militares podem se sentir compelidos a avançar para o reinício de um sistema político pela força, escreve o NYT.
“Estamos num momento critico, caminhando sobre o fio da navalha”, disse Antonio Mourão, um general de quatro estrelas que recentemente se retirou depois de sugerir no ano passado, ainda na ativa, que uma intervenção militar seria necessária para purgar a classe política dirigente. “Ainda acreditamos que o processo eleitoral representará para nós uma solução preliminar para mudar o curso”.
Antonio Mourão foi eleito recentemente presidente do influente Clube Militar, no Rio de Janeiro. Esse general e outros oficiais reformados estão apoiando vivamente, segundo o NYT, a candidatura de Jair Bolsonaro, o ex-capitão do Exército que tem proposto medidas polêmicas para restaurar a ordem, inclusive dando à polícia rédea solta para matar criminosos.
Bolsonaro, o primeiro ex-oficial militar a ter uma candidatura viável à Presidência da República desde a restauração da democracia, disse recentemente que nomearia generais para seu ministério, “não porque são generais, mas porque são competentes”.
A campanha de militares se apoia na ampla frustração de brasileiros com fé na democracia e nas instituições governamentais, surgida em anos recentes, principalmente depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016 e os enormes esquemas de propina que mancharam todos os maiores partidos.
Uma pesquisa do Latinobarómetro descobriu no ano passado que apenas 13% dos brasileiros estão satisfeitos com o estado da democracia, o mais baixo ranking entre 18 nações latino-americanas. Verificou ainda que somente 6% dos brasileiros apoiam seu governo, um ranking bem abaixo de outros governos profundamente impopulares, incluindo Venezuela e México.
Atentos a isso, generais da reserva e outros oficiais com fortes laços no comando militar estão montando uma radical campanha eleitoral, apoiando cerca de 90 militares veteranos para uma variedade de postos, incluindo a Presidência da República, nas eleições nacionais de outubro. Argumentam, diz o jornal, que o esforço é necessário “para resgatar a nação de uma liderança entrincheirada que geriu mal a economia, fracassou na redução da crescente violência e descaradamente roubou bilhões de dólares mediante corrupção”.
O mais lido jornal do EUA admite que o avanço militar na política é, para muitos brasileiros, preocupante. A última ditadura militar no Brasil durou 21 anos, antes de terminar em 1985, e desde então o maior país da América Latina experimentou o mais longo período de governos democráticos. “Muitos são aguerridamente defensores da separação entre política e militar, se resguardando contra qualquer potencial deslize rumo ao regime militar”.
Acho que podemos nos incluir nesse número. Quem quiser ler o texto completo do NYT, no original, pode acessar AQUI.
(fonte: Blog da Kika Castro)

'É diário', diz professor sobre intoxicação por agrotóxico em escolas

Hugo Alves dos Santos leciona em cinco escolas diferentes. Todas têm plantações ao redor e em todas a contaminação das crianças é frequente.
A entrevista é de Ana Aranha, publicada por Repórter Brasil, 20-07-2018.

Mais de cinco anos depois que 90 crianças foram intoxicadas quando um avião pulverizou agrotóxicos sobre uma escola em Rio Verde, interior de Goiás, alunos e professores da região continuam expostos à intoxicação dos químicos cotidianamente. Essa é a denúncia feita por Hugo Alves dos Santos, diretor da escola em 2013, ano do acidente, e uma das suas vítimas. Ele é convidado especial para o lançamento de novo relatório da Human Rights Watch sobre intoxicações por agrotóxicos em zonas rurais do Brasil. Depois de visitar sete locais do país, o estudo conclui que casos como a da escola de Rio Verde estão se repetindo de modo sistemático: crianças, professores e moradores do campo são intoxicados em escalas menores, mas de modo disseminado, sem chamar a mesma atenção que teve o acidente.
Desde que fez as denúncias sobre o caso, Hugo perdeu o cargo de diretor e hoje dá aula como professor de educação física em cinco escolas rurais do mesmo município. Segundo ele, todas essas unidades têm registros constantes de sintomas de contaminação. “Num primeiro momento houve interesse da mídia, depois os alunos ficaram esquecidos”, ele diz, desanimado com as perspectivas das vítimas.
A Syngenta, que produziu o agrotóxico pulverizado, e a Aerotex, proprietária do avião, foram condenadas a pagar 150 mil reais por danos morais coletivos em março desse ano.
Em nota, a Syngenta lamenta o ocorrido, afirma que não teve participação na atividade de pulverização e que está recorrendo da sentença, proferida pela justiça federal em primeira instância. A Aerotex afirma que não vai se manifestar enquanto o recurso da Syngenta não for julgado.
Para Hugo, pior do que ver esses alunos sem o tratamento médico que ele considera adequado, é observar que eles e seus colegas estão expostos a uma intoxicação ainda mais grave que a de 2013 por ser silenciosa. Leia a íntegra da entrevista com Hugo Alves dos Santos.

Eis a entrevista. 

O que mudou desde que a escola foi pulverizada?
Não mudou nada. Num primeiro momento houve interesse da mídia, depois os alunos ficaram esquecidos. Foi criada uma lei municipal que proibiu sobrevoar para aplicar veneno de avião dentro dos assentamentos.
Também foi proibido plantar a 500 metros das escolas, para evitar a aplicação do veneno perto. Mas ninguém respeita essa lei. O veneno é aplicado por tratores, passam bem ao lado das escolas. Fora dos assentamentos, o avião continua pulverizando o veneno perto. Ninguém fiscaliza, ninguém tem coragem de cobrar desse pessoal [produtores rurais].
Há novos casos de intoxicação?
Sim, é diário. As crianças reclamam de dor de cabeça, dor no estômago. Tem uma professora que teve de deixar o ensino rural. Ela foi [transferida] para a cidade porque, toda vez que tinha contato com o veneno, tinha problemas na pele.
Hoje, eu estou [como professor de educação física] em 5 escolas diferentes, todas têm plantação em volta. Em todas os alunos são intoxicados com frequência, mas não podem falar que é do agrotóxicos porque os pais trabalham nas fazendas. Os alunos só falam com a gente, professores. Mas, quando a gente procura os pais, eles dizem que não é por causa dos agrotóxicos. Eu falo muito sobre isso na escola, mas sei que em casa não pode. Se o pai falar, perde o sustento dos filhos. É uma situação difícil de mudar.
Como estão os alunos que foram intoxicados em 2013?
Muitos têm problemas. Um deles tem cirrose hepática, uma aluna já foi internada 18 vezes. Os que continuam a entrar em contato com o veneno falam de dor de cabeça, boca pinicando, dizem que as pálpebras dos olhos ficam geladas. Depois que a imprensa sumiu, esses alunos ficaram esquecidos. Estão sem nenhum atendimento, a maioria já não tem mais nem direito a receber remédios. As empresas só ajudam quando tem ordem judicial.
O MPF fez um termo de ajustamento de conduta dizendo que as crianças precisavam passar por uma bateria de exames a cada 6 meses. Eles fizeram a primeira, eu levei na segunda, depois não fizeram mais.
As empresas envolvidas foram punidas?
Eu acho que, pelo tamanho do acidente, eles não pagaram nada. Num primeiro momento, foram muito prestativos, mas depois só com pedido judicial. A multa [ação civil pública do MPF] pedia 10 milhões da Aerotex, empresa do avião que jogou o veneno, e da Syngenta, a fabricante. Mas a sentença saiu em 150 mil reais. Mesmo nesse valor as empresas recorreram, tenho medo que não fique nada no final. E isso nem é para as famílias, é para ser aplicado em alguma melhoria na comunidade.
Como foi a reação das autoridades locais ao acidente?
Eles ficaram com deboche. Dias depois, quando as crianças continuavam passando mal e eu tinha que levar na cidade, eles diziam: “lá vem os envenenados”. Diziam “esses meninos não tem nada, tão com manha”. Isso eu ouvia das pessoas que atendiam a gente no hospital e dos vereadores.
Isso aconteceu porque a escola ainda estava suja de veneno. Eu recebi uma ordem do secretário de educação para voltar a trabalhar cinco dias depois do acidente. Foram de 25 a 30 alunos, todos sentiram mal novamente: coceira, dor de cabeça forte.
Eu fiquei uns 15 dias na escola com os alunos passando mal. Até que recebi uma visita do [Wanderlei] Pignati [professor da Universidade Federal do Mato Grosso]. Ele disse que a escola estava contaminada, tinha de fechar. A Aerotex contratou uma empresa que fez uma limpeza mais detalhada e pintou a escola, aí melhorou.
Você foi proibido de falar com a imprensa sobre o caso?
Sim. Chegou um momento que o pessoal da [secretaria de] educação disse: “a partir de hoje você não vai mais falar com a imprensa, a gente vai escolher quem é a pessoa que vai falar”. Me proibiram mesmo.
Depois de três anos, eu fiz um evento para falar sobre agrotóxicos com a comunidade, mas o prefeito me chamou num canto e disse “se for para falar de agrotóxico, eu não vou”. Então eu não pude falar, tive que fazer uma fala ‘light’. Tanto o prefeito quanto o secretário de saúde da época são produtores rurais.
Você sofreu alguma ameaças?
Várias. Tive que mudar várias vezes de local. Eu via carros rondando minha casa, pessoas que eu tinha certeza que estavam ali para me intimidar. Fiquei dois anos e meio sem falar com a imprensa.
Como você vê o debate para mudar a lei dos agrotóxicos?
Acho que eles vão aprovar o pacote da morte. Para mim, quanto mais agrotóxicos forem liberados, mais gente vai morrer. Se passaram cinco anos do acidente, corri muito atrás das coisas para esses meninos, mas agora parece que perdi as forças.
Eu queria que as autoridades vejam que essas crianças vão ter problemas de saúde futuramente. Eu não sei porque, mas com o passar do tempo, a memória do acidente fica mais viva em mim. À noite, quando vou relaxar para dormir, as imagens daquele dia voltam na minha cabeça.
Qual foi a memória mais forte daquele dia?
Eu vou levar para o túmulo quando vi as crianças deitadas no pátio se debatendo, coçando, pedindo socorro. Quando elas chegaram no hospital desmaiadas, gritando “tio Hugo, não me deixa morrer”.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/581046-e-diario-diz-professor-sobre-intoxicacao-por-agrotoxico-em-escolas)

Em seis meses, 100 milhões de árvores foram derrubadas no Xingu

Avanço da agropecuária, garimpo ilegal, grilagem de terras e roubo de madeira provocaram o desmatamento de 70 mil hectares na Bacia do Xingu.

A reportagem é publicada por Instituto Socioambiental - Isa, 24-07-2018.
O equivalente a 100 milhões de árvores foram desmatadas na Bacia do Xingu em apenas seis meses. A pressão por novas áreas para a expansão agropecuária, grilagem de terras, retirada ilegal de madeira e a expansão do garimpo provocaram a derrubada de 70 mil hectares de floresta no Pará e Mato Grosso. O ritmo do desmatamento não mostra sinais de diminuição: em junho, 24.541 hectares foram destruídos.
Do total desmatado no último mês, mais de 7 mil hectares correspondem ao montante de floresta derrubada dentro de áreas protegidas - Terras Indígenas e Unidades de Conservação. À revelia de denúncias feitas pelos povos indígenas, ribeirinhos e seus parceiros, que cobram medidas efetivas de combate ao desmatamento, não houve até então, um arrefecimento das atividades ilegais no território. “É urgente que os órgãos governamentais responsáveis atuem para combater o desmatamento. Os índices são assustadores e aumentam a cada mês”, alerta Juan Doblas, especialista em geoprocessamento do ISA.

Grilagem avança em terra de indígenas isolados

A ação de grileiros e desmatadores voltou com força na Terra Indígena (TI) Ituna Itatá, morada de indígenas isolados, no Pará. Em junho foi registrado um aumento exorbitante na área desmatada em seu interior: de 3 hectares detectados em maio, o número pulou para 756 hectares.
A TI entrou no radar do monitoramento do Sirad X em janeiro, quando foi identificado um desmatamento de 77 hectares. Após detectar 7 hectares desmatados em 2013, a região contabilizou assustadores 1.349 hectares de floresta derrubados entre agosto de 2016 e junho de 2017. Esses dados revelam uma tendência de expansão de um processo de grilagem, fruto da ação de grupos criminosos de Altamira e Anapú.
Em março, o ISA encaminhou a diversos órgãos governamentais um ofício denunciando o avanço da destruição da floresta, com a localização de todos os polígonos referentes ao desmatamento. O documento foi entregue ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas-PA), Fundação Nacional do Índio (Funai) e Ministério Público Federal (MPF). Em abril, voltou a encaminhar uma denúncia, dessa vez referente a exploração de madeira no interior da TI. Após alguns meses de calmaria, em que duas ações do Ibama foram realizadas para coibir as atividades ilegais, o desmatamento parece ter voltado com força.
A TI Ituna/Itatá localiza-se a menos de 70 quilômetros do sítio Pimental, principal canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte, e a destruição das florestas vem aumentando exponencialmente desde 2011, início da construção da usina. “A chegada do empreendimento e o brutal aquecimento do mercado de terras na região provocou uma corrida especulativa. Nesse contexto, o desmatamento constitui uma reafirmação do controle sobre determinadas áreas, e tende a crescer com a ausência de ações de fiscalização”, afirma Doblas.
A área foi interditada pela Funai em 2011 para proteção dos grupos indígenas isolados, com o estabelecimento de restrição de ingresso e trânsito de terceiros na área. Questionada pela reportagem sobre a situação da TI frente ao avanço do desmatamento, a Funai disse que “sozinha não tem capacidade operacional nem competência legal para atuar combativamente” e afirmou que tem trabalhado para firmar parcerias com outras instituições como Ibama e o Incra.
A TI é de extrema importância para a manutenção da integridade das demais terras na margem direita do XinguApyterewaArawete/Igarapé Ipixuna e Trincheira/Bacajá. A pressão sobre o território dos isolados coloca as demais áreas em risco. A implantação de um plano de proteção à TIs é uma condicionante de Belo Monte, mas nunca foi efetivamente cumprida.

Pressão de Novo Progresso

A Floresta Nacional (Flona) de Altamira apresentou uma abertura de 800 hectares em junho, um aumento de 1000% em relação ao mês anterior, em que foram desmatados 80 ha. A UC está situada numa localização estratégica na porção paraense da Bacia do Xingu, protegendo os seus grandes rios, Iriri e Xingu, dos vetores de pressão provenientes da região de Novo Progresso.
Na Floresta Estadual do Iriri, vizinha à Flona, foram detectados 57 quilômetros de estradas destinadas à extração e escoamento ilegal de madeira abertos nos últimos dois meses. Além disso, foram registrados mais de 100 hectares de floresta desmatados sem nenhuma autorização do órgão gestor, o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-Bio).
O desmatamento na Flona Altamira e o aumento dos garimpos na região, mostram que Novo Progresso está aumentando a pressão sobre as áreas protegidas do seu entorno. O município, na região de influência da BR-163 tem um histórico de conflitos socioambientais que vêm ameaçando a integridade do território e seus povos. [Saiba mais].
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/581156-em-seis-meses-100-milhoes-de-arvores-foram-derrubadas-no-xingu)

ONGs acusam indústria de alimentos de buscar ‘intervenção da Justiça’


Idec, ACT e Abeso dizem que corporações querem impor modelo de rotulagem, em desrespeito a análise técnica da Anvisa favorável a alertas.
A informação é de João Peres, publicada por O Joio e o Trigo, 26-07-2018.

Depois de receber reprimendas da Anvisa, a indústria de alimentos teve a atuação criticada por organizações da sociedade civil. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a ACT Promoção da Saúde e a Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) acusam a entidade que congrega as corporações do setor de se basear em “ilusão” de que está sendo preterida das discussões sobre a adoção de alertas nos rótulos.
As três entidades ingressaram com pedido para que sejam aceitas como amicus curiae na ação movida pela Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia) na Justiça Federal em Brasília. Trata-se de um dispositivo legal que permite que representantes da sociedade subsidiem o Judiciário com informações relevantes.
As entidades consideram que a busca do setor privado em manter os índices de lucro fez ignorar “por completo tanto o interesse público como o bem-estar dos consumidores”.
No processo em questão, a Abia obteve liminar para prorrogar em 15 dias a tomada pública de subsídios na Anvisa a respeito das advertências. O relatório preliminar manifestou-se a favor da adoção de alertas sobre o excesso de sal, açúcar e gorduras saturadas. A medida contraria as grandes empresas, temerosas de que as vendas de produtos ultraprocessados sejam afetadas.
“A impetrante do Mandado de Segurança busca induzir o Poder Judiciário em erro, numa ilusão de que está sendo preterida das discussões e desconsiderada no processo, quando na verdade é a entidade que mais se reuniu até o momento com os Diretores e a área técnica da Agência Reguladora no âmbito desse processo administrativo, e tem participado ativamente de todas as fases do processo”, dizem as entidades.
O Idec, assim como a Abia, participou do grupo de trabalho na Anvisa que discutiu, entre 2014 e 2016, as evidências em torno dos diferentes modelos de rotulagem frontal. A medida faz parte do pacote de ações que vêm sendo testadas na tentativa de conter a epidemia de obesidade e doenças crônicas.
O instituto de defesa do consumidor apresentou um dos modelos que estão sendo levados em conta pela Anvisa. São triângulos de fundo preto com a inscrição “Alto em” para sal, açúcar e gorduras saturadas – a proposta inicial previa também alertas para o excesso de gorduras e para a presença de adoçantes e gorduras trans.
“Apesar de todo esse trabalho, para o qual todos as representações dos setores afetados contribuíram tecnicamente de forma plural e democrática, a Abia insiste em impor a sua proposta, o seu modelo, confundindo a figura de regulado com a de regulador”, continuam as organizações.
A Abia conseguiu fazer com que a Anvisa tivesse de reabrir a tomada pública, finalmente encerrada na última terça-feira (24). Embora esse ponto da ação já tenha sido vencido, o embate judicial foi forte e antecipou as dificuldades que surgirão nas próximas etapas. A expectativa é de que agora a agência reguladora redija uma proposta de resolução para que seja submetida a consulta pública, aperfeiçoada e finalmente aprovada pelos cinco diretores.
Antes das três organizações, a Anvisa já havia se manifestado de maneira clara contra a ação na 14ª Vara Federal. A agência também acusou a Abia de induzir o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho a erro, e afirmou que a argumentação da organização se baseou em colocações “infundadas”, “inverídicas”, “imprecisas” e “descontextualizadas”. Os diretores haviam deixado claro que o setor privado poderia apresentar novos estudos fora do prazo de tomada pública, e recordaram que se encontraram várias vezes com os representantes das corporações.
Idec, ACT e Abeso avaliam que a judicialização do caso expressou uma espécie de manobra de quem se viu em situação difícil. “Inconformada com as avaliações técnicas preliminares no processo regulatório, que considerou suas contribuições ineficientes e insuficientes, busca a Abia a intervenção externa do Judiciário não por identificar nulidades ou vícios do processo, mas sim porque simplesmente não aceita a argumentação técnica científica robusta que vem sendo desenvolvida até o momento pelo Regulador, de forma transparente e técnica.”
O relatório preliminar da agência revisa as evidências científicas acumuladas até aqui a respeito dos variados sistemas de rotulagem frontal existentes. Os alertas, adotados no Chile em 2016, demonstraram o melhor funcionamento no desestímulo ao consumo e na reformulação de produtos para reduzir os índices de sal, açúcar e gorduras.
“O processo conduzido pela Anvisa até o momento não merece tais críticas. Seja porque é público e notório pela simples leitura do Relatório Preliminar de Avaliação de Impacto Regulatório que todas as evidências até então apresentadas e coletadas pela Gerência Geral de Alimentos da Anvisa foram devidamente avaliadas e consideradas com o respaldo do relator do processo”, dizem as entidades, “ou também porque a Abia, como todas as demais entidades sociais, acadêmicas e governamentais tiveram amplo espaço para produzir e organizar suas pesquisas e evidências e apresentar à Agência.”
O caso está sob análise do desembargador Souza Prudente, da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/581238-ongs-acusam-industria-de-alimentos-de-buscar-intervencao-da-justica)

domingo, 22 de julho de 2018

Nossos jovens heróis mimados

Por Jaime Pinsky: Historiador, professor titular da Unicamp, coordenador do livro Brasil: o futuro que queremos, diretor editorial da Editora Contexto.
Não tenho prazer em reconhecer, mas me conformei com a ideia de que nós, brasileiros, somos maníaco-depressivos: passamos com facilidade da alegria máxima, da euforia até, para a tristeza, o desânimo total. Estabilidade, moderação e equilíbrio soam para nós como defeitos de caráter, não como virtudes oriundas de uma percepção madura de mundo. Esse bipolarismo nacional pode ser até medido em pesquisas sobre otimismo e pessimismo, satisfação e insatisfação com relação a diferentes assuntos.
Agora mesmo, nesse período pós Copa do Mundo da Rússia, enquanto alguns apenas revelam sintomas compreensíveis de Síndrome de abstinência (é duro trocar o encanto de uma Copa pelo Campeonato Brasileiro), outros se ocupam em ridicularizar e odiar um único jogador, Neymar. Agora ele é o inimigo número um, o fingidor, o enganador, o cai-cai, o falso, o blefe. Esse mesmo Neymar, que apenas um mês atrás era visto por muitos como o melhor do mundo, o salvador da Pátria, superior e mais criativo do que Cristiano Ronaldo e Messi juntos. Levianamente, o comparavam a Maradona e até a Pelé... Confesso que me causa certo asco ouvir comentaristas esportivos lembrarem só agora de seus defeitos, eles que ainda há pouco se davam conta apenas das virtudes do jogador. Pois esses oportunistas (e/ou bipolares) têm grande parte da responsabilidade pelo fracasso de Neymar na Copa. Mas não só eles. Também temos nossa parcela de culpa.
Somos muito condescendentes para com nossos iguais. Rígidos somos para com os diferentes. Separamos, facilmente, os bons dos maus (estes devem ser caçados, apodrecer na cadeia, trucidados... tem gente que é a favor de liberdade de porte de armas “para os bons”. Quem define? Sacerdotes? O Papa? Deus, em pessoa? Quem sabe essa será mais uma atribuição do nosso Supremo Tribunal Federal). Em compensação, passamos a mão na cabeça de nossos filhos, mesmo quando eles cometem deslizes sociais sérios (beber e dirigir? “É da idade”. Experimentar drogas? “Faz parte da educação sentimental”. Abusar de alguma menina indefesa? “Todo garoto tem que passar por isso, mas que seja com camisinha”. Atropelar alguém? “Coitado do rapaz, experiência horrível”.). Fracassos escolares são vistos como algo natural. Ficar até os 30 anos morando na casa dos pais e ter suas cuecas lavadas pela mamãe nos parece perfeitamente razoável.
O resultado é óbvio. Agora mesmo, nossos mimados jovens heróis foram fazer o exame do Pisa, uma avaliação mundial realizada para comparar o grau de conhecimento das disciplinas, assim como sua competência socioemocional. Notas? Desastrosas. Em Ciências, por exemplo, os brasileiros chegaram em 65º lugar, num total de 70 países. Mas o pior, enquanto apenas 6% dos finlandeses e 18% dos colombianos deixaram de responder todas as questões (ou seja, desistiram de fazê-lo, ou não souberam distribuir adequadamente o tempo), 61% dos brasileiros desistiram do exame antes de terminá-lo. “Estava difícil, mamãe”. “Cansei, papai”. “Não brinco mais, técnico Tite, tem gente querendo me pegar”. “Tudo bem, querido, seus dois cabeleireiros resolvem seu problema”.
Estudiosos da educação usam a palavra da moda, resiliência, para definir o que falta aos nossos jovens que nós mimamos e estragamos. O fato é que estamos correndo rapidamente para o abismo se não conseguimos sequer preparar adequadamente as novas gerações para o mundo competitivo que está aí, queiramos ou não, e que se tornará cada vez mais competitivo. Preparar os jovens para o mundo real não é educá-los sem amor. Pelo contrário. Amá-los implica em dotá-los de instrumentos adequados para viver a vida, para que não fujam do embate fingindo que foram agredidos e derrubados. Os juízes do mundo real possuem numerosas câmeras de vídeo que acabam mostrando a verdade, como no futebol de hoje. Ao não concluírem suas provas, seis em cada dez jovens brasileiros demonstraram não estarem preparados não apenas para vencer, mas para competir.
Nenhuma nação alcançou sucesso sem ter feito uma revolução educacional. Países de diferentes regimes políticos, em diferentes épocas da História, superaram seus limites aparentes a partir de um investimento maciço em educação. Coreia, Japão, Israel, por exemplo, países com território pequeno, sem grandes recursos naturais, tornaram-se polos tecnológicos de primeira grandeza.
Até quando nos jogaremos no chão esperando que os juízes roubem a nosso favor?

Pesca industrial, devastação e fome

Relatório da FAO-ONU revela: ecossistemas oceânicos estão sendo destruídos, mas 1/3 dos peixes capturados vão para o lixo — enquanto 10% da população mundial passa fome…
Por Ian Burke, na Vice

Parece que o termo ‘pesque e pague’ ganhou um novo significado na atual economia global de alimentos — e quem paga o preço são as regiões menos favorecidas do mundo. De acordo com um recente relatório da Organização de Alimentos e Agricultura (FAO) das Nações Unidas, chocantes 35% dos peixes pescados para comer nunca são realmente comidos. De fato, por volta de um terço dos oceanos do mundo estão atualmente sendo vítimas da pesca predatória, o que é especialmente prejudicial nas regiões de países em desenvolvimento espalhadas pelo mundo, nas quais os residentes dependem muito da pesca para viver.
“Há muita pressão sobre os recursos marinhos,” disse Manuel Barange, diretor do Departamento da Indústria da Pesca e Aquicultura da FAO, à Reuters. “Nós precisamos de mais comprometimento de governos para melhorar a situação de suas indústrias da pesca.” Barange acredita que mantida a atual trajetória da pesca, o continente africano inteiro será forçado a importar seus peixes no futuro, devido à falta de suporte financeiro, ração e suplementos .
As principais causas do desperdício de peixe são erros humanos e má refrigeração, que resultam em peixes podres impróprios para consumo humano. Além disso, alguns peixes são muito pequenos para serem vendidos no mercado, e outros são menos desejados ou de espécies menos rentáveis. Infelizmente, esses peixes também são jogados fora.
O relatório também informa que o consumo atual de peixes atingiu seu ponto mais alto — o que é exatamente tão terrível quanto soa. Resumidamente, mais pessoas estão comendo peixe agora do que nunca, mas ao mesmo tempo, mais de um terço dos peixes mortos para comer estão sendo desperdiçados. A aquicultura, ou indústria da pesca, é a culpada por trás desse recente pico de consumo global de peixe. No entanto, em muitos países que dependem da aquicultura para alimentar sua população, não existe muita regulamentação ou legislação ao redor da prática.
Algumas companhias e organizações de defesa como a The Better Fish e a Love the Wild estão começando a investir em aquicultura sustentável para diminuir o desperdício e o impacto ambiental da indústria da pesca. Mas é importante lembrar que o desperdício de comida não se limita aos peixes. De acordo com a ReFED, o desperdício anual de alimentos abrange por volta de um terço da produção global. (Na América, o desperdício de alimentos soma por volta de $218 bilhões por ano). E em um planeta onde mais de 10% da população passa fome, desperdício de um terço de qualquer comida disponível não é só ruim — é inaceitável.
(fonte: https://outraspalavras.net/outrasmidias/capa-outras-midias/pesca-industrial-devastacao-e-fome/)

Pressão pró-desmatamento e barganhas políticas comprometem metas brasileiras de emissão de gás carbônico


Apesar de a política brasileira de combate ao desmatamento ter sido aprimorada nos últimos anos, um estudo recente realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG e da Universidade de Brasília - UnB demonstra que as barganhas concedidas pelo Estado brasileiro até 2016 podem reverter os índices de desmatamento no país e comprometer a meta brasileira de redução das emissões de gás carbônico assumidas no Acordo de Paris. Segundo um dos coautores da pesquisa, Raoni Rajão, da UFMG, embora o governo tenha fortalecido as políticas de controle ao desmatamento, de outro lado “houve uma pressão e uma sinalização pró-desmatamento maior, que acabou anulando ou se sobrepondo à pressão antidesmatamento. O que tentamos mostrar neste estudo é justamente essa situação paradoxal, na qual a capacidade de controle do desmatamento se manteve, mas, ao mesmo tempo, a pressão pró-desmatamento aumentou”, explica.

Entre as sinalizações que favoreceram o desmatamentoRajão destaca a aprovação do Código Florestal em 2012 e a não criação de novas Unidades de Conservação. “Um marco importante foi a aprovação do Código Florestal em 2012. Inclusive a reforma do Código Florestal surgiu a partir do momento em que o Código antigo começou a ser implementado e começou a ‘doer no bolso’ do produtor e daqueles que desmatam, e esse setor se organizou para, dado que a regra estava ficando difícil, mudá-la”, frisa na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line. Na avaliação dele, o novo Código Florestal foi “uma grande colher de chá para o setor produtivo, porque se perdoou tudo o que aconteceu no passado. Tanto é assim que 60% do desmatamento ilegal feito até 2008 foi perdoado pelo Código de 2012. Agora, o problema é que isso acabou sendo lido pelo setor produtivo que está ligado ao desmatamento como uma mensagem de que se ele conseguiu vencer o governo e anular o desmatamento feito no passado, futuramente poderia haver um novo perdão”. E adverte: “É preocupante passar essa mensagem de que com pressão e articulação no governo se consegue reverter leis ambientais, que é algo inclusive inconstitucional, porque não se pode diminuir a proteção em áreas ambientais”.

Raoni Rajão é professor de Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia no departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e membro do Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da mesma instituição. Também atua nos programas de Pós-Graduação em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais da UFMG e Social and Political Sciences of the Environment (Radboud University/Holanda). Ele é graduado em Ciência da Computação pela Universidade de Milão-Bicocca (Itália) e mestre e doutor em Organização, Trabalho e Tecnologia pela Universidade de Lancaster (Inglaterra). Desde o mestrado se dedica ao estudo da relação entre tecnologia, ciência e políticas públicas, com ênfase na avaliação de políticas de controle do desmatamento e de pagamento por serviços ambientais.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Na semana passada, noticiou-se na imprensa um estudo feito pelo senhor e pelo professor Britaldo, juntamente com pesquisadores da Coppe/UFRJ e da UnB, acerca das barganhas políticas feitas a partir de 2016 e o modo como elas afetaram o controle do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Em que consiste esse estudo e quais dados o fundamentam?

Raoni Rajão – Esse estudo surgiu da percepção de uma contradição. Seria errado dizer que houve uma reversão ou um enfraquecimento das políticas de desmatamento nos últimos anos. Na verdade, elas se mantiveram, com alguma flutuação de orçamento, mas nada que não tivesse acontecido nos anos anteriores. Isso porque o governo tem dificuldade de manter o fluxo de recursos, mas de maneira geral foram mantidos aprimoramentos pontuais e, inclusive, ajudamos o Ibama a realizá-los. Então, o ponto do nosso estudo foi o seguinte: por que o desmatamento aumentou se a política de desmatamento continuou e melhorou? Para responder a essa questão, analisamos as políticas de controle de desmatamento para entender que estamos num contexto mais amplo de governança ambiental, que são as ações de controle do desmatamento do Ministério do Meio Ambiente e também as ações dos outros ministérios, as ações do setor privado, as sinalizações políticas que são dadas pelo Congresso e pela presidência.

Então, o que ajudou a explicar a queda do desmatamento nos períodos anteriores foi a concomitância de uma estruturação da política de controle de desmatamento, que praticamente não existia antes de 2004. Depois se teve um contexto político favorável, com tolerância zero ao desmatamento, mas na sequência, mesmo com a manutenção da política do desmatamento, houve uma pressão e uma sinalização pró-desmatamento maior, que acabou anulando ou se sobrepondo à pressão antidesmatamento. O que tentamos mostrar neste estudo é justamente essa situação paradoxal, na qual a capacidade de controle do desmatamento se manteve mas, ao mesmo tempo, a pressão pró-desmatamento aumentou.

A partir dessa constatação, tentamos olhar para o futuro, pensando num cenário no qual existe uma sinalização política antidesmatamento, no qual se pode diminuir o desmatamento conforme as metas assumidas pelo país em 2009. Nesse sentido, não estamos propondo que o Brasilassuma uma nova meta, nem estamos sugerindo que se faça uma política de desmatamento zero.

O cenário intermediário que vemos como tendencial é o de manutenção das políticas de controle de desmatamento. Mas com a erosão e a diminuição da capacidade gradual que vem ocorrendo por causa do teto dos gastos, da aposentadoria dos funcionários do Ibama e da não reposição do quadro de funcionários através de novos concursos, prevemos um cenário pior, no qual o Ministério do Meio Ambiente seria extinto e se transformaria numa secretaria do Ministério da Agriculturae, portanto, estaria submetido a esse ministério, como já foi sinalizado por um dos candidatos à Presidência. Se essa situação se concretizar, a política de controle do desmatamento será desmontada e as consequências serão piores.

IHU On-Line - Quais foram as principais barganhas concedidas pelo Estado aos ruralistas e como elas contribuíram para o aumento do desmatamento na Amazônia e no Cerrado?

Raoni Rajão – É difícil, quando se faz uma análise política, relacionar uma ação específica do governo e como isso gerou um aumento do desmatamento. Entretanto, é possível perceber que foram feitas sinalizações importantes e, nesse sentido, um marco foi a aprovação do Código Florestal em 2012. Inclusive a reforma do Código Florestal surgiu a partir do momento em que o Código antigo começou a ser implementado e começou a “doer no bolso” do produtor e daqueles que desmatam, então esse setor se organizou para, dado que a regra estava ficando difícil, mudá-la.

É claro que, no que diz respeito ao Código Florestal, existe uma discussão mais ampla, porque alguns argumentaram à época que era melhor ter uma regra mais fácil e 100% aplicada do que ter uma regra muito forte e que nunca seria aplicada. De certa forma isso ajudou a justificar, para alguns ambientalistas, a construção do novo Código Florestal, que foi uma grande colher de chá para o setor produtivo, porque se perdoou tudo o que aconteceu no passado. Tanto é assim que 60% do desmatamento ilegal feito até 2008 foi perdoado pelo Código de 2012. Agora, o problema é que isso acabou sendo lido pelo setor produtivo que está ligado ao desmatamento como uma mensagem de que se ele conseguiu vencer o governo e anular o desmatamento feito no passado, futuramente poderia haver um novo perdão. É preocupante passar essa mensagem de que com pressão e articulação no governo se consegue reverter leis ambientais, que é algo inclusive inconstitucional, porque não se pode diminuir a proteção em áreas ambientais. Apesar de muitos alertarem para o fato de que se trata de algo inconstitucional, o STF acabou dando um parecer favorável ao Código Florestal, inclusive em aspectos mais controversos como, por exemplo, a anistia por desmatamentos anteriores a 2008, para pequenas propriedades. Existiu ali uma sinalização que foi muito negativa.

Outra sinalização importante ocorreu assim que Dilma Rousseff assumiu o governo: ela diminuiu radicalmente o número de criação de Unidades de Conservação e demarcação de terras indígenas. Inclusive, no nosso artigo, fizemos um levantamento das áreas de Unidades de Conservação criadas ano a ano, que evidencia uma diminuição radical já no governo Lula, mas quando Dilma assume o governo, essa diminuição chega próximo a zero.

No final do governo, ela fez algumas benesses para compensar essa situação, mas ficou evidente a sinalização, pois até então uma estratégia muito clara do governo Lula, no período da Marina Silva, consistia em pegar as áreas devolutas, que são áreas do governo, e ali criar Unidades de Conservação ao invés de deixá-las sem atribuição, o que permite a grilagem das terras. Então tal política sinalizava que essas áreas seriam difíceis de ser griladas e roubadas do governo. Mas essa estratégia foi interrompida. Além disso, no governo Temer foi aprovada uma medida provisória, por pressão dos ruralistas, a qual expandiu benefícios para grileiros, os quais hoje conseguem legalizar, a um preço irrisório, áreas de até 2.500 hectares. São grandes latifúndios de terras públicas — ou seja, nosso patrimônio — que estão sendo desmatados por pessoas que depois conseguem a propriedade dessas terras e as vendem por preços exorbitantes.

Renca, por exemplo, que é uma reserva de minério de cobre no Pará, não tem uma função ambiental direta, mas acaba tendo uma função indireta, porque ela limita os tipos de uso daquela área. Por causa disso, dentro da Renca foram criadas Unidades de Conservação estaduais pelo Estado do Pará. Mas a partir do momento em que o governo federal quis desfazer essa área, o Estado do Pará também poderia querer desfazer as suas unidades estaduais de conservação e permitir a exploração dessas áreas. Nesse caso, a iniciativa de desfazer a Renca foi fruto do lobby da própria Vale. Depois houve uma pressão internacional enorme e o governo voltou atrás, e o mesmo aconteceu com Jamanxim. Apesar de o governo ter voltado atrás, o sinal para quem quer desmatar está claro: basta pressionar que o governo vai lá e assina o que alguns setores querem e isso gera uma expectativa pró-desmatamento.

Tanto é que no contexto do Jamanxim houve uma explosão de desmatamento nas Unidades de Conservação, porque já estava se esperando que no apagar das luzes do governo Temer se daria uma canetada e se conseguiria desfazer aquelas áreas, facilitando a tomada delas, que a partir de então estariam legalizadas. A diferença entre o legal e o ilegal é uma caneta. Como essa caneta está na mão de quem quer fazer barganha, isso acaba tendo um impacto muito grande na expectativa de quem quer desmatar.

IHU On-Line - Segundo o estudo, somente por desmatamento o Brasil emitiria 1,8 bilhão de toneladas líquidas de gás carbônio em 2030. O que esse percentual representa em comparação com a meta interna assumida pelo país na Conferência do Clima de Paris? Como é feita essa projeção?

Raoni Rajão – Isso mostra que só com o desmatamento o Brasil vai superar o que ele promete em termos de emissão nesse período, o que significa que o país, em 2030, não alcançará as próprias metas internasque foram prometidas no acordo de Paris.

É importante enfatizar que uma das nossas preocupações é que o governo escolha quais setores poderão emitir gás carbônico. Nesse caso, alguns setores poderiam desmatar, porque o governo quer usar a meta de emissão de gás carbônico para esses setores, mas se for assim, como fica o resto da economia brasileira? Essa sim precisa emitir para produzir, porque para produzir carne, soja, um carro, para produzir energia elétrica, é preciso emitir gás carbônico também, então, o governo estará prejudicando outros setores da economia que precisam emitir para produzir. Ou seja, o governo irá permitir a emissão de gás carbônico para um setor da economia que não gera PIB. O problema é um pouco esse e funciona como uma espécie de orçamento: se gastamos todo o orçamento do governo num setor, não teremos recursos para outros. A mesma coisa acontece em relação ao carbono: se gastarmos em barganha política gerando desmatamento, gerando grilagem de terra, não teremos possibilidade de oferecer barganhas para o setor produtivo, que também irá gerar as taxas de emissões. Esse é o “x da questão”.

IHU On-Line – O senhor defende que o desmatamento deveria ser controlado para permitir que outros setores da economia, que geram um PIB maior, possam usar a cota de emissões de gás carbônico?

Raoni Rajão – Exato. A tendência é gerarmos uma economia de baixo carbono, de maneira mais efetiva, mas pelo menos nos próximos 50 anos, até que se faça a transição para a economia de baixo carbono, teremos que emitir para poder crescer. Então, temos que poder emitir num lugar que gere crescimento. É importante ter noção disso, porque quando alguém desmata, há uma perda para todo mundo, inclusive para a agropecuária moderna. Não se trata de uma briga do ambientalista preocupado em salvar as árvores contra a agropecuária. O governo poderia permitir o desmatamento legal em áreas de expansão de algumas culturas que têm alto valor agregado e não em áreas de fronteira onde é economicamente inviável produzir alimentos. Os que estão desmatando essas áreas fazem isso para grilar as terras e depois tomá-las do Estado, para depois vendê-las sem produzir alimento e PIB.

IHU On-Line - Considerando essas barganhas já concedidas pelo governo, que tipo de política o Brasil deveria implementar para alcançar suas metas de redução das emissões de gás carbônico?

Raoni Rajão – Um dos pontos centrais está ligado às terras devolutas; são 80 milhões de hectares de terras públicas não designadas na Amazônia. O problema é que enquanto essas terras não estiverem designadas, elas estarão abertas para serem usadas por grileiros que as desmatam e depois são usadas pela especulação imobiliária. É absolutamente urgente pensar formas para que essas áreas tenham um destino específico, porque à medida que elas entram no mapa, quem grila terra vai ficar atento e não irá naquelas áreas.

Além disso, é absolutamente essencial que seja sinalizado que acabou a farra de se desfazerem as Unidades de Conservação. Isso porque a partir do momento que se cria a expectativa de que com pressão política a Unidade de Conservação é desfeita, aí vira moda e todos vão querer fazer a mesma coisa, vão querer pressionar também no âmbito estadual, porque os estados também têm um papel importante na criação de Unidades de Conservação.

Também é importante que se continue com o aprimoramento das plataformas políticas de controle do desmatamento. O Ibama tem feito um bom trabalho, mas, infelizmente, toda vez que relatamos situações de desmatamento, a tendência é falar que isso acontece porque não há fiscalização — essa é a narrativa típica. Porém, ela é incorreta porque a situação é mais complexa do que isso. De todo modo, é preciso continuar aprimorando a fiscalização, é preciso fazer investimentos, promover concursos, por exemplo, porque faz anos que não há concurso do Ibama, e hoje a quantidade de fiscais é 50% menor do que há alguns anos, logo, isso impacta a capacidade de ação do órgão.

Também é importante pensar em incentivos para a legislação. Se acabássemos com o desmatamento ilegal na Amazônia, seria possível reduzir muito o desmatamento, mas esse não é o caso do Cerrado. Nesse sentido é necessário pensar em como implementar aspectos, os quais já estão inclusive em lei, em que, por exemplo, é feito o pedido de estudo de viabilidade ou de se demonstrar a necessidade de desmatar uma nova área. Há possibilidade de ser criado um imposto de autorização de desmatamento legal que possa, depois, ser revertido para o uso sustentável de outras áreas.

Hoje, infelizmente, é muito mais barato para o produtor desmatar uma nova área, por exemplo, para poder expandir o pasto, do que recuperar uma área já degradada. Existe um incentivo econômico muito grande para que se continue desmatando sempre novas áreas em vez de manter e utilizar, de maneira sustentável, as áreas já abertas e utilizadas. É um pacote que precisa ser pensado em conjunto.

IHU On-Line — O estudo fez algum cálculo para medir em que percentual o desmatamento foi reduzido a partir da política de desmatamento, em contraposição a que percentual de áreas foram desmatadas por causa das barganhas concedidas pelo governo?

Raoni Rajão – É difícil atribuir valores percentuais de maneira direta. O que houve foi uma série de estudos que tentam compreender o papel dessas diferentes políticas para explicar como o desmatamento saiu de 20 mil quilômetros quadrados em 2005 para 4 mil quilômetros quadrados em 2012. Esses estudos mostraram um aumento substancial dos atos de infração emitidos pelo Ibama nos municípios. O meu estudo, particularmente, mostra a revolução tecnológica que aconteceu dentro dos órgãos ambientais, porque antes os técnicos iam para campo sem saber onde procurar o desmatamento, mas hoje eles fazem monitoramentos por satélite. A própria criação de Unidades de Conservação foi muito importante e, além disso, houve mudanças legislativas importantes, como, por exemplo, a criação da lista negra dos municípios desmatadores. Aqueles municípios que estão nessa lista têm dificuldades de conseguir créditos com bancos e isso gerou uma reação importante para o setor produtivo na região Amazônica. Ou seja, esses são dados de uma série de estudos que apontam como o desmatamento chegou a esses valores, mas não existe um estudo integrado.

Como o elemento político estava presente no período de 2005 a 2012, fica difícil separar a influência dele desses outros elementos. Entretanto, o que mostramos é que se a partir de 2012 as políticas que levaram ao desmatamento foram mantidas, então o que mudou foi de fato a reversão de algumas políticas, como a redução das Unidades de Conservação. Então, apesar de não atribuirmos um percentual a cada uma dessas políticas, fica claro que tem que ter havido uma influência importante da dimensão política para poder explicar essa reversão, porque, do contrário, ela não se explica e estaríamos com os mesmos índices de desmatamento que foram registrados em 2012.

IHU On-Line — Dado o índice de desmatamento no país, o Brasil não conseguirá cumprir suas metas internas propostas para o acordo de Paris?

Raoni Rajão – Se a tendência se confirmar, não. Tanto é que consideramos que o cenário intermediário é o cenário tendencial. Ou seja, se as questões do desmatamento e do orçamento de carbono não entrarem para a agenda política de 2018, chegaremos a 2030 longe da meta do acordo de Paris. A situação é preocupante porque, com exceção de uma candidata, ninguém toca nesse assunto. Pelo contrário, candidatos à esquerda e à direita estão querendo se aproximar do agronegócio porque ele é uma grande potência, gera PIB, mas não fazem uma aproximação qualificada no sentido de afirmarem que querem apoiar o agronegócio que busca crescer, que quer gerar uma agricultura de baixo carbono, e não aquele agronegócio que quer roubar terra. Mas, infelizmente, essa mensagem fica muito misturada na discussão política e a tendência é a de ter uma eleição que não trate do assunto.

IHU On-Line — Que questões são urgentes e precisam constar no debate eleitoral acerca da questão ambiental?

Raoni Rajão — É importante começar a discutir a agenda do orçamento de carbono, porque o carbono é um recurso finito: nós emitimos dia a dia, toda vez que ligamos o carro estamos emitindo gás carbônico, porém é importante fazer essa emissão de maneira inteligente. É a mesma coisa com o orçamento da União, que precisa ser pensado de maneira mais efetiva. Não é simplesmente cortar gastos, aumentar impostos ou aumentar investimentos, mas fazer gastos de maneira mais efetiva. Infelizmente, isso está fora do debate e é curioso que esteja fora do debate em um contexto em que, por exemplo, mesmo dando sinalizações pró-desmatamento, tanto Kátia Abreu, que foi ministra de Dilma, quanto Blairo Maggi, que é ministro de Temer, já falaram publicamente que a agricultura não precisa desmatar para crescer. Este foi o cenário: de 2005 para 2012 houve um aumento espetacular das exportações brasileiras de soja e de carne, e a produção agrícola do Brasil aumentou substancialmente, isso em um cenário em que o desmatamento caiu.

De fato, há pessoas ligadas ao agronegócio falando que não precisa desmatar para poder crescer, então, por que isso não vira uma linha comum de propostas? O que aconteceu nesses últimos tempos é que o setor do agronegócio que quer desmatar não está sendo repreendido pelo agronegócio que está querendo produzir. Parte dos candidatos não quer atacar essa questão do desmatamento e da diminuição das emissões de gás carbônico, a meu ver, porque não querem ofender parte importante do eleitorado deles. Entretanto é essencial conseguir separar estes dois públicos: a agricultura que está querendo produzir e aquela que está querendo só desmatar.

IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?

Raoni Rajão — Um ponto a ser colocado é que esse estudo é resultado de um trabalho de duas equipes de ponta de duas universidades brasileiras e que utilizou modelos desenvolvidos no Brasil. Normalmente, quando se trata de grandes estudos sobre mudanças climáticas, há uma tendência muito grande de copiar e colar modelos desenvolvidos fora do país, o que faz com que não tenhamos uma capacidade de entender as nossas particularidades nacionais. Nesse sentido, esse estudo foi representativo e também, de certa forma, foi importante para o desenvolvimento científico do país. É relevante enfatizar isso e a importância de continuar a se fazer investimentos nessa área, pois esse estudo que fizemos só foi possível porque, anteriormente, essa mesma equipe fez parte de um grande projeto do Ministério da Ciência e Tecnologia, onde fizemos as projeções de emissões do Brasil até 2050.

É importante haver investimento para a Ciência e Tecnologia, porque se não existir investimento em Ciência e Tecnologia nas universidades, não teremos inteligência governamental no país. Infelizmente estamos num cenário onde isso não é visto, onde acredita-se que as universidades públicas são espaços privilegiados ou que são politizados, mas esses são espaços em que se gera inteligência e se faz pesquisa.

*Publicado originalmente na IHU On-Line
(fonte:  https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Mae-Terra/Pressao-pro-desmatamento-e-barganhas-politicas-comprometem-metas-brasileiras-de-emissao-de-gas-carbonico/3/40983)

Temporada de baleias no Brasil começa com muitos encalhes


Tanto Pesquisadores como frequentadores do litoral têm observado, nos últimos anos, uma tendência de crescimento do número de encalhes de baleias-jubarte no Brasil, durante seu período de reprodução, que abrange o inverno e a primavera. Apenas neste ano, já foram 21 ocorrências, das quais 9 na Bahia, e a estimativa dos pesquisadores do Projeto Baleia Jubarte, que conta com o patrocínio da Petrobras, é que esse número possa chegar a aproximadamente 100 animais até novembro. Isso é função, principalmente, de uma boa notícia: a população da espécie que vem se reproduzir em nossas águas está quase recuperada da matança, realizada pelos baleeiros até a segunda metade do século XX, e que quase a levou à extinção.
A reportagem foi publicada por Ecodebate, 18-07-2018.

De uma população que na virada do século era de apenas cerca de 3.000 baleias, os pesquisadores do Projeto estimam que hoje ela já seja cerca de 20.000 animais, o que é motivo para celebrar. E mais baleias vivas quer dizer, necessariamente, mais baleias mortas de causas naturais, o que não afeta por si só a viabilidade da população “brasileira”. Por outro lado, vários desses encalhes e mortes de jubartes estão acontecendo devido a impactos humanos, e isso pode comprometer a viabilidade desta população se eles não forem identificados e mitigados.
Dentre os principais problemas estão o emalhamento em redes de pesca e a colisão com embarcações. Mas como saber o verdadeiro impacto dessas causas? Essa é a importância de se estudar os encalhes, e para isso o Projeto Baleia Jubarte mantém uma equipe especializada no assunto que sempre que possível vai ao local dos eventos, realiza necropsias das baleias e procura determinar a causa das mortes. Segundo o pesquisador Hernani Ramos integrante da equipe de resgate de mamíferos marinhos, “um número importante de animais encontrados mortos nas praias apresenta marcas de emalhamento em redes de pesca. Há também o risco de traumas com grandes embarcações, principalmente onde as rotas de navios que demandam portos cruzam as áreas de concentração das jubartes, e mesmo o ruído de determinadas atividades, como prospecção sísmica, podem trazer problemas”.
Outras atividades humanas de maior abrangência também podem impactar as jubartes. Por exemplo, é possível que haja uma correlação entre o maior número de encalhes detectado este ano – e em alguns anos anteriores – com uma menor produção de krill (o principal alimento das jubartes do Hemisfério Sul) na região antártica. O quanto essa diminuição de produtividade pode estar sendo causada pelas mudanças climáticas induzidas pela humanidade é ainda motivo de estudos, mas certamente causa preocupação, porque pode comprometer a recuperação futura das populações de baleias.
Ainda segundo Ramos, são raros os casos em que as baleias encalham vivas nas praias. Quando acontecem encalhes de animais vivos, o grande desafio é mover criaturas tão pesadas sem feri-las ainda mais. E ele faz um alerta: “É importante frisar que tentar o desencalhe de uma baleia viva é uma ação que envolve muitos riscos, tanto de ferimentos provocados involuntariamente pelo animal como a aquisição de doenças ao entrar em contato com o mesmo e com o spray de sua respiração. Por isso, essas tentativas devem sempre ser realizadas sob orientação especializada”.
Em suma, apesar de números elevados e da tristeza causada por ver animais majestosos mortos no nosso litoral, os encalhes de jubartes nessa temporada ainda não constituem
uma ameaça para a recuperação da espécie em nossas águas. Mas é preciso estarmos vigilantes e seguirmos monitorando esses eventos, para assegurar que as atividades humanas não sejam responsáveis por mais mortes e que possamos garantir a existência das baleias no mar brasileiro em uma convivência harmônica com as pessoas.
Como ajudar ao constatar um encalhe: O Programa de Resgate do Projeto Baleia Jubarte atua no litoral da Bahia e do Espírito Santo e conta com telefones de emergência, que recebem, inclusive, ligações a cobrar. Caravelas: (73) 3297-1340* e (73) 98802-1874** Praia do Forte: (71) 3676-1463* e (71) 981542131** * Horário comercial (segunda a sexta) ** 24 horas/WhatsApp

Sobre o Projeto Baleia Jubarte

Atuando há 30 anos na pesquisa e conservação das baleias-jubarte e do ambiente marinho no Brasil, o Projeto Baleia Jubarte, patrocinado pela Petrobras através do Programa Petrobras Socioambiental, integra a Rede Biomar juntamente com outros projetos patrocinados pela empresa (Projeto Albatroz, Coral Vivo, Golfinho Rotador e Tamar), que atuam de forma integrada na conservação da biodiversidade marinha do Brasil. O Projeto Baleia Jubarte é administrado pelo Instituto Baleia Jubarte a partir de suas sedes na Praia do Forte e em Caravelas, Bahia. Mais informações sobre as atividades podem ser obtidas em www.facebook.com/projetobaleiajubarte e em www.baleiajubarte.org.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/580969-temporada-de-baleias-no-brasil-comeca-com-muitos-encalhes-causas-vao-da-falta-de-alimento-na-antartida-a-emalhamento-em-redes)

Defensor público fala sobre o desafio do combate ao uso de agrotóxicos em São Paulo e em todo o Brasil

O advogado Marcelo Carneiro Novaes, defensor público do Estado de São Paulo, que integra a coordenação do Fórum Paulista de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, que começou a se reunir em novembro 2016, é o entrevistado desta semana do Blog Cidadãos do Mundo.
A entrevista é de Sucena Shkrada Resk, publicada por Blog Cidadãos do Mundo, 19-07-2018.
Neste bate-papo, ele trata da questão da pulverização aérea, que é um tema emergente no estado, como aspectos polêmicos da desoneração fiscal no setor de agrotóxicos (pesticidas). Ao mesmo tempo, analisa agendas de âmbito nacional, como o Projeto de Lei (PL) 6.299/2002 (PL dos Agrotóxicos), de autoria do então senador Blairo Maggi, que facilita o processo de aprovação e utilização dos produtos no país, cujo parecer do relator Luiz Nishimori foi aprovado recentemente em Comissão especial da Câmara dos Deputados. A proposta antagoniza com a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA)PL 6670/2016, que está em processo de tramitação em outra Comissão Especial na Casa, da qual Novaes participou de audiência pública.

Eis a entrevista. 

Quais são as prioridades hoje de pauta do Fórum Paulista de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos?
O fórum está em fase de estruturação e entre as principais prioridades, está a de agregar instituições e autoridades do setor preocupadas com o assunto. Desde a sua criação, foram formadas comissões temáticas, como na área de saúde. Atualmente também temos acompanhado o PL dos Agrotóxicos versus da PNaRA, que é uma política que promove uma reflexão sobre o uso dos agrotóxicos no país, com a proposta de medidas para mitigar impactos negativos, mantendo a transparência e governança para promover a agroecologia.
No campo estadual, discutimos projetos de lei relacionados à pulverização e neonicotinoides, que são inseticidas com restrições na Europa, e extremamente nocivos aos agentes polinizadores. Temos dados coletados de 2015, pela Defensoria Pública, sobre a pulverização, cuja área total pulverizada (desconsiderando eventual sobreposição de áreas) totaliza 11,82% do território do estado. Mais de 80% direcionados à cultura de cana-de-açúcar e há o indicativo de que 60% eram inseticidas. Nossas bases de dados foram levantamentos de documentos junto ao Ministério da Agricultura. Entre as localidades, estão principalmente regiões de geração de commodities. Desafios são encontrados no Vale do Ribeira, na Serra da Mantiqueira, em municípios como Ribeirão Preto, e de entrada de grãos (Ourinhos, Itapetininga), entre outros. Mais uma pauta nestas áreas são os transgênicos.
O Fórum pesquisa a relação de doenças crônicas e de casos de câncer com a utilização de agrotóxicos e possível agravamento com o aumento da produção de grãos no estado. O Observatório de Saúde Ambiental constatou uma correlação significativa, por meio de dados epidemiológicos. Estas informações podem ser encontradas na página da Ouvidoria, na seção de audiência pública. Outra fonte importante recente é o livro Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com União Europeia, publicado pela pesquisadora Larissa Bombardi.
O que o senhor tem a dizer sobre a desoneração de produtos agrotóxicos e o que de fato pode ser feito juridicamente quanto a esta questão?
O mercado de agrotóxicos obteve no país US$ 10 bilhões em 2015, e contribuiu com pouco mais de R$ 500 milhões de arrecadação. Menos de um e meio por cento de arrecadação é algo diminuto. No Tribunal de Contas da União (TCU), em acórdão de abril, se verificou que a desoneração de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS) e imposto de importação (tributos federais), fez com que cerca de R$ 1 bilhão deixasse de entrar nos cofres da União. No estado de SP, a desoneração também chega a R$ 1 bilhão quanto ao ICMS. Neste caso, alcança tanto os agrotóxicos extremamente perigosos como o de menor potencial, de uso terrestre e aéreo, que podem provocar enorme prejuízo. O problema é não haver a seletividade. Alguns países utilizam o imposto verde. Podemos reger isso de forma mais inteligente. Atualmente existem algumas tentativas de impugnar parte da desoneração do ICMS e dos tributos federais, com apoio da Procuradoria Geral da União (PGR).
Além dessa desoneração, existe perda de receita significativa, porque o produtor rural abate o gasto com agrotóxicos nos tributos sobre a renda, considerados insumos agrícolas. O desenho do sistema tributário incentiva a produção de commodities para exportação. Se alterar o modelo, muda o consumo dos agrotóxicos. O Brasil exportou US$ 86 bi em 2016 e arrecadou em imposto de exportação R$ 44 mil. Ao mesmo tempo, importamos US$ 12 bilhões de produtos agrícolas – arroz, feijão, trigo e frutos, entre outros. Como também importamos os insumos na ordem de US$ 7 bilhões em agrotóxicos por ano.
Mais um aspecto que ilustro é sobre a necessidade de se rever a Lei Kandir, pela qual há R$ 25 bilhões de desoneração fiscal anual decorrente de exportações no estado de SP de diferentes eixos econômicos (São Paulo). No setor da agricultura, este modelo não consegue sobreviver sem o uso de agrotóxico.
Como o Fórum pretende envolver mais a sociedade civil neste debate? E como é possível ter mais participação e acesso aos informes do Fórum?
Envolver por meio da fomentação do debate, e coletando informações. Reunindo estas instituições que estavam espalhadas pelo Estado. Estamos em processo de formatação. Tirar o manto de invisibilidade do custo humano e ambiental que envolve o modelo de utilização do agrotóxico e tentar criar soluções para mitigar. Agora houve uma ampliação da discussão do PL. Podem participar tanto instituições jurídicas, como pessoas físicas pesquisadores. Para obter mais informações o meio de contato é o email forumpaulistaciat@gmail.com . Integramos o Fórum Nacional, que está sob a coordenação do Ministério Público do Trabalho.
Comparativamente a outros estados brasileiros, como São Paulo se encontra quanto ao uso de agrotóxicos? Quais os desafios num universo de praticamente 700 municípios?
O estado é o segundo mercado consumidor, só perde atualmente para o Mato Grosso. Representa 20% do consumo do agrotóxico do país, que consome 4% de todo no mundo. Aqui a tendência é aumentar a produção de soja transgênica e entrada de diferentes grãos no estado. O desafio é buscar um meio de produção menos lesivo ao meio ambiente, como a agricultura orgânica, além de enfrentar a questão da pulverização aérea e buscar os banimentos dos já banidos.
Quais são os pontos nevrálgicos desta agenda no país, segundo sua avaliação?
Hoje existe uma discussão política sobre qual país queremos. A opinião pública tem de ser alertada sobre um modelo que produz riqueza que não está sendo distribuída para a população e que produz externalidades negativas. O agronegócio é vendido como salvação, mas só nos mostram a sala de visita.
Outro ponto é que as próprias entidades representativas das empresas de pesticidas, em audiência pública, também afirmaram que 30% dos agrotóxicos consumidos no país entram de contrabando, porque não são permitidos no país, sendo que muitos nem são para uso agrícola. É importante definir a responsabilidade sobre esta questão. O proprietário rural não pode usar estes produtos.
Um segundo eixo é que muitas pessoas excedem na quantidade de uso dos agrotóxicos. Existe um trabalho do Ministério Público, na região de Paranapanema, por exemplo, que cruzou dados com os das estações metereológicas, e chegou à conclusão de que mais de 80% das pulverizações aéreas foram feitas desrespeitando as bulas dos fabricantes dos agrotóxicos. O proprietário e a empresa que financiou a aquisição do produto são responsáveis.
Mais um ponto é que um terço do agrotóxico consumido no país é aplicado por via aérea. Imagine se os números de Presidente Prudente se repetirem no país, significa mais de 80% acima das normas apontadas pelo fabricante.
E um complicador a mais nesta agenda é a utilização dos banidos nos outros países serem utilizados aqui. O problema é que foram banidos por conta de efeitos nocivos à saúde e ao meio ambiente. Não há justificativa plausível, racional a não ser o desejo de se esgotar os estoques daquela substância.
Como pano de fundo, se trata do poder de um complexo econômico – agroindústria, mineração, hídrico e financeiro – voltado para exportação. Só o setor de agronegócio representa um terço do Produto Interno Bruto (PIB). É preciso uma atuação permanente dos órgãos de fiscalização. A governança é a função de executar a política. Do debate surge a luz.
Quanto ao PL dos Agrotóxicos, eu me detive na questão da possibilidade de se obter o registro do agrotóxico no período de dois anos. O problema é possibilitar a utilização de moléculas não testadas em outros países e não se ter capacidade científica apta para fazer estes testes. A História mostra que o inventor do DDT recebeu o prêmio Nobel na década de 40 e depois se descobriu seus malefícios. Há que se ter cautela quanto à utilização de novos produtos, pois existe o prejuízo à proteção da saúde pública e ambiental. É importante que o governo se mobilize e fique menos permeável ao poder econômico.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/581012-defensor-publico-fala-sobre-o-desafio-do-combate-ao-uso-de-agrotoxicos-em-sao-paulo-e-em-todo-o-brasil)