quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A raiz do problema da corrupção política

Artigo do blog do Nassif, agora GGN. A saída proposta, no ultimo parágrafo da matéria, é interessante, resta saber se ela entrará algum dia na proposta de reforma política!!!


A raiz do problema da corrupção política

Hoje em dia, quando chegamos a qualquer país, nosso primeiro contato com a política local se dá por meio do último escândalo de corrupção. Uns poucos atravessam fronteiras, como o que envolveu Sarkozy e a dona da L'Oreal, mas a maioria absoluta fica restrita ao noticiário político nacional, pois envolve figuras completamente desconhecidas fora do país. Entre verdades e mentiras, exageros e omissões, a resultante é clara: a política se banditizou no mundo todo. Não se faz política, hoje, sem envolvimento em esquemas criminosos. Não se trata mais da corrupção antiga, cuja única razão de ser era o enriquecimento ilícito dos envolvidos. O fato novo é que a corrupção, hoje, tem como razão de ser a própria sobrevivência política dos partidos. No mundo todo, com pequenas variações locais, encontramos exatamente a mesma situação que temos no Brasil: eleições envolvem espetáculos midiáticos, que custam centenas de milhões de dólares, que  por sua vez precisam ser recolhidos junto à iniciativa privada. Esta última "colabora", desde que tenha retorno garantido depois. E o retorno, neste caso, atende sempre pelos mesmos nomes: contratos superfaturados, concorrências fajutas, informações privilegiadas, e por aí vai.
Como a política se banditizou, a discussão política se judicializou. Uma parte fundamental das ações e das discussões políticas tem como eixo, não planos de governo e concepções de sociedade. Este tipo de discussão foi transferido para dentro dos partidos, e praticamente não vem à tona. Resolve-se em lutas internas, das quais só ouvimos no noticiário alguns ecos distantes. Ações e discussões políticas têm como foco os crimes supostamente cometidos pelos adversários e as tentativas de levar esses adversários para a cadeia. Estamos ficando cada vez mais fluentes em detalhes abstrusos da legislação processual. Nesse processo, a grande imprensa tem papel fundamental. As denúncias só se amplificam caso encontrem ressonância nas manchetes. A imprensa deixa de ser, assim, uma observadora crítica e passa a ser parte integrante da luta política cotidiana. Cooptar grandes grupos de mídia torna-se uma etapa fundamental na vida dos partidos, e cooptar partidos torna-se uma parte fundamental do gerenciamento das grandes empresas de comunicação.
Do ponto de vista de quem acredita na democracia representativa, isso distorce completamente os mecanismos de formação da opinião pública. Curiosamente, porém, essa distorção é vista como positiva pelos setores mais conservadores da sociedade. A grande preocupação desses setores sempre foi e sempre será a tensão que existe entre a desigualdade econômica que move o capitalismo, de um lado, e as potencialidades transformadoras do regime democrático. Do ponto de vista conservador, a democracia tem que ser domada, mantida dentro de limites estreitos, afastada de questões perigosas, como distribuição de renda e controle do capital. A banditização da política aparece para essas forças conservadoras como um mal menor, quando não um bem. Por dois motivos. Primeiramente, o debate fica esvaziado de conteúdo, reduzindo-se a um Fla-Flu no qual cada parte tenta mostrar que a parte contrária é "mais corrupta", e que seus principais líderes merecem ir para a cadeia. As questões perigosas são mantidas, assim, a uma distância segura. Além disso, os políticos todos — e muito especialmente os de esquerda — já chegam ao poder com culpa no cartório, com as mãos sujas, vulneráveis a campanhas midiáticas movidas pelo mecanismo da denúncia seletiva.
O partidarismo da grande mídia, que antes se manifestava na mera veiculação e defesa de pontos de vista conservadores, agora pode se manifestar de maneira aparentemente neutra e enganosamente virtuosa: ganho os contornos da defesa da moralidade na luta contra o crime. O modelo do jornalista contemporâneo passou a ser um José Luiz Datena. Os jornais, revistas e emissoras de televisão encheram-se de repente de Catões grandiloquentes movendo uma cruzada contra os agentes do Mal.
É a partir dessa equação perversa que podemos entender o debate político contemporâneo, sobrecarregado de um moralismo hipócrita e seletivo (de parte a parte). É esse o nó que a esquerda tem que desatar. Financiamento de campanhas eleitorais não é simplesmente um tema entre outros. É o tema central, que toca na raiz de todos os males. Enquanto for necessário levantar centenas de milhões de dólares junto ao empresariado, nenhum projeto político poderá se sustentar sem o recurso à corrupção. A política continuará essencialmente (e não episodicamente) banditizada, e a esquerda chegará ao poder com uma lâmina pendendo acima do próprio pescoço.
A saída é, a meu ver, muito simples: cortar o mal pela raiz, e exterminar a política baseada no espetáculo. Partidos políticos são estruturas burocráticas complexas, e precisam de dinheiro para se manter. O fundo partidário dá e sobra para isso. Campanhas políticas, por outro lado, não precisam custar um tostão furado. Políticos num estúdio, falando para toda a nação. Nada de Duda Mendonça, nada de tomadas externas, nada de artistas convidados, nada de animações, nada de efeitos especiais, nada de santinhos emporcalhando as ruas, nada de comícios, nada de caravanas pelo Brasil. A viagem, hoje, se faz por ondas eletromagnéticas, a custo zero. É por isso, a meu ver, que a esquerda deveria lutar. 

 

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