sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Prisão de Guido Mantega, um ponto fora da curva


Texto escrito por José de Souza Castro:

A prisão de Guido Mantega pela Polícia Federal, cumprindo ordens do juiz Sergio Moro, foi um ponto fora da curva. O juiz se viu obrigado a cancelar a prisão poucas horas depois. Motivo: a forte reação pelo fato de a PF ter ido ao Hospital Sírio-Libanês para buscar o ex-ministro da Fazenda dos governos Lula e Dilma, onde ele acompanhava a mulher para uma cirurgia que poderia livrá-la do câncer.

Foi um ato monstruoso, declarou o blogueiro Fernando Brito, logo repercutido em diversos blogs. Não havia urgência na prisão, pois a ordem de Moro fora assinada na manhã de 16 de agosto. Ou seja, 22 dias antes. Por que esperar, para que a prisão fosse feita exatamente dentro do Hospital Sírio-Libanês?

Se não é o produto de uma “fábrica de monstruosidade em curso, que repugnaria qualquer tribunal onde houvesse um mínimo de humanidade”, como escreveu Brito, foi um ato deliberado de sabotagem da Polícia Federal a Sérgio Moro.

Se sabotagem, o responsável será punido, mas dificilmente o distinto público ficará sabendo.



Eu me lembro de “Absolute Friends”, um bestseller escrito pelo britânico John Le Carré e publicado pela primeira vez em 2003, ano da invasão do Iraque por tropas dos Estados Unidos e Grã-Bretanha, com o apoio de pequenos contingentes da Austrália, Dinamarca e Polônia e oposição das Nações Unidas, em especial dos governos da França, Alemanha e Rússia.

Dois anos antes, em 11 de setembro de 2001, as Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova York, tinham sido derrubadas e o presidente George W. Bush declarou guerra ao terror em qualquer parte do mundo. Precisava, porém, convencer países e populações de que era uma guerra justa e não apenas a tentativa de ocupar países ricos em petróleo.

Não vou contar o final do livro, para não prejudicar leitores que ainda não leram uma das melhores obras de Le Carré e queiram ler. Mas posso dizer que essa operação de nossa Polícia Federal foi, no que respeita a estratégia americana de domínio do mundo – e em especial do Brasil – um ponto fora da curva.

A invasão do hospital para prender um ex-ministro da Fazenda sob a justificativa de apurar suspeitas de corrupção envergonharia os estrategistas dos serviços de segurança dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha – que, no livro, foram bem sucedidos em convencer a maioria de que sua causa era justa.

E que no Brasil tiveram, até agora, sucesso em substituir um governo eleito por um não testado nas urnas, mas disposto a fazer tudo que seu mestre mandar. Para começar, mudando as regras de exploração do pré-sal estabelecidas pelos governos anteriores ao de Michel Temer e, de sobra, privatizando outras riquezas brasileiras e alterando as leis de proteção aos trabalhadores e aposentados.

No livro de Le Carré, a imprensa mundial teve papel importante no convencimento de que a farsa de Heidelberg não era uma farsa. Deixou-se ser gostosamente enganada. No desfecho da trama, quando os “terroristas” foram massacrados por forças especiais americanas naquela cidade alemã, não se permitiu a presença de fotógrafos e de repórteres de jornais e revistas ou de televisão. Só puderam fazer seu trabalho dias depois, quando a cena do crime já havia sido convenientemente preparada.

As últimas páginas do livro são dedicadas a mostrar como a imprensa pode ser manipulada ou ludibriada, mundo afora.
Quem acompanha a imprensa brasileira não se surpreende.

Mais um pouco do Tijolaço de Fernando Brito, com o curioso título de “Moro, o açougueiro da mídia”.
(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/09/23/prisao-guido-mantega/#more-13030)

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