sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

O direito ao aborto

Por Jaime Pinsky, historiador e editor, professor titular da Unicamp, livre docente da USP, autor de História da Cidadania, entre outros livros.
O fogo. A roda. A agricultura. As cidades. As manifestações artísticas. A criação dos deuses. O monoteísmo ético. A filosofia. A capacidade de resolver conflitos sem recorrer à violência. A atenção às crianças e aos idosos. O respeito às mulheres. Todos eles foram conquistas da civilização.
O processo que ocorre com a humanidade pode também se dar com os indivíduos. Ninguém nasce sabendo produzir ou usar o fogo (lidar com ele, evitar queimaduras, é um item obrigatório no elenco das preocupações dos pais), plantar, ou produzir arte. Usufruir do patrimônio cultural da humanidade é um direito e um privilégio. Também a convivência é um aprendizado social: a percepção do outro é sinal de inteligência social. Formas de culto, organização de categorias de pensamento, conhecimento tecnológico, tudo é fruto de aprendizagem. Como fruto de aprendizagem é tanto a polidez, quanto a capacidade de apreciar música ou artes plásticas. Disse e repito que a grande diferença entre o ser humano e outros animais é nossa capacidade de produzir, armazenar e consumir bens culturais, materiais e imateriais. Outra capacidade que temos é a de sermos, fundamentalmente, racionais. Isso implica em ter opinião sobre as coisas, mas implica também em sermos capazes de alterar nosso olhar sobre as coisas e as pessoas. Por exemplo, as mulheres.
Confesso que, ao contrário da minha casa, na escola e na rua de minha cidade no interior paulista o ambiente era machista e homofóbico. A superioridade do macho e a ideia de que mulheres eram bens de uso (com exceção da mãe de cada um de nós, que era uma santa…) permeava nossa relação com as meninas do bairro, as colegas da escola e até com algumas professoras mais liberais. Graças à minhas escolhas profissionais e pessoais, e à convivência com homens mais evoluídos, com mulheres maravilhosas e com leituras adequadas, fui me encaminhando para posições bem diferentes daquelas que tinha quando garoto. Isto aconteceu com muita gente. Isto aconteceu com muitos povos e culturas. No mundo civilizado não se atira mulheres nos rios da Babilônia para saber se elas são virgens, não se apedreja mais mulheres por terem “prevaricado”, não se queima mais mulheres na Inquisição por conhecerem segredos de ervas que curam. A dupla moral sexual (“minha mulher tem que ser recatada, eu posso ir a orgias sexuais em Brasília”) é coisa de imbecis retrógrados.
O mundo de hoje não valoriza mais o chamado macho alfa, capaz de matar um leão só com as mãos: um “nerd” competente é mais útil como parceiro de uma mulher do que um troglodita agressivo e violento (além de ser muito mais agradável). Mais do que proteção física as mulheres buscam companheirismo, compreensão, cumplicidade. E muitos homens, inclusive quando representam o povo nas casas legislativas, não sabem disso. Ou esquecem. Ou fingem esquecer, preocupados que estão com a “vida humana”. Não querem é perder o controle, perder o poder. Se preocupados estivessem com a vida humana não extrairiam de forma desonesta parte das riquezas produzidas no país para seu usufruto pessoal, com prejuízo da saúde pública, da educação, da criação de empregos e, indiretamente, até da segurança dos cidadãos. A destruição quase completa da maior empresa brasileira (Petrobras) é só a ponta do iceberg, que abaixo da linha d’água mostra falcatruas com a conivência de políticos em quase todas as concorrências públicas que, na realidade, não são concorrências, nem são públicas.
E são esses seres “puros” e “imaculados”, detentores de procuração dos deuses e dos santos, que querem legislar sobre o útero de cada mulher, como conceituou com rara felicidade o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso? Com que direito? Com que autoridade?
Países modernos e civilizados são laicos e democráticos. É inaceitável querer transformar problemas de saúde pública em questões de fé. Embora diferentes (o que é ótimo), mulheres não podem mais serem tratadas como inferiores. Da mesma forma como os governos não têm o direito de legislar sobre o pênis dos homens, eles não têm como e por que legislar sobre o útero das mulheres.
Acabou. Já era. Página virada. Não se pode caminhar para trás.

2 comentários:

  1. Lamentável.
    Isso NÃO É questão de fé.
    É questão de direitos humanos!
    Quando se mata uma grávida não é duplo homicídio?
    É uma pena, pena mesmo, esse genocídio que estão querendo fazer.
    Pergunte à Lara! No México fazem promoções de "interrupção da gravidez" pelo rádio!
    Mudaram o nome, para não doer tanto na consciência....
    E agora existe a indústria do aborto, muita gente tem interesse, pois ficam riquíssimos....
    http://blog.cancaonova.com/felipeaquino/2008/03/13/filme-the-silent-scream-o-grito-silencioso-de-dr-bernard-nathanson/
    Veja isso!

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  2. Acho interessante que os mesmos que defendem o aborto (assassinato de um inocente) é contra a pena de morte para o estuprador. Creio que se um bebê possa ser executado dentro do útero, assim também o deveria ser um praticante de crime hediondo, pois o bebê nada fez para merecer a sentença de morte. O problema é que a morte do bebê não é vista ne e a morte do criminoso adulto chamaria muito a atenção, deixaria inclusive um corpo para enterrar, enquanto o bebê é incinerado junto com o lixo do hospital. Esses vigaristas deveriam se esforçar para oferecerem às grávidas condições dignas de terem seus bebês em segurança, ao invés de se dedicarem a garantir a elas o direito de matarem seus filhos. Todos que defendem esta prática abominável deveriam assistir o filme o Grito Silencioso, produzido por um médico que, de maior realizador de abortos da época, passou a defensor da vida.

    http://www.revoltabrasil.com.br/saude/8160-o-grito-silencioso-o-aborto-explicado-por-um-dos-maiores-medicos-abortistas-do-mundo.html

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