domingo, 4 de março de 2018

Efeito estufa: produção versus consumo


A concentração de dióxido de carbono na atmosfera já supera as 405 partículas por milhão (ppm), segundo as mais recentes medições do observatório do vulcão Mauna Loa, no Havaí. Antes da revolução industrial, essa concentração não chegava sequer a 280 ppm. Ou seja, num período relativamente curto, provocamos um desequilíbrio gigantesco, aumentando enormemente a presença de carbono na composição dos gases atmosféricos.

Esse aumento está associado com a elevação da temperatura média global de um grado centígrado ao longo do Século XX, uma mudança que está acompanha grandes consequências negativas, como mais furacões, ondas de calor superando recordes, aumento no nível do mar, secas e a aceleração da extinção de muitos tipos de espécies.

Na Conferência do Clima de 2015, em Paris, os países aceitaram o compromisso de manter o aumento da temperatura global abaixo dos dois graus centígrados (em comparação com os níveis anteriores à revolução industrial). Adicionalmente, também asseguraram que fariam o possível para que esse aumento fosse ainda menor, abaixo de 1,5 graus, que é o nível que a comunidade científica considera mais realista para evitar grandes danos. Hoje, sabemos que este objetivo já é inalcançável.

No Acordo de Paris, cada nação determina de maneira independente suas metas de redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE). Porém, não existe um mecanismo coercitivo para garantir o cumprimento desses objetivos. O único meio é a vergonha que um país sofre ao não cumprir suas próprias metas. Por isso a medição das emissões de gases do efeito estufa têm grande relevância.

Desde que se negociou o Protocolo de Quioto, nos Anos 90, a medição dos gases se baseia nos níveis de emissão produzidos por cada país. As nações mais desenvolvidas são as que emitiram mais GEE nos últimos 150 anos, por isso se buscou, inicialmente, reconhecer o princípio de responsabilidade histórica e diferenciada. Mas essa ideia foi perdendo força. No Acordo de Paris, só restou um frágil compromisso de apoio financeiro para os países menos desenvolvidos – promessa que tampouco foi cumprida.

Hoje surgem novas dúvidas sobre a assimetria nas emissões de GEE. Vários estudos questionam a validez das medições produzidas diretamente por cada nação, e propõem uma medição das emissões consumidas, ou geradas indiretamente na produção de bens e serviços importados de cada país. Em resumo, para contar com uma medida mais rigorosa e equitativa é importante fazer um balanço entre as produzidas diretamente por uma economia em seu território e as que vêm incorporadas nos produtos que importam.

A metodologia básica a qual nos acostumamos mede as emissões produzidas diretamente. Mas esta métrica ignora que as economias mais ricas, que são capazes de reduzir suas emissões diretas ao mesmo tempo que podem importar bens intensivos em emissões (de GEE) produzidas em outros países. Por esse motivo, as emissões produzidas diretamente e aquelas que são consumidas (ou produzidas indiretamente) diferem de maneira significativa.

O trabalho mais recente sobre os resultados gerados por estas distintas metodologias é de Mir Goher e Servaas Storm (disponível em www.ineteconomics.org). Embora a metodologia pode ser algo discutível, ao descansar na obsoleta noção da curva ambiental de Kusnetz, a questão é que o uso de matrizes de produto a escala global permite aos autores observar que o nível de emissões está correlacionado com a tenda per capita. E isso é algo grave, por duas razões. Primeiro, porque as emissões dificilmente serão reduzidas com o tempo. Ao contrário, vão se incrementar, ao aumentar a renda per capita nos países mais ricos ou de renda média. Segundo, porque isso revela que é possível que tenhamos subestimando o volume de emissões produzidas cada ano. Por outro lado, ao utilizar as matrizes de produto a escala internacional é possível considerar o peso do comércio internacional e das complexas cadeias de valor que hoje dominam a economia global. A diferença no volume de emissões não é desprezível.

O cenário para o futuro da crise climática não parece nada bom. Hoje, as projeções mais rigorosas indicam que estamos numa trajetória que poderia levar a um inevitável aumento da temperatura média global até três grados centígrados até o final deste século. As consequências deste tipo de perturbação serão verdadeiramente catastróficas, pelos efeitos acumulativos que podem causar. A única forma de evitar este desastre é através de reduções realmente significativas nos níveis de emissões de GEE. Para isso é indispensável combater o lobby dos combustíveis fósseis, que ainda domina a economia global.

Alejandro Nadal é economista mexicano, professor do Centro de Estudos Econômicos do Colégio de México e colunista do diário La Jornada
(fonte: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Mae-Terra/Efeito-estufa-producao-versus-consumo/3/39479)

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