segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Professor erra?

Professor erra?!

pedagogia limaNestes dias, ao refletir sobre a práxis docente, recordei de uma das obras lidas na época do doutorado: Pedagogia: reprodução ou transformação, escrita por Lauro de Oliveira Lima.[1] O autor observa que, em suas origens, a pedagogia foi uma atividade desempenhada por escravos:
“Pedagogia é a atividade do pedagogo (país, paidós = criança; e agein = conduzir, em grego). O pedagogo, entre gregos, romanos e provavelmente muitos outros povos antigos, era o escravo que conduzia a criança de cerca de sete anos à escola (note-se que a palavra scholé, em grego, significa lazer, descanso, brincadeira, o que mostra que a intenção era fazer a criança conviver com as demais, aprender atividades – ginástica, música, dança etc. – que não podiam ser realizadas no lar por falta de companheiros em número suficiente). Dessa forma, o pedagogo constitui-se o mediador entre a família (o útero, o ninho) e a comunidade (a sociedade adulta)” (p. 12-13).[2]
Nossos ancestrais eram escravos. O reconhecimento dessa origem não indica a aceitação da condição de escravo, ainda que escravo moderno assalariado, mas contribui para a reflexão sobre o exercício da docência. Há quem se veja como Senhor, superior aos demais. Entre nós estabelece-se uma hierarquia fundada na meritocracia e consagrada por diferenças salariais abissais entre os diversos níveis da carreira docente. A arrogância titulada nem sempre reconhece a importância dos que exercem a docência na educação infantil, fundamental e no ensino médio. O preconceito entranhado na alma é um empecilho à humildade.
Somos assalariados, trabalhadores! Ou não?[3] Talvez o professor universitário não se veja assim, mas como uma espécie de elite cultural, acima da massa de ignorantes e também dos seus colegas professores que não tem título de doutorado e dos que estão na base do sistema educacional. Talvez! Contudo, mesmo entre os professores do ensino fundamental e médio talvez encontremos quem se recuse a reconhecer a sua condição social. Um amigo dirigente do maior sindicato de professores do Brasil, a APEOESP, me dizia outro dia da resistência de alguns colegas a serem chamados de trabalhadores, e chegam a corrigi-lo quando ele usa este termo. Na sociedade hierárquica sempre há alguém qualificado como inferior por quem está numa posição inferior a outro!
A arrogância faz par com o sentimento de superioridade. O ser superior tende a se considerar infalível. O discurso e prática professoral fundados na relação superior-inferior tem dificuldade de autocrítica. Não há espaço para a reflexão da práxis docente, pois o problema, a falha, etc., é imputada à incapacidade do outro. Nestas circunstâncias, o professor coloca-se acima de suspeita. Como escreve Lima:
“Se num hospital os doentes começarem a morrer sistematicamente, a primeira suspeita é que os médicos são incompetentes. Se o edifício ameaça ruir ou as barrancas da estrada deslizam, todos apontam o engenheiro que os construiu como responsável. Se as safras anuais não alcançam o nível de rendimento previsto, provavelmente os agrônomos não exerceram bem suas funções. Se a empresa vai à falência, é que tem mau administrador. Mas se os alunos não aprendem… se são reprovados em massa, é que o professor é rigoroso! … Em síntese, o professor é o único profissional acima de qualquer suspeita” (p. 39).
Se errar é humano, depende de quem erra! Mas o professor é humano – ainda que se imagine um semideus ou a própria divindade encarnada! Ele até pode esconder-se atrás do discurso ininteligível – pois quanto menos se faz entender, mas parece que é inteligente e os alunos o oposto. É possível que se ampare na instituição, a qual o legitima, ou na corporação dos pares, etc., mas ele é falível. No fundo nutre a auto-ilusão dos que se consideram superiores, mas não está imune ao julgamento dos que se fazem iguais a ele pela condição humana compartilhada!

[1] São Paulo: Brasiliense, 1982, 110p.
[2] As citações são da obra referida acima.
[3] A julgar pela constatação empírica e depoimentos de trabalhadores não docentes, parece que alguns titulados se veem como especialmente diferentes daqueles que exercem atividades manuais e/ou técnicas, ou seja, como não-trabalhadores, mas sim enquanto uma casta especial consagrada pela função titulada. Este é um dos fundamentos para a recusa da paridade nas eleições na universidade. Sugiro a leitura de “Lições da greve dos trabalhadores da UEM”, publicado em 12.09.2012.

Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/2013/08/03/professor-erra/ 

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