domingo, 4 de maio de 2014

Quem são nossos moradores de rua?


by Cristina Moreno de Castro
Não encontrei quem é o autor da foto.
Não encontrei quem é o autor da foto.
Na semana passada, a prefeitura de Belo Horizonte divulgou um estudo muito importante: o terceiro Censo da População em Situação de Rua na cidade. Falhou, no entanto, ao não divulgar, nem disponibilizar em seu site, os dois censos que tinham sido feitos anteriormente, para que pudéssemos ver um panorama histórico desse problema.
Este blog solicitou os dois censos na última sexta-feira, mas a Secretaria de Políticas Sociais informou que eles não são fáceis de encontrar e só poderia nos enviar a partir desta segunda-feira. Como amanhã entro de férias (:D), resolvi buscar ajuda no incansável Google e encontrei um estudo da UFMG que traz alguns dos dados que eu queria. Pode ser lido AQUI.
Eu sempre fui fascinada com o assunto "moradores de rua", e vira e mexe ele é abordado aqui no blog (veja longa lista ao pé do post). Mexe muito comigo ver uma pessoa dormindo no chão, ao relento, se aquecendo com caixas de papelão, pedindo ajuda para comer e tomar água. Lá em São Paulo, me impressionava demais a quantidade de moradores de rua, de usuários de crack e de crianças pequenas, magrelas, que eu via estendidos no chão perto do bairro em que eu morava -- Santa Cecília -- como se fossem mortos. Às vezes as crianças estavam tão apagadas que ficavam fervendo no sol de meio-dia, com mosquitos no rosto e pés passando sobre elas, e nem assim acordavam. Também já contei aqui como fiquei "amiga" dos moradores de rua que ficavam na praça onde eu ia fazer caminhada e como me sentia segura com eles por perto, para me proteger de bandidos. Já interceptei muito guarda municipal que ia lá mexer com eles, como se estivessem cometendo um crime. Não, ficar na rua, dormir e morar na rua, não são crimes. São tragédias humanas e sociais, mas não crimes.
Seja como for, acho importantíssimo esse censo, essa tentativa de conhecer os anônimos que não têm endereço fixo, mas que precisam mais do que muitos da ajuda do Estado e das pessoas devidamente endereçadas. Acho que todo mundo deveria s debruçar sobre os dados divulgados pela prefeitura para tentar entender quem são essas pessoas. E o Estado, mais do que ninguém, para desenvolver políticas sociais melhores.
Eu me debrucei. O arquivo pode ser baixado por quem quiser, basta clicar AQUI.
O primeiro dado impressionante é como a quantidade de pessoas nas ruas aumentou em Belo Horizonte. Em 1998, segundo aquele estudo da UFMG que citei mais acima, havia 1.120 moradores de rua. Em 2005, sete anos depois, havia 1.239 (um aumento de 10%). E agora, em 2013, oito anos depois, havia 1.827 (um aumento de 47% em oito anos e de 63% em 15 anos).
Quem são esses 1.827 moradores de rua em Beagá?
Segue um perfil, a partir dos dados majoritários: eles são homens (86%), têm principalmente entre 31 e 45 anos, são negros e pardos (79,4%), heterossexuais (93,7%), sabem ler e escrever (82%), são mineiros (75%) e principalmente de BH ou de cidades próximas. Os que vieram de outras cidades queriam encontrar um trabalho (47%) e permaneceram justamente para trabalhar (31%), 46% já passaram por abrigos e 40% já estiveram presos, 52% foram parar nas ruas por problemas familiares e 43,9%, também por causa do alcoolismo (36% também por falta de moradia). Moram sozinhos nas ruas, sem grupo, parente ou companheiro (64%), nunca se encontram com os parentes (39%). Já trabalharam fichados, mas não no momento (70%), hoje trabalham principalmente com coleta de recicláveis. Já sofreram roubo, furto, preconceito, ameaça, tentativa de homicídio, remoção forçada, violência sexual e outros crimes violentos, e os crimes foram cometidos principalmente por agentes públicos (44%) ou por outros moradores de rua (43%), querem sair das ruas (94%), utilizam as unidades de acolhimento da prefeitura (46%), possuem algum documento (78%) -- e 48% têm título de eleitor, viu candidatos? 31% recebem Bolsa Família e só minorias de 1% a 3% recebem outro tipo de benefício, como seguro-desemprego e aposentadoria. Têm principalmente hipertensão (16%) e doenças de pele (14%), 13% têm alguma deficiência física e 5% têm algum transtorno mental -- 43% têm depressão. 48% não usam drogas, mas 32% usam crack, 69% bebem, dos quais metade bebe todos os dias. Ficam principalmente na região Centro-Sul da cidade (44,8%).
Destaquei em negrito os dados que mais me impressionaram e acho que merecem mais atenção.
Um dado me chamou a atenção positivamente, principalmente por atestar em números uma percepção que eu já tinha: em 1998, havia 204 menores de idade nas ruas, ou seja, crianças e adolescentes. Eram os meninos de rua, que chamávamos de "pivetes", e eram muito-muito comuns em Belo Horizonte. Em 2005, o número de menores de idade caiu para 75. E, em 2013, havia só 13 crianças e adolescentes nas ruas, segundo a constatação do censo. A população de rua envelheceu ou as crianças estão ficando mais no banco da escola? Acho que um pouco das duas coisas, e parte da segunda podemos colocar na conta do Bolsa Família, que tem a importante exigência de obrigar as crianças a terem frequência escolar para que o benefício seja concedido aos pais.
Apesar desse dado positivo, podemos concluir que nossos moradores de rua estão adoentados, sofrem cotidianas formas de violência, dependem de subemprego para tocar a vida (muito mais que de bolsas e demais benefícios), são solitários, usam drogas e álcool com frequência para tolerar esta vida, não param de crescer e, sobretudo, esmagadoramente: quase todos querem sair das ruas (94%, poxa!).
Eles se concentram na região mais rica da cidade, a Centro-Sul, não por acaso: contam com a solidariedade dos mais afortunados, com suas doações e esmolas, com ajuda dos comerciantes e donos de bares e restaurantes. Que tal retribuirmos esse voto de confiança?
(fonte: http://kikacastro.com.br/2014/05/04/quem-sao-nossos-moradores-de-rua/)

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