sábado, 27 de janeiro de 2018

Huxley e o Regresso ao admirável mundo novo



Antônio de Paiva Moura

            Na década de 1960 Huxley, autor de Admirável mundo novo, publicado em 1932, começou a fazer uma avaliação do que vinha ocorrendo no mundo com as consequências de uma série de ditaduras ocorridas antes e depois da Segunda Guerra Mundial. O autor considera que os dois maiores perigos para a humanidade são a superpopulação e a super-organização. A superpopulação concorre para o aumento da pobreza e revoltas dos excluídos. Para controlar as massas excluídas as classes superiores lançam mão de força física, força armada e tecnologia para controle da mente humana. Huxley mostra como as técnicas de persuasão e de controle são empregadas nas ditaduras e nas democracias contemporâneas. A liberdade do indivíduo e seus padrões são ameaçados por uma imensa indústria de comunicação.
            Pela leitura de “Regresso ao admirável mundo novo” percebe-se que o autor é dono de uma alta intelectualidade e arguto conhecimento científico aliado à sua experiência de vida. Daí a observação de que ninguém dispõe de tempo para conhecer tudo. Cada um só pode conhecer um pouco de cada coisa. Por isso adverte que os estudiosos dos destinos da humanidade devem aprender a simplificar sem falsear ou ocultar a verdade. Se considerarmos que o livro trata só da questão da liberdade humana, ele não é tão resumido assim. Freud e Sartre observaram com propriedade que o homem, ao contrário dos animais irracionais, libertou-se da natureza, mas criou normas de comportamento e busca do ideal de ordem na sociedade.
            Tanto no primeiro como no segundo livro, Huxley aborda o desejo e a repugnância da ordem estabelecida. Para sociólogos como Carl Mannheim a ordem na sociedade humana é estabelecida e sustentada por um conjunto de crenças por ele chamadas de ideologia. Mas Huxley vai pelo approach cultural. Para ele a ordem na sociedade é necessária porque a liberdade só surge e tem sentido dentro de uma comunidade auto-regulamentada de indivíduos que colaboram livremente. Mesmo que indispensável, a ordem pode ser fatal. A organização em excesso transforma em autômatos homens e mulheres; reprime o espírito criador e elimina própria possibilidade de liberdade. O ideal é o meio termo. Nem o laissez-faire de Adam Smith de ontem,  nem o atual de Margaret Thatcher e muito menos as ditaduras. Os meios de comunicação estão concentrados na elite do poder. A indústria da comunicação só age no sentido de divertir, distrair o povo. O esclarecimento e a busca da razão é que permitem uma vida livre e democrática. Só uma pessoa dotada de consciência consegue viver em liberdade. Somente os que estão constantemente cultivando a razão e a inteligência podem alimentar a esperança de se governar a si próprio.
            Para Huxley a grande ameaça à sustentação da democracia é o avanço tecnológico que proporciona o aumento da concentração de riqueza e o poder de seus detentores. Passado meio século do falecimento de Huxley, Richard Freeman, professor da Universidade Harvard, em 2017, fez minucioso estudo sobre os efeitos do avanço da inteligência artificial sobre a economia, educação e mercado de trabalho. Para ele os robôs proporcionam acumulação de riqueza a seus proprietários. O emprego da máquina na produção de bens e prestação de serviços vem aumentando progressivamente a taxa de desemprego. Os parcos empregos que restam não são mais bem remunerados como eram antes.
            Nas primeiras décadas do século XXI houve uma notável transferência de poder das instituições representativas da sociedade para a esfera econômica. Na América Latina, nas últimas décadas do século XX houve o restabelecimento do regime democrático. As novas constituições se dispuseram a proteger as classes subalternas e buscar o desenvolvimento social. Mas essa situação durou cerca de três décadas, até que a classe empresarial promoveu o desmanche do corpo legislado que amparava o desenvolvimento humano. No Brasil a chamada operação lava-jato colocou a nu a  intenção do empresariado em subornar autoridades constituídas na busca de aumento de seus privilégios.
            Huxley aborda com propriedade as formas de persuasão sobre os indivíduos no sentido de torná-los passivos, ordeiros e bons consumidores, isto é, consumidores compulsivos, eleitores enganados, cidadãos alienados. Nas ditaduras prevalecem os meios de torturas físicas e psicológicas. Nas democracias exploram o subconsciente. A psiquiatria moderna chama isso de “projeção subliminal” que está associada à distração das massas. Na antiguidade clássica o circo desempenhou essa função; na Idade Média a religião ocupava todo o tempo livre das pessoas e na atualidade, a televisão, a mídia eletrônica e mega shows internacionais. Os comunicadores sociais estudam a psicologia das massas e sabem como gerar as condições psicológicas apropriadas à persuasão subconsciente. Basta lembrar alguns exemplos de emprego de projeção no subconsciente nas campanhas publicitárias. A coca cola aparece sempre associada a belas paisagens geladas induzindo a idéia de refrigeração. Papai Noel, que é uma criação da coca cola, deslizando em trenó sobre gelo, induz à ideia de prodigalidade e generosidade.  Em 2016, na campanha eleitoral para prefeitos, os candidatos vitoriosos de São Paulo e de Belo Horizonte, aproveitaram a aversão dos brasileiros aos atuais políticos e se afirmaram como não sendo políticos. Por isso, e por nenhum outro motivo, ganharam a preferência do público. É exatamente isso que Huxley chama de persuasão do subconsciente, pois para pessoas esclarecidas, João Dória e Alexandre Kalil não podem negar que são políticos.

HUXLEY, Aldous. Regresso ao Admirável Mundo Novo. Belo Horizonte: Itatiaia, 2000.

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