sábado, 29 de junho de 2013

Qualquer coincidência é mera semelhança???

Claro que o título deste post é um trocadilho, mas vale a pergunta, feita da maneira correta: Qualquer semelhança será mera coincidência?

Política na era digital: Tentando controlar a explosão da bomba demográfica


por Luiz Carlos Azenha
A História dos Estados Unidos se confunde com a História das intervenções de Washington para conquistar territórios, trocar ou debilitar regimes ou provocar mudanças que beneficiem os interesses políticos, econômicos ou diplomáticos do império. Isso está fartamente documentado.
Por exemplo, no livro Killing Hope: US military and CIA interventions Since World War II, que descreve as intervenções clandestinas ou abertas promovidas pelo governo norte-americano desde a Segunda Guerra Mundial. Nós mesmos já experimentamos isso, em 1964.
Nos anos 80, quando o conservador Ronald Reagan ocupava a Casa Branca, apoiava governos direitistas ou grupos guerrilheiros que combatiam regimes de esquerda na Nicarágua, El Salvador, Honduras e Guatemala.
Foram guerras brutais na América Central. Através do tenente coronel Oliver North, a Casa Branca fez um arranjo pelo qual vendia armas clandestinamente ao governo do Irã, que sofria um boicote internacional — liderado pelos Estados Unidos! — e usava o dinheiro para financiar os contras, que combatiam o governo de esquerda da Nicarágua. Descoberto o escândalo, o esquema implodiu.
Espertamente, Reagan redesenhou a iniciativa, para atender também aos democratas e garantir dinheiro do Congresso, que estava reticente no financiamento a ações clandestinas da CIA desde a guerra do Vietnã.
Formou-se o National Endowement for Democracy, NED, que passou a transferir dinheiro público para institutos ligados ao Partido Republicano, ao Partido Democrata, à maior central sindical dos Estados Unidos e ao empresariado.
Foi a forma de garantir amplo apoio, nos Estados Unidos, à ideia de “promover a democracia” adequada, ou seja, a democracia que atendesse aos interesses estratégicos de Washington. A estes institutos se juntaram muitos outros, com destaque para a Freedom House e a Open Society, do especulador George Soros.
Formou-se, assim, uma ampla rede horizontal e não hierarquizada de entidades sediadas em Washington, que recebe financiamento público ou de empresas e milionários, para promover no mundo as ideias da privataria. Uma rede que é a fachada pública do aparato clandestino de mudança de regime, que se apoia na CIA e no Pentágono.
Esse aparato atuou, por exemplo, na série de revoluções coloridas do Leste Europeu e, mais recentemente, na Bolívia, Venezuela e Irã, além de incentivar grupos que participaram da dita Primavera Árabe, desde a Tunísia até o Egito. O objetivo não é apenas derrubar governos, mas fragilizar regimes e torná-los incapazes de levar adiante reivindicações nacionalistas; assim, ficam mais vulneráveis à pressão externa.
As mudanças no Egito, por exemplo, preservaram o essencial: uma política econômica neoliberal, dependência de financiamento dos Estados Unidos e não ruptura dos acordos de paz com Israel.
Em sua encarnação do Leste Europeu, as “revoluções coloridas” tinham tido algumas características bem definidas: slogans e imagens de fácil entendimento, mobilização da juventude através de redes sociais, tentativa de unificar grupos de oposição e ações de desobediência civil nas ruas. Foi assim, também, na Primavera Árabe.
Obviamente, os movimentos não teriam tido sucesso se não existissem condições políticas e sociais para tanto: desemprego, ausência de serviços públicos e uma demografia favorável (grande número de jovens descontentes). Diante de um quadro de mudança inevitável, por que não aproveitar e influir nela?
Mais recentemente, a este esforço por mudanças pró-Estados Unidos se juntaram as principais empresas do mundo digital. Antes, uma explicação se faz necessária.
Durante seus dois mandatos, o republicano George W. Bush tirou crescentemente o poder da diplomacia do Departamento de Estado e transferiu atribuições para o Pentágono. O sucessor dele, Barack Obama, restaurou parcialmente o equilíbrio, com nova ênfase no soft power dos diplomatas e das ações não clandestinas.
Foi neste contexto que a secretária de Estado Hillary Clinton apoiou com entusiasmo, em 2008, a formação da AYM, a aliança dos movimentos da juventude, um movimento internacional de ativistas pela democracia e os direitos humanos. A ideia de formar o grupo mobilizou, entre outros, um ex-assessor de Hillary e de sua antecessora, Condoleezza Rice, Jared Cohen, diretor do Google.
Cohen é co-autor do livro The New Digital Age: Re-shaping the Future of People, Nations and Business [A Nova Era Digital: Redesenhando o Futuro das Pessoas, Nações e Negócios]. Além de combater regimes supostamente opressivos, diz-se guru no enfrentamento da “radicalização”, palavra-chave nos Estados Unidos para a esquerda em geral.
A segunda conferência internacional do grupo que ele ajudou a fundar, em 2009, na Cidade do México, foi patrocinada pela Causecast.org, Facebook, Gen Next, Google, Hi5, Howcast Media, MTV, MySpace, PepsiCo, Univision Interactive Media, Inc., Departamento de Estado [dos Estados Unidos], WordPress.com e YouTube.
Ou seja, todos os pesos pesados do mundo digital em parceria com o governo dos Estados Unidos!
O objetivo do Movements.org é “promover mudanças sociais positivas através de ferramentas e tecnologias do século 21″. Mudança positiva? Um Milhão de Vozes contra as FARC na Colômbia, por exemplo, cujo objetivo é evitar a participação de ex-integrantes das FARC no sistema político colombiano.
Do ponto de vista estratégico, esse conjunto de ações acima descritas parece refletir a evolução da preocupação dos Estados Unidos com as mudanças inevitáveis derivadas de uma juventude cujas aspirações não podem nem vão ser atendidas pelo neoliberalismo. Uma tentativa de direcionar a energia da chamada “bomba demográfica”. De incentivar, através das redes sociais e de novas tecnologias, um movimento de jovens que se contraponha a uma saída pela esquerda: em defesa do empreendedorismo, da livre iniciativa, contra a cobrança de impostos, contra o Estado ‘inchado e perdulário’, contra a regulamentação das corporações e do sistema financeiro e assim por diante.
Como nós mesmos, no Brasil, temos lidado recentemente com uma rebelião de juventude, é importante ficar alerta.
Abaixo, uma reportagem do diário britânico Guardian, de 2004, sobre as revoluções coloridas. Um texto simpático aos Estados Unidos, mas revelador dos métodos empregados:
Uma campanha dos Estados Unidos por trás da confusão em Kiev
The Guardian, Friday 26 November 2004 00.03 GMT
Com seus sites e colantes, seus golpes publicitários e slogans, cujo objetivo é acabar com o medo causado por um regime corrupto, os guerrilheiros da democracia do movimento jovem Pora, da Ucrânia, já conseguiram uma vitória importante — qualquer que seja o resultado do impasse em Kiev. A Ucrânia, um país tradicionalmente passivo na política, foi mobilizada pelos jovens ativistas da democracia e nunca mais será a mesma. Mas se os ganhos da chamada revolução laranja são da Ucrânia, a campanha é uma criação dos Estados Unidos, um sofisticado e brilhante exercício de marketing de massa que, em quatro paises em quatro anos, foi usado para tentar denunciar eleições fraudadas e derrubar regimes indesejados.
Financiados e organizados pelo governo dos Estados Unidos, com a ação de consultores, pesquisadores, diplomatas, apoio de ONGs e dos dois principais partidos norte-americanos, a campanha foi primeiro usada na Europa em Belgrado, em 2000, para derrotar Slobodan Milosevic nas urnas.
Richard Miles, embaixador dos Estados Unidos em Belgrado, teve um papel-chave. No ano passado, já como embaixador dos Estados Unidos em Tbilisi, repetiu o truque na Georgia treinando Mikhail Saakashvili para a derrubada de Eduard Shevardnadze.
Dez meses depois de seu sucesso em Belgrado, o embaixador dos Estados Unidos em Minsk, Michael Kozak, um veterano em operações similares na América Central, notadamente na Nicarágua, organizou uma campanha praticamente idêntica para tentar derrubar o homem forte da Bielorrússia, Alexander Lukashenko.
Mas fracassou. “Não haverá Kostunica na Bielorrússia”, declarou o presidente do país, se referindo à vitória da campanha em Belgrado. Mas a experiência ganha na Sérvia, Georgia e Bielorrússia foi valiosa no planejamento da derrubada de Leonid Kuchma em Kiev.
A operação — promover a democracia através das urnas e desobediência civil — foi tão bem desenvolvida que os métodos amadureceram num formato para ganhar eleições dos outros. No centro de Belgrado, existe um escritório cheio de jovens letrados na internet que se denominam Centro para a Resistência não Violenta. Se você quer saber como derubar um regime que controla a mídia, os juizes, os tribunais, o aparato de segurança e as seções eleitorais, os jovens ativistas de Belgrado podem ser contratados.
Eles emergiram do movimento estudantil anti-Milosevic, Otpor, que significa resistência. A marca chamativa e de apenas uma palavra é importante. Na Georgia, no passado, uma movimento estudantil paralelo era Khmara. Na Bielorrússia, Zubr. Na Ucrânia, é Pora, que significa “chegou a hora”.
Otpor também tinha um slogan simples e potente que apareceu em todo lugar na Sérvia em 2000 — com as palavras “gotov je”, significando “está acabado”, numa referência a Milosevic. O logo de um punho cerrado, em negro, completa o marketing brilhante. Na Ucrânia o equivalente é um cronômetro, significando que os dias do regime de Kuchma estão contados. Colantes, pichações e blogs são as armas dos jovens ativistas. A ironia e a comédia nas ruas servem para desgastar o regime e foram bem sucedidos na tarefa de acabar com o medo do público.
No ano passado, antes de se tornar presidente da Georgia, o sr. Saakashvili, educado nos Estados Unidos, viajou de Tbilisi a Belgrado para ser treinado em técnicas de desafio em massa. Na Bielorrússia, a embaixada dos Estados Unidos organizou o despacho de jovens líderes de oposição ao Báltico, onde eles se encontraram com sérvios que vieram de Belgrado. No caso da Sérvia, dado o ambiente de hostilidade, os norte-americanos organizaram a derrubada desde a Hungria — Budapeste e Szeged. Em semanas recentes, vários sérvios viajaram para a Ucrânia. Um dos líderes de Belgrado, Aleksandar Maric, foi barrado na fronteira.
O Instituto Nacional Democrata, do Partido Democrata, o Instituto Internacional Republicano, do Partido Republicano, o Departamento de Estado e a USAid foram as maiores agências envolvidas na campanha, assim como a Freedom House e a Open Society do bilionário George Soros.
Firmas de pesquisa dos Estados Unidos e consultores profissionais foram contratados para organizar “focus groups” e estudar dados de eleições anteriores. As oposições, geralmente divididas, foram unidas sob candidato único para ter chance de derrotar o regime. O líder é escolhido de forma objetiva e pragmática, mesmo que for anti-americano. Na Sérvia, os pesquisadores da Penn, Schoen and Berland Associates* descobriram que o líder — mais tarde assassinado — da oposição, Zoran Djindjic, não tinha chance de derrotar Milosevic em eleições livres. Foi persuadido a abrir mão para o anti-ocidental Vojislav Kostunica, agora primeiro ministro da Sérvia.
Na Bielorrússia, autoridades dos Estados Unidos deram ordem à oposição para que se unisse em torno do velho sindicalista Vladimir Goncharik, que tinha apelo junto aos tradicionais eleitores de Lukashenko.
Oficialmente, o governo dos Estados Unidos gastou 41 milhões de dólares para organizar e financiar a operação de um ano para se livrar de Milosevic, a partir de outubro de 1999.
Na Ucrânia, a quantia é de cerca de 14 milhões de dólares.
Além do movimento estudantil e de uma oposição unida, outro elemento chave do projeto é o que é conhecido como “tabulação paralela dos votos”, uma forma de enfrentar fraudes usadas por regimes sem reputação. Existem monitores profissionais estrangeiros de entidades como a Organização para Cooperação de Segurança da Europa, mas as eleições ucranianas, como as de outros paises, também incluiram milhares de monitores locais treinados e pagos por grupos ocidentais. A Freedom House e o NDI, do Partido Democrata, ajudaram a financiar e organizar “o maior monitoramento civil regional de eleições” na Ucrânia, envolvendo mais de 1000 observadores treinados.
Também organizaram pesquisas de boca de urna. Na noite de domingo elas deram ao sr. Yushchenko uma vantagem de 11 pontos, definindo a agenda das próximas horas. As pesquisas são críticas porque permitem à oposição a tomada da iniciativa contra o regime, invariavelmente aparecendo primeiro, recebendo grande cobertura da mídia e deixa com as autoridades o ônus de responder.
O estágio final do molde dos Estados Unidos para mudar regimes diz respeito a como reagir se o governo tenta roubar a eleição. Na Bielorrússia, o presidente Lukashenko venceu e a resposta foi mínima. Em Belgrado, Tbilisi e agora em Kiev, onde inicialmente os governos tentaram se manter no poder, o conselho era manter a calma mas também a determinação, com a organização de demonstrações maciças de desobediência civil, que devem permanecer pacíficas mas podem provocar o regime a retaliar de forma violenta.
Se os eventos em Kiev validarem as estratégias dos Estados Unidos para ajudar outros povos a vencer eleições e tomar o poder de regimes anti-democráticos, é certo que o exercício será repetido em outros lugares do mundo pós-soviético. Os lugares que devemos olhar agora são a Moldóvia e outros países autoritários da Ásia central.
PS do Viomundo1: Estas revoluções coloridas levaram a Rússia a banir o envolvimento de ONGs financiadas pelos Estados Unidos em ações políticas locais.
PS do Viomundo2: *No referendo revogatório de Hugo Chávez, em 2004, a empresa divulgou em Nova York, quando as urnas ainda estavam abertas na Venezuela, uma previsão de que Chávez perderia por 59 a 41%. A legislação venezuelana proibia a divulgação de pesquisas, mas a empresa burlou a lei divulgando a pesquisa nos Estados Unidos e disseminando o resultado pela internet na Venezuela. Chávez venceu por 59% a 41%. Douglas Schoen atribuiu o resultado à “fraude maciça”. Que é justamente o papel que se esperava dele em uma disputa marcada pela controvérsia: tirar a legitimidade do resultado.  Em 2006, de novo, a empresa cometeu um erro grosseiro na Venezuela. Em 15 de novembro publicou uma pesquisa dizendo que Chávez tinha vantagem de 48% a 42% sobre Manuel Rosales. Dias antes da votação, Douglas Schoen disse que o resultado seria apertado. Chávez venceu com quase 63% dos votos (do meu texto Queimando a Língua com as Pesquisas). A PBS teve contratos com o Departamento de Estado americano, o que talvez ajude explicar os “fenômenos” acima citados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário