segunda-feira, 14 de abril de 2014

Afinal, o que quer a Rússia na Ucrânia?


Boato, balão de ensaio, oferta real, seja o que for, causou espanto o anúncio na mídia alemã desta sexta-feira, 11, de que a Rússia estaria oferecendo a possibilidade de cooperar com o FMI e a União Europeia num esforço conjunto para sanear as finanças da Ucrânia.

O anúncio, seguido pela notícia de um possível encontro em Washington do Ministro das Finanças russo, Anton Siluanov, com seu colega norte-americano Jack Lew para discutir o assunto, veio na esteira de declarações da OTAN segundo as quais (com exibição de fotos) a Rússia continuava a concentrar tropas terrestres e aviação na fronteira com a Ucrânia.

É claro que existe um esforço retórico por parte da OTAN para afirmar que, caso a Rússia não invada a Ucrânia, isto se deverá às suas ameaças contra a invasão. Mas a Rússia pode muito bem não invadir a Ucrânia – até porque, segundo vários analistas internacionais mais independentes em relação às políticas do Ocidente – este é o cenário que menos interessa ao governo de Moscou.

A Rússia é uma potência militar terrestre – com seu exército em fase de recuperação – ameaçada por uma potência naval (os Estados Unidos) e pelo crescente poderio aéreo da OTAN, desde que esta assumiu o papel de força policial nos Bálcãs e no Norte da África, com participação sobretudo dos Estados Unidos, da França, do Reino Unido e, em menos escala, da Itália. Por isso mesmo interessa à Rússia administrar ciosamente cada centímetro quadrado da potencial área de influência de suas forças terrestres.

Ela não pode, portanto, permitir que a OTAN estenda seus domínios até a fronteira com a Ucrânia – deixando Moscou ao alcance de mísseis mesmo de médio porte. Em contrapartida, o cenário que menos interessa à Rússia é o de conflitos armados nas vizinhanças de suas fronteiras – ela que já tem que administrar os conflitos entre as Geórgias (a sua e a vizinha), a Chechênia, o Daguestão e outros de menor porte nas fronteiras mais a leste, na Ásia.

O melhor que a Rússia pode almejar é uma Ucrânia “pacificada”, se isto for possível, ainda sob sua influência, mesmo que parcial, tanto na área econômica quando na militar – e ainda na cultural, setor em que a questão da língua russa neste país tem um papel de proa. A Ucrânia depende da Rússia para o fornecimento de gás natural, sem o que sua economia para. Uma parada deste tipo decididamente não interessa ao governo de Moscou, que pode pressionar o de Kiev com a dívida de 2,2 bilhões de dólares que este tem com a estatal russa Gazprom, mas não a ponto de provocar o colapso do país. Há também a questão do aumento do preço do gás em 80%, chegando na vizinhança dos 500 dólares por mil metros cúbicos, e a ameaça de exigir que a Ucrânia pague adiantado pelo fornecimento. Mas tudo isto tem de ser dosado, evitando a paralisia do paciente, coisa que jogaria os atores internos da Ucrânia no risco de um confronto ainda mais violento do que os registrados até agora.

Até agora Moscou está computando vantagens: ganhou apoio interno pela atitude na Ucrânia, inclusive com a imagem de proteção a cidadãos russos neste país e de ucranianos de fala russa; recuperou de facto e de jure (apesar do esperneio do Ocidente e da votação desfavorável na Assembléia da ONU) a província da Crimeia, um tanto incompreensivelmente cedida à Ucrânia nos anos 50; livrou-se de um aliado importuno, Viktor Ianukovitch, e está bem posicionada para negociar com quem for eleito em maio para o governo de Kiev, inclusive com a feroz Yulia Timoschenko, que hoje vocifera contra Putin, mas que já comeu na mão de Moscou (é bom lembrar que ela foi acusada – justa ou injustamente – de manipulação superfaturada de um contrato com a Gazprom), e que, com o faro de oportunidades que tem, não hesitará em fazer o mesmo, ainda mais se contar com o apoio, do outro lado, da UE e do FMI.

A eventualidade de uma invasão militar – que só poderia ser provocada se os falcões de extrema-direita do tipo Svoboda e outros prevalecerem em Kiev e forçarem um conflito armada nas províncias do leste – jogaria todo aquele ‘jogo enxadrístico’ equilibrado pelos ares. Ao invés disto, o melhor quadro para Moscou – que não é descabido nem para a U. E. nem para os E. U. A - é o de uma maior federalização da Ucrânia, com mais poderes para as províncias.e de uma preservação da língua russa como oficial para as regiões aque assim decidirem.

Há ainda um conflito de classes – sobretudo a leste, região que concentra os movimentos mais fortes de trabalhadores (contrários, aliás, a uma aproximação demasiada com a UE, pelo rastro de supressão de direitos, arrocho, políticas recessivas, etc., que esta vem deixando atrás de si) do país, e também alguns dos chamados ‘oligarcas’ – os beneficiados meteoricamente pelas privatizações – que controlam a política institucional na região e, em parte, em Kiev também.

Last, but not least, o tempo joga a favor de Moscou. Até as eleições de maio muita coisa ainda poderá se acomodar. O risco jaz em algum movimento brusco por parte dos nacionalistas radicais de Kiev, dos oligarcas no leste, ou mesmo por parte dos ‘moscovitas’ mais exaltados dentro da própria Ucrânia. Sobre estes o governo de Moscou pode ensaiar algum controle, mesmo que relativo. Sobre aqueles outros, não, ainda que os oligarcas também sejam sensíveis à pressão econômica que vem do leste.

(Fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/Afinal-o-que-quer-a-Russia-na-Ucrania-/30712)

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