Há muitas histórias a serem contadas sobre o Plano Real.
O sonho de todo economista financista é
comandar um processo de troca de moeda em um país. Ele passa a ter o
poder de arbitrar as regras de conversão da moeda velha para a nova.
Dependendo da maneira como proceda, poderá criar fortunas do nada.
Foi assim nas Guerras Napoleônicas,
com o financista que instituiu o papel-moeda na França, em lugar do
padrão ouro. Tornou-se um dos homens mais ricos do mundo, chegou a
adquirir alguns estados norte-americanos, antes da bolha explodir.
Foi assim no início
da República, quando Rui Barbosa comandou a mudança do padrão ouro para
o papel moeda. Beneficiou um banqueiro da época, o seu Daniel Dantas, o
Conselheiro Mayrink, conferindo-lhe o monopólio virtual da emissão da
nova moeda.
Quando o banqueiro entrou em crise, acabou impondo tantas mudanças
no plano original - para não quebrar seu parceiro e sócio - que acabou
quebrando o país, no episódio conhecido como O Encilhamento.
***
No campo dos negócios,
o Plano Real foi inteiramente inspirado no modelo de Ruy Barbosa - mas
com a sofisticação permitida pelos novos tempos e novas engenharias
financeiras. Aliás, o melhor trabalho sobre o Encilhamento foi do jovem
economista Gustavo Franco, ainda nos anos 80. E sua grande interrogação
era como Ruy poderia ter montado todas suas operações privadas sem
comprometer o plano.
O Real foi implementado por um grupo brilhante de operadores de mercado, dominando as estratégias financeiras e firmemente empenhados em aproveitar o momento para a grande tacada de sua vida.
***
Com o fim do Cruzado Novo, havia várias
formas de irrigar a economia com a nova moeda. A mais óbvia seria no
vencimento dos títulos públicos: em vez de emitir novos títulos e rolar a
dívida, o governo poderia determinar seu resgate, entregando reais aos
titulares. O país zeraria sua dívida pública e, com a falta de títulos
públicos, os reais seriam investidos em papéis privados, ajudando a
estimular os investimentos.
***
Em vez disso, optou-se por fazer entregar reais só
a quem trouxesse dólares de fora. Os economistas do Real se prepararam
antecipadamente para fazer essa reciclagem, adquirindo instituições que,
assim que o Real foi lançado, saíram na frente captando dólares
baratos, convertendo em reais e aplicando em títulos públicos que
pagavam juros expressivos.
Por isso, essa reciclagem já seria um grande negócio.
Mas foram além.
****
A lógica
do Real era conservar a paridade de um por um na relação com o dólar.
Quando foi lançada a URV, a ideia era convergir o valor real de todos os
produtos para o novo índice, reduzindo as oscilações de preços
relativos ao mínimo, para o momento em que o real entrasse na economia -
e os preços passassem a ser expressos na nova moeda.
Mas o BC fixou uma regra que, na prática,
derrubou o dólar para 85 centavos. Consistia em garantir um teto para o
dólar (de R$ 1,00) mas não garantir um piso. O piso seria determinado
pelo diferencial entre as taxas externas de juros e as internas.
Lançado
o real, imediatamente o dólar caiu para R$ 0,85, encarecendo da noite
para o o dia todos os produtos brasileiros, em relação aos importados.
***
Alguns meses antes do lançamento
do real, um dos economistas, Winston Fritsch, procurou bancos
estrangeiros para encontros reservados, no qual descreveu o movimento
que o dólar faria quando o real fosse implementado. Convidava-os a
entrar no jogo para reforçar o movimento baixista do dólar já que na
outra ponta haveria multinacionais comprando dólares para se prevenir
contra o medo da desvalorização do real.
Menos de três
meses depois, no entanto, o país já exibia déficits externos
relevantes. Se houvesse desvalorização cambial, quebraria grande parte
das instituições aliadas dos economistas.
Essa armadilha levou o BC a manter por tempo indeterminado a apreciação
do real e a segurar a crise das contas externas com as mais altas taxas
de juros do mundo. Como conseqüência, matou o mercado de consumo
pujante que estava se formando com o fim da inflação; e gerar a maior
dívida pública da história.
Mais que isso, matou o próprio sonho do PSDB de governar o país por 20 anos - no cálculo de seus operadores.
Os quatro primeiros anos de FHC foram sufocados pela dívida
criada no setor público e privado e pelo câmbio apreciado, criando um
enorme déficit externo, expondo o país a qualquer crise internacional.
Bastava uma crise na Rússia para um terremoto se abater sobre o Brasil.
Com o fim da inflação,
milhões de brasileiros ascenderam ao mercado de consumo. O governo FHC
poderia ter antecipado em quatro anos o fenômeno da nova classe C. Mas
as taxas de juros praticadas, para segurar o câmbio, mataram totalmente o
dinamismo da economia, obrigando os novos consumidores a refluírem para
a zona cinzenta do subconsumo.
Quatro anos depois, o câmbio cobrou a conta na crise da dívida externa que praticamente acabou com o segundo mandato de FHC.
Em 2002 Lula foi eleito, o PSDB alijado do poder e, já extremamente ricos, os economistas do Real trataram de procurar outros barcos para remar.
Vinte anos depois, o PSDB serve de novo de mula para o retorno dos financistas que liquidaram com o partido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário