quarta-feira, 2 de julho de 2014

Os vinte anos do Plano Real


Há muitas histórias a serem contadas sobre o Plano Real.
O sonho de todo economista financista é comandar um processo de troca de moeda em um país. Ele passa a ter o poder de arbitrar as regras de conversão da moeda velha para a nova. Dependendo da maneira como proceda, poderá criar fortunas do nada.
Foi assim nas Guerras Napoleônicas, com o financista que instituiu o papel-moeda na França, em lugar do padrão ouro. Tornou-se um dos homens mais ricos do mundo, chegou a adquirir alguns estados norte-americanos, antes da bolha explodir.
Foi assim no início da República, quando Rui Barbosa comandou a mudança do padrão ouro para o papel moeda. Beneficiou um banqueiro da época, o seu Daniel Dantas, o Conselheiro Mayrink, conferindo-lhe o monopólio virtual da emissão da nova moeda.
Quando o banqueiro entrou em crise, acabou impondo tantas mudanças no plano original - para não quebrar seu parceiro e sócio - que acabou quebrando o país, no episódio conhecido como O Encilhamento.
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No campo dos negócios, o Plano Real foi inteiramente inspirado no modelo de Ruy Barbosa - mas com a sofisticação permitida pelos novos tempos e novas engenharias financeiras. Aliás, o melhor trabalho sobre o Encilhamento foi do jovem economista Gustavo Franco, ainda nos anos 80. E sua grande interrogação era como Ruy poderia ter montado todas suas operações privadas sem comprometer o plano.
O Real foi implementado por um grupo brilhante de operadores de mercado, dominando as estratégias financeiras e firmemente empenhados em aproveitar o momento para a grande tacada de sua vida.
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Com o fim do Cruzado Novo, havia várias formas de irrigar a economia com a nova moeda. A mais óbvia seria no vencimento dos títulos públicos: em vez de emitir novos títulos e rolar a dívida, o governo poderia determinar seu resgate, entregando reais aos titulares. O país zeraria sua dívida pública e, com a falta de títulos públicos, os reais seriam investidos em papéis privados, ajudando a estimular os investimentos.
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Em vez disso, optou-se por fazer entregar reais só a quem trouxesse dólares de fora. Os economistas do Real se prepararam antecipadamente para fazer essa reciclagem, adquirindo instituições que, assim que o Real foi lançado, saíram na frente captando dólares baratos, convertendo em reais e aplicando em títulos públicos que pagavam juros expressivos.
Por isso, essa reciclagem já seria um grande negócio.
Mas foram além.
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A lógica do Real era conservar a paridade de um por um na relação com o dólar. Quando foi lançada a URV, a ideia era convergir o valor real de todos os produtos para o novo índice, reduzindo as oscilações de preços relativos ao mínimo, para o momento em que o real entrasse na economia - e os preços passassem a ser expressos na nova moeda.
Mas o BC fixou uma regra que, na prática, derrubou o dólar para 85 centavos. Consistia em garantir um teto para o dólar (de R$ 1,00) mas não garantir um piso. O piso seria determinado pelo diferencial entre as taxas externas de juros e as internas.
Lançado o real, imediatamente o dólar caiu para R$ 0,85, encarecendo da noite para o o dia todos os produtos brasileiros, em relação aos importados.
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Alguns meses antes do lançamento do real, um dos economistas, Winston Fritsch, procurou bancos estrangeiros para encontros reservados, no qual descreveu o movimento que o dólar faria quando o real fosse implementado. Convidava-os a entrar no jogo para reforçar o movimento baixista do dólar já que na outra ponta haveria multinacionais comprando dólares para se prevenir contra o medo da desvalorização do real.
Menos de três meses depois, no entanto, o país já exibia déficits externos relevantes. Se houvesse desvalorização cambial, quebraria grande parte das instituições aliadas dos economistas.
Essa armadilha levou o BC a manter por tempo indeterminado a apreciação do real e a segurar a crise das contas externas com as mais altas taxas de juros do mundo. Como conseqüência, matou o mercado de consumo pujante que estava se formando com o fim da inflação; e gerar a maior dívida pública da história.
Mais que isso, matou o próprio sonho do PSDB de governar o país por 20 anos - no cálculo de seus operadores.
Os quatro primeiros anos de FHC foram sufocados pela dívida criada no setor público e privado e pelo câmbio apreciado, criando um enorme déficit externo, expondo o país a qualquer crise internacional. Bastava uma crise na Rússia para um terremoto se abater sobre o Brasil.
Com o fim da inflação, milhões de brasileiros ascenderam ao mercado de consumo. O governo FHC poderia ter antecipado em quatro anos o fenômeno da nova classe C. Mas as taxas de juros praticadas, para segurar o câmbio, mataram totalmente o dinamismo da economia, obrigando os novos consumidores a refluírem para a zona cinzenta do subconsumo.
Quatro anos depois, o câmbio cobrou a conta na crise da dívida externa que praticamente acabou com o segundo mandato de FHC.
Em 2002 Lula foi eleito, o PSDB alijado do poder e, já extremamente ricos, os economistas do Real trataram de procurar outros barcos para remar.
Vinte anos depois, o PSDB serve de novo de mula para o retorno dos financistas que liquidaram com o partido.

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