Texto escrito por José de Souza Castro
Uma pesquisa no Google feita na tarde desta terça-feira só apontou dois jornais mineiros (AQUI e AQUI) que tenham noticiado a publicação pelo “Diário do Legislativo”, na semana passada, da Proposta de Emenda Parlamentar 68/2014,
assinada por 33 deputados de 13 partidos, todos da base de sustentação
parlamentar do governo mineiro. O objetivo é possibilitar a privatização
de empresas públicas e de economia mista mineiras.
Para tentar romper esse silêncio, o Sindieletro-MG lançou ontem,
em entrevista à imprensa, na sede da Assembleia Legislativa, campanha
contra a privatização das estatais mineiras. Conforme a análise do
sindicato, a PEC libera a privatização das empresas subsidiárias da
Cemig e de outras estatais, como a Cemig Distribuição e a Cemig Geração e
Transmissão. O Estado controla diretamente a Cemig Holding, que
continuaria, portanto, sem poder ser privatizada, mas não suas
subsidiárias – mais de 100! A PEC só não libera a privatização das
empresas controladas diretamente pelo governo.
O
desinteresse aparente dos jornais pode ter muitas explicações. Posso
imaginar algumas, tal como o leitor. O deputado Rogério Correia, do PT,
em artigo publicado na segunda-feira pelo site Conversa Afiada sob o intrigante título “Aecistas vão vender os profetas do Aleijadinho”, faz a seguinte consideração:
"A
PEC 68 é a confissão de um crime contra o patrimônio público previsto
em 2001 por Itamar Franco. Uma ação que só é possível graças à cerca
neoliberal erguida em Minas Gerais por Aécio Neves e aliados, que
ignoram a ideia de que gás, água e energia sejam bens naturais. Colocam
nossos recursos nas mãos de empresas internacionais, como fazem quando
colocam nossas terras à disposição das multinacionais mineradoras. Atuam
retirando do Estado a obrigação de um serviço público de qualidade. Uma
vergonha da política mineira. Na realidade Aécio dá sinais claros ao
mercado do que faria com a Petrobrás. Que o povo nos livre deste mal!"
“Uma
ação que só é possível graças à cerca neoliberal”. A frase de Rogério
Correia, que conhece bem a imprensa mineira, é significativa. Poucos
jornalistas têm conseguido escapar aqui da tal cerca.
Além
deste deputado que ousa fazer oposição aguerrida ao governo tucano em
Minas, o Sindieletro-MG, sindicato dos empregados da Cemig, se preocupa
com essa PEC 68 que começou a rolar enquanto vagas eram disputadas para
as quartas-de-final da Copa do Mundo. É uma proposta de autoria coletiva
(como observa a Assembleia Legislativa após ter informado que o autor é
o deputado Sebastião Costa, do PPS).
É
também significativa essa diluição de responsabilidades, se de fato
está a se praticar “um crime contra o patrimônio público”. Vale saber
quem são os autores da PEC 68 que começou tão silenciosamente sua viagem
furtiva pelos desvãos da política. São os seguintes deputados, tal como
eles assinam na apresentação da PEC, sem os respectivos partidos (e não
há mesmo necessidade, pois todos eles parecem iguais):
Sebastião
Costa, Agostinho Patrus Filho, Antônio Carlos Arantes, Antonio Lerin,
Arlen Santiago, Bonifácio Mourão, Bosco, Braulio Braz, Carlos Mosconi,
Carlos Pimenta, Cássio Soares, Célio Moreira, Dalmo Ribeiro Silva,
Dilzon Melo, Duarte Bechir, Duilio de Castro, Fabiano Tolentino, Gil
Pereira, Gustavo Corrêa, Gustavo Valadares, Hélio Gomes, Inácio Franco,
Ivair Nogueira, Jayro Lessa, João Leite, Lafayette de Andrada, Leonardo
Moreira, Luiz Henrique, Luiz Humberto Carneiro, Marques Abreu, Rômulo
Veneroso, Tiago Ulisses e Tony Carlos.
O Sindieletro-MG teme
que a aprovação dessa PEC abra brecha para a privatização de empresas
que dão emprego a associados do sindicato, sem as salvaguardas do Artigo
14 da Constituição do Estado aprovado em 2001, durante o governo Itamar
Franco. Um governador que conseguiu reverter na Justiça a privatização
da Cemig feita no governo anterior, do tucano Eduardo Azeredo.
Rogério
Correia foi o relator da emenda constitucional de 2001que impediu a
privatização das estatais em Minas, ao exigir lei específica para a
alienação de ações de empresas públicas, além de 3/5 dos votos dos
deputados estaduais e a realização de um referendo popular. “A PEC 68
retira a obrigatoriedade dos 3/5 e do referendo no caso de privatização
de subsidiárias”, critica o deputado petista.
Aprovada
essa PEC, abre-se a porteira. Depois da Gasmig, o primeiro boi, que já
teria um novo acionista controlador escolhido por debaixo dos panos – a
espanhola Gas Natural Fenosa (GNF) – pode passar uma boiada.
Vale
dizer que, por enquanto, a PEC foi apenas apresentada e aceita pela
Mesa da Assembleia. Ela agora terá que passar por duas comissões e por
dois turnos de votação no plenário. No site da ALMG, onde os cidadãos
podem dizer o que pensam sobre cada projeto, há 554 votos contrários a
essa PEC e apenas quatro favoráveis (você pode votar também, AQUI). Se fosse para os representantes do povo ouvirem seus representados, esta PEC jamais passaria.
Rogério
Correia classifica a transferência da Gasmig como uma negociata que “já
foi, inclusive, notificada aos acionistas e ao mercado financeiro,
através de nota à Bolsa de Valores. Embora os termos da sociedade ainda
não tenham sido divulgados, estipula-se que a Gasmig terá apenas 30% da
holding”, diz ele em seu artigo.
É
possível que não seja negociata e que o percentual seja um chute. Mas,
em meio ao silêncio, tão necessário aos que tentam se apropriar de bens
alheios... O recomendável é que se faça um amplo debate, às claras. Como
se sabe, a luz do sol é excelente detergente.
(fonte: http://kikacastro.com.br/2014/07/02/um-silencio-tao-ruidoso-como-a-gritaria-na-copa/)
Nenhum comentário:
Postar um comentário