segunda-feira, 1 de setembro de 2014

CARTOGRAFIA DE UMA PROMESSA POLÍTICA


Aécio Neves se revela, finalmente, quase por inteiro.
Conquistou os mineiros por ter algo de Tancredo, algo de JK. Lula lhe emprestou a tranquilidade para governar oito anos sem oposição em seu Estado. No primeiro ano, foi austero. A partir daí, marketing pesado, programas federais renomeados (como Fome Zero e programas do Ministério do Desenvolvimento Agrário/MDA que se tornaram” Minas Sem Fome”). O acordo com Lula rendeu dividendos para o lulismo, sendo os mais visíveis os comitês Lulécio e Dilmasia.
Os petistas mais afoitos passaram a linha divisória e apressadamente selaram acordo eleitoral que se cristalizou na candidatura quase biônica de Marcio Lacerda. Aécio chegou a propor que Fernando Pimentel assumisse a direção da Agência de Desenvolvimento Metropolitano, logo bombardeada por seus aliados aecistas na Assembleia Legislativa.
A imprensa mineira decidiu não investigar. Raramente se viu tanta docilidade no Brasil democrático. Enfim, tivemos aqui em Minas Gerais nossos engavetadores.
Não adiantou a direção do Sindute publicar a Radiografia da Educação (http://nucleopiratininga.org.br/sindute-mg-lanca-edicao-especial-sobre-a-situacao-da-educacao-no-estado/ ) revelando o descaso com as escolas estaduais mineiras. Não adiantou divulgar os baixos índices de cobertura dos programas sociais dos governos aecistas. Não adiantaram denúncias sobre obras e disputas palacianas envolvendo a construção da sede administrativa. Nada era levado em consideração, numa cortina de ferro que lembrava a censura do mundo soviético. A liberdade de empresa falou mais alto. Foucault se desdobrou para fundamentar sua tese que a pior das censuras é a autocensura. Minas Gerais foi prova viva da correção desta proposição.
Aécio construiu seu nome como gestor a partir de dois pilares, em especial: o comando político dos territórios mineiros por Danilo de Castro e o controle da ação governamental pelas mãos de Antonio Anastasia. Danilo foi a volta da República Velha, da tradição sem grandes inspirações. Um pastiche do coronelismo. Anastasia foi inventivo, redefiniu os contornos da proposta britânica da Nova Gestão Pública. Anastasia, sim, inovou e contribuiu para o debate sobre novos princípios da ação estatal. Algo com um pé no thatcherismo e outro na socialdemocracia. Não importa. Num país tão pobre de inovações em gestão pública, o então secretário de Planejamento oxigenou o debate de uma nota só.
Aécio já revelava tropeços políticos nas eleições municipais. Em 2008, perdeu várias cidades-polo mineiras para o PT. Com efeito, o Sul e Sudoeste de Minas Gerais, a partir de 2008, tornou-se a mesorregião do país com maior número de governantes do PT. Mas a imprensa mineira continuou calada. Não se arriscava a compreender mudanças, tendências, escorregões do poder. Em 2012, procurou reagir. Mas o PSDB perdeu prefeituras e o PT, seu maior adversário, cresceu ainda mais no Sul e na Zona da Mata mineira.
Em 2010, logo após a vitória de Dilma Rousseff, Lula avaliou que chegava a hora de por um ponto final na aliança com o mineiro. Aécio havia cumprido a tarefa de dividir o PSDB. Lula, na ânsia de poder, avaliou que era viável fazer com o PSDB o que havia feito com o DEM e, assim, interditar ainda mais os caminhos das oposições. Antes, chegou a promover dois convites para o neto de Tancredo ingressar no PSB e no PMDB. O PMDB insistiu muito. Em novembro de 2008 já enviava um convite para sua filiação (ver http://noticias.r7.com/brasil/noticias/veja-a-cronologia-da-pre-candidatura-de-aecio-neves-20091217.html ).
A derrota para José Serra, quando da tentativa de ser o candidato tucano às eleições presidenciais, foi outra demonstração de dificuldades do líder mineiro. É verdade que, em terras mineiras, a entrada de Aécio no jogo sempre alterava o curso das eleições. Foi assim com Eliseu Resende, em 2006. Foi assim com Itamar Franco e com Anastasia, em 2010. Em 2006 e 2010, os candidatos aecistas começaram a campanha com baixos índices de intenção de voto mas, com a entrada de Aécio em suas campanhas, saltaram para conquistar os cargos que pleiteavam. O fato é que o movimento errático da liderança aecista, ganhando eleições majoritárias e perdendo nas municipais ou na disputa nacional com outros tucanos, indicava algum descompasso, uma arritmia política.
Até que resolveu dar um salto maior. De promessa, foi se revelando um blefe. Sei que esta frase é áspera. Lembro-me de ter dito o mesmo para um candidato a governador e da sua reação visceral. Mas, em política, Conselheiro Acácio, assim como na obra de Eça de Queirós, é sinônimo de mediocridade.
Talvez, isto que falte ao senador Aécio Neves. Alguém que seja mais áspero e que não adultere a foto da realidade. Blindar tem seu significado na disputa política. Mas, político blindado o tempo todo anestesia seus instintos e inteligência para o jogo, para a improvisação. A blindagem tem o mesmo efeito que a aplicação de botox no rosto: todos sabem que foi utilizado, mas ninguém diz para não ofender. Botox revela, justamente, o que o usuário quer esconder. O rei fica nu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário