por Marcelo Justo
Londres - A poucos dias do referendo sobre a independência da
Escócia, o Reino Unido está à beira de um ataque de nervos. Na Escócia,
os eleitores estão divididos ao meio entre o campo do “Sim” e o do
“Não”, enquanto na fleumática Inglaterra convidam para balançar as
bandeiras britânicas a fim de convencer os vizinhos, pedem a intervenção
da rainha Elizabeth II, e as ações de bancos e empresas e a libra
esterlina caem. Em um gesto desesperado, os líderes dos três principais
partidos britânicos – os Conservadores, do primeiro-ministro David
Cameron, os liberais-democratas e os Trabalhistas - viajaram nesta
quarta-feira (10) à Escócia para convencer o eleitorado a permanecer na
união.
As pesquisas marcam há duas semanas um forte ressurgimento
da intenção de voto a favor da independência. No domingo, chegou ao
clímax quando uma sondagem deu uma leve vantagem ao sim. Assim, a
coalizão conservadora liberal-democrata liderada por David Cameron
saiu prometendo que se a Escócia votasse a favor da permanência na união
com a Inglaterra, consagrada há mais de 300 anos, obteria uma autonomia
muito maior do que a atual, equivalente virtualmente a um federalismo
nos moldes dos Estados Unidos.
Em uma clara afirmação de que a
continuidade do Reino Unido (Inglaterra, Escócia e País de Gales) é uma
“política de Estado”, a oposição trabalhista transmitiu a mesma
mensagem. Seu líder, Ed Miliband, convocou os ingleses para sacudir as
bandeiras britânicas, enquanto o ex-premiê trabalhista Gordon Brown,
escocês de nascimento, saiu em caravana para persuadir o eleitorado com
um plano ultrafederalista de 10 pontos, que seria iniciado um dia após o
referendo.
O apoio dos trabalhistas é fundamental. Os
conservadores e liberais democratas somaram 17% dos votos nas últimas
eleições na Escócia. O premiê David Cameron cultivou um perfil mais
tranquilo na campanha porque os conservadores se transformaram em uma
marca tão tóxica que são uma das principais armas da campanha do “Sim”: a
caracterização “posh” de Cameron bastaria para convencer muitos. Como
disse o líder do Partido Nacionalistas Escocês, Alex Salmond, a visita
de Cameron à Escócia é um ato a favor da independência. E não apenas por
uma questão de distinção e arrogância. O Partido Nacionalista Escocês
levou adiante uma muito exitosa campanha para convencer os escoceses de
que a única maneira de se libertarem dos conservadores é votando pela
independência e que o estatal Serviço Nacional de Saúde, dizimado pela
coalizão, estaria salvo apenas se a Escócia se separasse.
Em
contrapartida, a mensagem do “não” à independência foi negativa e
complacente, antecipando uma sorte do apocalipse econômico ou destacando
as enormes dificuldades que representa. Estas dificuldades existem, sem
dúvidas.
Uma das mais óbvias é que divisa usaria uma Escócia
que administra a libra esterlina desde a união com a Inglaterra em 1707.
Igualmente complexa é a questão da dívida pública britânica: se a
Escócia se tornar independente, quem se responsabilizará da dívida
acumulada pela instituição Inglaterra-Escócia-País de Gales?
Outro
ponto do debate é o petróleo. Desde que em 1964 o governo britânico
outorgou as primeiras licenças para extração de petróleo e gás, a
indústria investiu mais de 700 bilhões de dólares e o Tesouro britânico
recebeu cerca de 350 bilhões de dólares em seus cofres. O impacto não
foi apenas econômico. Politicamente, foi decisivo para o êxito de
Margaret Thatcher, que chegou justamente para se beneficiar da
exploração, mas também para o crescimento do Partido Nacional Escocês,
que passou a ser uma força inexistente nos anos 1950 (aproximadamente 1%
do eleitorado) a uma minoria de peso nos anos 1970 (11% dos votos) e
uma maioria nas eleições autônomas de 2011 (46%).
O SNP disse que
vai custear a independência com uma recuperação dos ganhos do petróleo e
a conformação de um Fundo Soberano para administrar seus benefícios. Em
2010, a Escócia forneceu 67% da demanda de petróleo britânica e 53% da
do gás, mas atualmente, os campos do Mar do Norte se encontram entre os
menos rentáveis do mundo e as reservas a serem descobertas exigirão um
investimento gigantesco.
Os estudos técnicos a respeito dão
resultado segundo a nuance com a qual se olha. Em Londres, estima-se que
no final da década os ganhos tributários do Mar do Norte vai cair pela
metade, enquanto um estudo financiado pela campanha do “Sim” mostra que
esses ganhos poderiam ser seis vezes mais altos.
O impacto
político de um “Sim” é imprevisível. O primeiro-ministro David Cameron
disse que não renunciará, mas que sua posição política ficará muito
enfraquecida.
O nome completo de seu partido é “Conservative and
Unionist Party”: a “unionist”do título deverá ser ratificada por um
referendo que ele mesmo convocou.
As coisas não são mais
promissoras para os trabalhistas. A Escócia esteve sempre muito à
esquerda da Inglaterra e votou pelo trabalhismo até o embate Blair-Brown
e guerra no Iraque, quando se inclinou para os nacionalistas. Dadas as
peculiaridades do sistema eleitoral britânico, as possibilidades de
ganhar dos trabalhistas nas eleições de maio seriam muito afetadas. Por
fim, a negociação de uma separação levará tempo. “Não se conseguirá da
noite para o dia e vai exigir uma negociação árdua. Sequer pode se
descartar que o resultado desta negociação deva ser submetido a outro
referendo. Enquanto isso, muitas regiões da Inglaterra, de Manchester a
Londres, estão se perguntando por que não podem ter a autonomia que o
governo está oferecendo aos escoceses para que não rompam a união com a
Inglaterra e País de Gales”, afirmou o colunista do jornal vespertino
“Evening Standard” Anthony Hilton.
Tradução: Daniella Cambaúva
(fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Escocia-deixa-Reino-Unido-a-beira-de-um-ataque-de-nervos/6/31790)
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