por Afonso Capelas Jr.
É só prestar atenção às capas dos principais jornais e sites de
notícias dos últimos meses para perceber que a velha e, outrora,
esquecida bicicleta virou manchete. Até mesmo os candidatos às eleições
incluíram as magrelas em suas campanhas de governo.
A presidenciável Marina Silva, por exemplo, acaba de assinar em
Brasília uma carta-compromisso pela mobilidade urbana ciclística no país
e pela redução dos impostos para a produção de bikes. Dilma também
pegou carona nas duas rodas e disse que vê com muita simpatia a campanha
pelo IPI zero para bicicletas.
Já o senador
tucano Aloysio Nunes, vice na chapa de Aécio Neves à presidência, num
arroubo de elitismo e uma asquerosa dose de arrogância, vociferou em
enxutos 122 caracteres no Twitter o que acha dos novos caminhos abertos
nas ruas paulistanas: “Delírio autoritário de Haddad: esparrama
ciclofaixas a torto e a direito, provocando revolta nos moradores de
Higienópolis”. Ui…
Para quem não sabe, Higienópolis é um bairro nobre de São Paulo, onde
parcela considerável de seus ilustres moradores diferenciados
recentemente torceu o nariz para a construção de uma estação de metrô.
Agora também não querem ver suas ruas manchadas com o vermelho das
ciclovias.
O fato é que, a despeito da elite enclausurada em seus SUVs pretos
blindados – ou os nem tão favorecidos economicamente, mas felizes
proprietários de automóveis financiados e de vidros escuros –, mais de
80% dos cidadãos paulistanos aprovam a abertura de ciclovias na cidade. É
o que mostra um estudo recente da organização não governamental Rede
Nossa São Paulo.
Diante dessa discussão – saudável para uns, exagerada e inoportuna
para outros – um livro chama a atenção para o fenômeno das bicicletas
nas grandes cidades mundo afora: Bikenomics, How bicycling can save the economy (“Como
andar de bicicleta pode salvar a economia”). Escrito pela cicloativista
e blogueira norte-americana Eleanor Blue, ou simplesmente Elly Blue, a
publicação ainda não traduzida para o português é uma ode ao movimento
em prol das magrelas.
A autora mostra em teorias próprias ou por meio de estatísticas e
depoimentos porque a bicicleta pode nos salvar, não somente de problemas
econômicos, mas também sociais, ambientais, de saúde.
A publicação faz foco, em particular, em dados e exemplos de
norte-americanos que aderiram ao uso das bicicletas como meio de
transporte barato e saudável. Mas indica também como, do ponto de vista
econômico, o ciclismo precisa receber mais atenção de governantes,
economistas e planejadores urbanísticos em qualquer parte do planeta.
Elly Blue considera que, dando mais atenção ao tema, esse impacto
pode ter dimensões favoráveis para as finanças pessoais dos cidadãos. E
até para a economia de cidades, estados e países onde pedalar pode ser
uma atividade viável. Como sugere o título, para a autora, conquistar
mais e mais adeptos do ciclismo como transporte usual diário pode até
tirar países da crise.
Seria exagero? Então por que países europeus como França e Inglaterra
têm cada vez mais investido dinheiro para incentivar o uso da
bicicleta, inclusive com bônus financeiros a quem se dispõe a esquecer o
carro em casa para ir ao trabalho e à escola pedalando?
Óbvio: mais ciclistas e menos carros nas ruas significa menos
despesas com as consequências do trânsito, desde internações em
hospitais por acidentes, até a perda de vidas economicamente ativas. Sem
contar a diminuição de gastos com doenças causadas pela poluição
atmosférica e a melhoria da qualidade da saúde pública.
Até mesmo paraísos do sonho americano de ver a vida por trás do
para-brisas de um automóvel, como Nova York e Detroit, quedaram-se ao
uso das bicicletas.
Detroit foi meca da indústria automobilística norte-americana,
décadas atrás. Falida e à mercê de gangues perigosas a cidade hoje tenta
reerguer-se com a abertura de centenas de quilômetros de ciclovias, já
que é privilegiada por ser plana e extensa.
Semana passada, quase oito mil ciclistas ocuparam as ruas de Detroit
para um passeio que arrecadou dinheiro para a abertura de novas
ciclovias. Quem diria, o músico e ciclista David Byrne, autor do livro Diários de Bicicleta, elegeu Detroit como uma das oito melhores cidades do mundo para pedalar.
Parece indiscutível que a bicicleta, esse veículo simples, inofensivo
e simpático – um dos mais antigos já inventados pelo homem (Leonardo da
Vinci a teria desenhado pela primeira vez no século 16) – está tomando
uma dimensão inegavelmente crucial, em termos globais, nestes tempos de
caos no trânsito das metrópoles.
É isso o que discute o livro de Elly Blue. Ela, aliás, esteve no
Brasil em fevereiro para participar do 3º Fórum Mundial da Bicicleta, em
Curitiba. Visitou também São Paulo e Rio de janeiro. Achou o trânsito
das três capitais assustador.
Elly pedalou no Rio de Janeiro e elogiou as ciclovias, mas confessou
que andar de bicicleta nas ruas da cidade onde elas não existem é uma
experiência horrível.
No geral, se disse encantada com o movimento pelo ciclismo no Brasil. Confessou que em suas palestras de divulgação do seu Bikenomics mundo afora tem sempre citado o bom exemplo brasileiro em favor da popularização do uso das bicicletas.
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