Caríssimos,
Vocês
perderam a eleição. Protagonizaram a campanha mais sórdida jamais
realizada por órgãos de imprensa em toda a história da República, e
assim mesmo perderam. Tentaram envenenar a opinião pública brasileira
contra uma candidatura, distorceram fatos, inventaram outros, e
orquestraram no mesmo diapasão uma opinião seletiva sobre inquéritos
policiais em andamento, atropelando todos os protocolos de
comportamento ético de uma imprensa que, mesmo não sendo nunca imparcial
na opinião, deveria ao menos tentar sê-lo no noticiário.
Entretanto,
não escrevo para celebrar a sua derrota. Muitos já o tem feito. Ao
contrário, tomo a liberdade de lhes escrever pelo cuidado que tenho com o
seu destino. Gosto da alta qualidade material dos produtos que oferecem
à sociedade. As novelas da Globo são sem paralelo no mundo. Os casos de
ficção e mesmo as reportagens especiais são de categoria internacional.
O mesmo se aplica às revistas não ideológicas da Abril. Contudo, tudo
isso está sendo colocado em risco pelo jornalismo sórdido que vocês
praticam.
Tenho
idade para ter visto muitos impérios jornalísticos brasileiros que se
destruíram, ou que foram destruídos pela concorrência. O seu pode ser o
próximo. Vocês, nessa campanha presidencial, ao escolheram um lado com o
sectarismo principista de um Estado Islâmico, foram além da crítica ao
governo para atacar as próprias bases do Estado democrático. Vocês foram
ao extremo de subverter o processo judicial envolvendo o poder da
República que deveria ser o mais respeitado, a Justiça, em maquinações
eleitoreiras rasteiras e macabras. Não fosse a internet, depurando o
noticiário, e vocês teriam ganho.
Sei
que o caminho suicida que escolheram era uma aposta na candidatura que
lhes parecia a mais adequada para tirá-los das dificuldades empresariais
e afastar o risco de uma regulamentação mais democrática da mídia. No
primeiro caso, o fato de ambas as organizações serem os beneficiários
das duas maiores contas de publicidade do governo parece não lhes ser
satisfatório. Ou querem mais ou tem medo de perder o que tem. No segundo
caso, o risco é um marco regulatório que quebre o monopólio de algumas
mídias.
Sim,
porque os verdadeiros democratas brasileiros não querem muito mais do
que aquilo que os norte-americanos têm. Não me consta que a NBC, a ABC
ou a CNN sejam proprietárias de jornais e revistas nos Estados Unidos.
Por outro lado, não me consta que o New York Times ou o Wall Street
Journal sejam donos de televisões e rádios. Quebrar o monopólio
jornalístico da Globo no Brasil não seria diferente do que Cristina
Kirchner fez com o Clarín na Argentina, e isso, é preciso reconhecer,
simplesmente segue o padrão americano e não tem nada a ver com violação
da liberdade de imprensa.
Esta
é uma questão política da mais alta relevância, e se alguém, de um
ponto de vista imparcial, analisa a campanha presidencial que acaba de
ser encerrada encontra amplas justificativas para querer a busca de um
marco regulatório adequado. Entretanto, isso é também uma questão
econômica, tendo em vista a concorrência no mundo da mídia. A
articulação de jornal, televisão e rádio traz óbvias vantagens
comerciais monopolísticas para seu dono, além de um inequívoco poder
político que pode ser manipulado contra concorrentes, mas também contra a
democracia.
Trabalhei
sete anos no Jornal do Brasil até pouco antes do início de sua
decadência. O JB, quando lá entrei no começo dos anos 70, era dono
absoluto do mercado de pequenos anúncios. Quando muitos, e esse era o
caso, era a melhor fonte de receita do jornal porque o anúncio era pago
adiantado na boca do caixa. Pois bem, a certa altura O Globo decidiu
entrar pra valer no mercado de pequenos anúncios. Se fosse jornal contra
jornal, tudo bem. Mas o Globo lançou todo o peso da televisão para
anunciar seus classificados. Aos poucos, liquidou com o negócio do JB,
que não tinha televisão para defender-se.
Esse
pequeno incidente revela o verdadeiro poder dos monopólios midiáticos.
Quando se trata de política, esse poder é multiplicado. Basta lembrar
das consultas obrigatórias que os presidentes faziam a Roberto Marinho
sobre iniciativas importantes no tempo em que ele estava em pleno vigor
físico. Os herdeiros estão longe da habilidade política do pai, e estão
entrando num terreno perigoso de oposição sistemática ao governo. Isso
acontece sobretudo na Veja e, principalmente, no Jornal da Globo.
Quando
William Waack, Carlos Alberto Sardenberg e Arnaldo Jabor extrapolam sua
função de apresentadores e comentaristas para assumirem o papel de
doutrinadores raivosos contra a política externa ou interna do governo,
manipulando descaradamente o noticiário, é, em sua essência, uma
violação das regras de concessão pública de televisão e põem em risco
uma organização que, fora da política, é líder absoluta da produção
audiovisual na América Latina. Acho que interessa a todos os brasileiros
que essa liderança seja conservada e ampliada. Espera-se que o
jornalismo da Globo e de Veja não ponham tudo a perder, não junto ao
governo, mas junto a telespectadores, leitores e anunciantes, sendo
varrido da cena pelo noticiário plural da internet.
J. Carlos de Assis - Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.
http://www.jornalggn.com.br/
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