quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Antropoceno e o custo ecológico




por Antônio de Paiva Moura

A formação lenta da terra se dividiu em extensas eras geológicas. A pré-cambriana durou cerca de 3,5 bilhões de anos, tendo sido a mais aquecida de todas. Depois vieram as eras paleozóica e mesozóica, de 320 a 170 milhões de anos. A era em que vivemos é a cenozóica, tendo começado a 70 milhões de anos. Nesta era corre a fase quaternária, na qual surgiu a espécie humana. A partir da era mesozóica a terra passou por longos períodos glaciais, nos quais ficou coberta de gelo por milhares de anos. A última glaciação teve uma duração de cerca de 100 anos, tendo terminado há 12 mil anos. O termo antropoceno foi usado pela primeira vez pelo cientista prêmio Nobel de Química Paul Crutzem, para enfatizar o efeito da ação humana sobre a natureza. 

            Com a obtenção artificial do fogo os humanos conseguiram sobreviver durante a última glaciação. Passado o referido resfriamento, fazendo amplo uso do fogo, o homem evoluiu para a civilização e o completo domínio sobre a natureza. Começa ai a degradação ambiental que hoje interfere e provoca as lesões e alterações na configuração geológica da terra. A ação humana sobre a natureza agilizou um processo de aquecimento global. O que naturalmente poderia levar um milhão de anos para se realizar, a ação humana encurtou para dez mil anos. O conjunto de todos os fatores ao longo do tempo é que foi determinante para se chegar à situação grave e aflitiva da atualidade. 

            A agricultura deu início à derrubada e queima das matas, mas paralelamente correu a utilização da madeira para construção, fabricação de móveis, embarcações e lenha. O consumo de madeira foi tão grande, que já Idade Média, houve leis regulamentando a derrubada de florestas.  A descoberta da América e sua exploração evidenciou a voracidade do mercantilismo sobre espaços para agricultura, pecuária e jazidas minerais. Basta lembrar que o nome Brasil originou-se da exportação do pau-brasil para produção de pigmentos para a indústria têxtil. A exploração econômica da América proporcionou o acumulação de riquezas na Europa e o desenvolvimento do capitalismo.  No século XVIII as atividades humanas passaram a provocar um grande impacto global no clima e no ecossistema. A invenção do motor a vapor por James Watt, em 1784, é altamente significativa. Tudo passa a ser movido a vapor: máquinas, navios, locomotivas férreas e usinas termoelétricas. O impacto do motor a vapor não é só pelo fato de lançar na atmosfera alta taxa de dióxido de carbono (CO2), mas pelo fato do vapor ser produzido em caldeira movida a lenha. A substituição do vapor pelos combustíveis fósseis e hidrelétricos foi lenta. Até hoje as usinas siderúrgicas do Brasil são movidas a carvão vegetal. O uso de combustíveis fósseis poderia ter diminuído a devastação das florestas, mas em seu lugar vigora o agronegócio. 

            Na análise do historiador Bonneuil (2015) a conquista da hegemonia econômica pelos Estados nações do centro permitiu a supremacia de sua elite capitalista, além da compra da paz social interna, graças à entrada das classes dominadas na sociedade de consumo. Mas isso se realizou à custa do endividamento ecológico, ou seja, de uma troca ecológica desigual com outras regiões do mundo. Os países periféricos, dominados pelo sistema econômico global exportam matéria prima obtidas com depreciação da natureza e recebem bens industrializados, geralmente geradores de danos ambientais. 

            Todo produto destinado à exportação tem um alto custo ecológico. Um exemplo, entre tantos, é o do consumo de um boi, do nascer ao ponto de abate: milhões de litros de água; milhares de toneladas de gramíneas. Imagine o espaço territorial ocupado para produzir alimentos para o rebanho. É importante lembrar que a mudança no clima do Nordeste do Brasil, em parte, se deve ao desmatamento para produção de açúcar para exportação. A criação de gado bovino para corte também começou nessa região. A produção cafeeira foi a grande responsável pela devastação da mata atlântica no Sudeste do Brasil. Na segunda metade do século XX, a Companhia Tijucana, de capital sul-africano, instalou uma enorme draga no meio da calha do Rio Jequitinhonha, em Diamantina, A gigantesca máquina retirava montanhas de areia e cascalho do leito do rio, para extrair diamantes. Essa atividade provocou uma enorme turbulência no rio em toda a sua extensão, matando todos os seus peixes e as matas ciliares. Ninguém sabia como saiam e nem para onde iam os diamantes ali extraídos. A mineração autorizada e também a clandestina, nos afluentes do Jequitinhonha, provocou a diminuição de seu volume de água.  Isso é que se chama custo ecológico. 

            O contundente episódio de rompimento da barragem de contenção de rejeitos de minério das empresas multinacionais Samarco e Vale do Rio Doce, em Mariana, em novembro de 2015, vai provocar a explicitação do fabuloso lucro das mineradoras no Brasil e do enorme prejuízo social e ambiental que deixam.

Referência:
BIONNEUIL, Christophe. Todos somos responsáveis. Le Monde diplomatique Brasil. N. 100, novembro de 2015.               

Nenhum comentário:

Postar um comentário