Vandana Shiva - CommonDreams
Enquanto a Agência Reguladora de Telecomunicações da Índia decide o
futuro do programa “Free Basics”, Mark Zuckerberg está na Índia com um
bilhão de rúpias, em moeda trocada, para fazer sua publicidade. O
programa é um internet.org repaginado
ou, em outras palavras, um sistema em que o Facebook decide qual parte
da internet compõe o pacote básico para os usuários.
A Reliance, parceira
indiana do Facebook na empreitada do Free Basics, é uma megacorporação
indiana com interesses em telecomunicação, energia, alimentos, varejo,
infraestrutura e, é claro, terras. A Reliance obteve territórios para
suas torres rurais de celulares do governo da Índia e tomou terras
de fazendeiros para Zonas Econômicas Especiais através de violência e
golpes. Como resultado e quase sem custo, a Reliance obteve um grande
público rural, semiurbano e suburbano, especialmente fazendeiros. Embora
o Free Basics tenha sido banido (por enquanto), a Reliance continua
oferecendo seu serviço através de suas redes.
Um ataque
corporativo coletivo está em curso globalmente. Tendo já programado suas
ações, veteranos de corporações americanas como Bill Gates estão se
juntando à nova onda de imperialistas filantropos, que inclui Mark
Zuckerberg. É incrível a semelhança nas relações públicas de Gates e
Zuckerberg, perfeitamente ensaiadas, que envolvem um preparo retórico e
doação de fortunas. Qualquer entidade com que os Zuckerbergs se unam
para administrar os 45 bilhões de dólares investidos provavelmente vai
terminar parecendo a Fundação Bill e Melinda Gates; isto é, poderosa o
suficiente para influenciar negociações climáticas, apesar não serem efetivamente responsáveis por nada.
Mas
o que Bill Gates e Mark Zuckerberg teriam a ganhar quando ditam os
termos aos governos do mundo durante a conferência climática? "A
Breakthrough Energy Coalition vai investir em ideias que podem
transformar a maneira como todos nós produzimos e consumimos energia",
escreveu Zuckerberg em sua página no Facebook. Era um anúncio da
Breakthrough Energy Coalition de Bill Gates, um fundo privado com uma
riqueza combinada de centenas de bilhões de dólares de 28 investidores
que irão influenciar a forma como o mundo produz e consome energia.
Ao
mesmo tempo, Gates pressiona para forçar uma agricultura dependente de
insumos químicos, combustíveis fósseis e transgênicos patenteados (#FossilAg) através da Aliança pela Revolução Verde na África
(AGRA). Trata-se de uma tentativa de tornar fazendeiros africanos
dependentes de combústiveis fósseis que deveriam ter permanecido no
subsolo, além de criar uma relação de dependência com as sementes e
petroquímicos da Monsanto.
95% do algodão na Índia pertence à Monsanto Bt Cotton. Em 2015, nas regiões de Punjab até Karnataka, 80% de sua plantação transgênica não vingou
- isso significa que 76% dos produtores afiliados à Bt Cotton estavam
sem algodão na época da colheita. Se tivessem opção, eles teriam trocado
de variedade. Mas o que parece ser uma simples escolha entre sementes
de algodão é na verdade a imposição de uma mesma semente Bt,
comercializada por diferentes companhias com diferentes nomes, compradas
por fazendeiros desesperados que tentam combinações de sementes,
pesticidas, herbicidas e fungicidas - todos com nomes complexos o
bastante para fazê-los se sentir inadequados - até que você não tenha
nenhuma “escolha” a não ser tirar sua própria vida.
O que a Monsanto faz ao empurrar as leis de Direitos de Propriedade Intelectual
(IPR) referentes ao comércio de sementes, Zuckerberg está tentando
fazer com a liberdade de internet da Índia. E, assim como a Monsanto,
ele está prejudicando os indianos mais marginalizados.
O Free
Basics irá limitar o conteúdo da internet para a grande maioria de
usuários indianos. Já de início, o programa afirmou que não irá permitir
conteúdos de vídeo que interfiram nos serviços (leia-se: lucros) das
companhias de telecomunicações - apesar da recomendação da própria
Agência Reguladora de Telecomunicações da Índia de que conteúdo em vídeo
seja acessível a diferentes partes da população.
Uma vez
distribuída como um serviço gratuito, o que impedirá que as companhias
de telecomunicações redefinam o uso da internet para satisfazer seus
próprios interesses e o de seus parceiros? Afinal, a proibição ao Free
Basics não impediu que a Reliance continuasse oferecendo seus serviços
para uma grande base de usuários, muitos deles fazendeiros.
Por
que deveria ficar a cargo de Mark Zuckerberg decidir o que é a internet
para um fazendeiro em Punjab, que acabou de perder 80% de sua colheita
de algodão por conta das sementes transgênicas da Monsanto e cujos
produtos químicos (que foi coagido a usar) falharam completamente?
Deveria a internet permitir que ele se informasse sobre o fracasso das
tecnologias de transgênicos ao redor do mundo, que apenas são mantidas
através de políticas de comércio injustas, ou deveria ela apenas induzir
o uso de outra molécula patenteada em sua plantação?
A ligação
entre o Facebook e a Monsanto é profunda. Os 12 maiores investidores da
Monsanto são os mesmos que os 12 maiores investidores no Facebook,
incluindo o Grupo Vanguard. Esse grupo é um grande investidor da John
Deere, a novo parceira da Monsanto em “tratores inteligentes”,
o que faz com que toda a produção e consumo de alimentos, da semente à
informação, permaneça sob o controle de um pequeno punhado de
investidores.
Não é de surpreender que a página do Facebook
“March Against Monsanto” [Marcha contra a Monsanto], um grande movimento
americano a favor da regulação e rotulagem de transgênicos, foi deletada.
Recentemente
a Índia tem visto uma explosão em varejo online. Desde grande
corporações a pequenos empreendedores, pessoas de todo o país tem podido
vender o que produzem em um mercado previamente inacessível. Artesãos
tem conseguido ampliar seus negócios, fazendas tem encontrado
consumidores mais próximos.
Assim como a Monsanto e suas
sementes patenteadas, Zuckerberg quer não apenas uma fatia, mas toda a
pizza da economia indiana, especialmente seus fazendeiros e camponeses. O
que o monopólio da Monsanto sobre informações climáticas significaria
para fazendeiros escravizados através de um canal do Facebook com acesso
limitado a essas informações? O que isso significaria para a internet e
para a democracia alimentícia?
O direito ao alimento é o direito de escolher o que desejamos comer; saber o que está na nossa comida (#LabelGMOsNOW) e escolher alimentos saborosos e nutritivos - não os poucos alimentos processados que as corporações esperam que consumamos.
O
direito à internet é o direito de escolher quais espaços e mídias nós
acessamos; de escolher aquilo que nos enriquece - e não aquilo que as
companhias pensam que deveria ser o nosso pacote básico.
Nosso
direito de conhecer o que comemos é tão essencial quanto o direito à
informação, qualquer informação. Nosso direito a uma internet aberta é
tão essencial à nossa democracia quanto nosso direito de estocar, trocar
e vender sementes polinizadas.
No eufemismo de Orwell, o
“livre” para Zuckerberg significaria “privatizado”, algo totalmente
diferente de privacidade - uma palavra inclusive estranha a ele. E assim
como em acordos de “livre” comércio definidos por corporações, o Free
Basics significa qualquer coisa menos ‘livre” para os cidadãos. É um
cerceamento de bens essenciais, que deveriam ser acessíveis ao povo,
sejam eles sementes, água, informação ou internet. Os Direitos de
Propriedade Intelectual da Monsanto estão para as sementes como o Free
Basics está para informação.
Tratores inteligentes da John
Deere, utilizados em fazendas que plantam sementes patenteadas pela
Monsanto, tratadas com insumos químicos da Bayer, com informações sobre
clima e solo fornecidas pela Monsanto, transmitidas ao celular do
fazendeiro pela Reliance, conectadas no perfil do Facebook, em terras
pertencentes ao Grupo Vanguard.
Todos os passos de todos os
processos, até o ponto em que você escolhe algo da prateleira de um
supermercado, serão determinados pelos interesses dos mesmos acionistas.
Que tal conversarmos sobre liberdade de escolha?
tradução por Allan Brum
(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/A-profunda-ligacao-entre-a-Monsanto-e-o-Facebook/6/35309)
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