quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O espaço na cidade




Antônio de Paiva Moura

            Conforme relatório da ONU, na atualidade, mais da metade da população mundial vive em cidades. Meio bilhão de habitantes vive em cidades com mais de 10 milhões de habitantes. Até o século dezoito a cidade tinha a função de sustentar os poderes públicos e as organizações religiosas. Mas a partir da revolução industrial, passaram a constituírem centros de produção de mercadorias e serviços. Com isso, as cidades passaram a ser lugares de concentração da força de trabalho, de produção e acumulação de riquezas. Para atender à demanda de trabalho, as cidades passaram a receber enormes quantidades de migrantes. A partir daí passam a exigir e a receber enormes benfeitorias públicas, tornando-se dispendiosas para a sociedade. Como a cidade é palco de atividades econômicas e da vida social, moradia e lazer, ela se torna a arena de disputas de interesses.
            A construção da cidade de Belo Horizonte teve um norte idealista. Privilegiava o cidadão circulando a pé, convivendo e saboreando os elementos naturais em seu entorno: arborização, córregos a céu aberto, espaços não habitados, casas com quintais, parques e a própria configuração das vias públicas. Naquele tempo, Belo Horizonte era chamada cidade jardim. Assim que começaram a se desenvolver outras funções voltadas para a produção e circulação de riquezas, o Parque Municipal perdeu a metade de seu espaço, sendo limitado pela Alameda Ezequiel Dias. Para ceder espaço à circulação de veículos, a Avenida Afonso Pena perdeu as quatro carreiras de frondosos fícus em toda a sua extensão. Nessa marcha de mudança de função da cidade, no início do século vinte e um, houve um fato muito significativo: o centro governamental da Praça da Liberdade mudou-se para o distrito de Venda Nova. A Praça da Liberdade perdeu o caráter social de sua origem, passando a ter a função turística de caráter econômico.
            Até a década de 1980 a região da Savassi (bairro Funcionários) em Belo Horizonte era essencialmente residencial. É significativo o fato de a padaria que deu nome ao bairro ter dado lugar a uma loja de telefonia móvel. Muitos casarões foram demolidos para edificações com fins não residenciais. As atividades econômicas vão tomando espaços e os habitantes vão migrando para lugares distantes.
            Na lógica fordista, o distanciamento do local de trabalho é compensado pela possibilidade de os trabalhadores contarem com transporte coletivo e com condução própria. O mercado de veículos tornou-se o maior e o mais rendoso do mundo. A circulação sobre rodas é vital. Além da necessidade de locomoção, possuir carro representa distinção pessoal, status. A luta por espaço para veículos, em movimento ou estacionados, é tão intensa quanto a luta pelo espaço para moradia e para produção.  As avenidas, vias expressas, viadutos, pontes, cruzamentos e estacionamentos passam cada vez mais a fazer parte da materialidade da cidade apontando para a importância que se dá à circulação e ao automóvel e demais veículos automotivos, em detrimento do pedestre.
            Nas últimas décadas, com a crise da economia mundial com perda para as categorias assalariadas, as cidades revelaram que não são produzidas para as pessoas. A cidade de Nova York, por exemplo, registra mais de 60 mil moradores de rua.
            Os atritos entre condutores de veículos nas vias públicas; atropelamentos de pedestres; acidentes automobilísticos, com alto índice de óbito, resultam da luta por espaço. De acordo com a Lei de Newton, “dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo”.  Um diálogo colérico muito comum no trânsito é aquele que o motorista que trafega atrás buzina exigindo que o da frente desenvolva mais velocidade. Em resposta, o da frente faz um gesto, mandando o de trás passar por cima.

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