Conforme relatório da ONU, na
atualidade, mais da metade da população mundial vive em cidades. Meio bilhão de
habitantes vive em cidades com mais de 10 milhões de habitantes. Até o século
dezoito a cidade tinha a função de sustentar os poderes públicos e as
organizações religiosas. Mas a partir da revolução industrial, passaram a
constituírem centros de produção de mercadorias e serviços. Com isso, as
cidades passaram a ser lugares de concentração da força de trabalho, de
produção e acumulação de riquezas. Para atender à demanda de trabalho, as
cidades passaram a receber enormes quantidades de migrantes. A partir daí
passam a exigir e a receber enormes benfeitorias públicas, tornando-se
dispendiosas para a sociedade. Como a cidade é palco de atividades econômicas e
da vida social, moradia e lazer, ela se torna a arena de disputas de
interesses.
A construção da cidade de Belo
Horizonte teve um norte idealista. Privilegiava o cidadão circulando a pé,
convivendo e saboreando os elementos naturais em seu entorno: arborização,
córregos a céu aberto, espaços não habitados, casas com quintais, parques e a própria
configuração das vias públicas. Naquele tempo, Belo Horizonte era chamada
cidade jardim. Assim que começaram a se desenvolver outras funções voltadas
para a produção e circulação de riquezas, o Parque Municipal perdeu a metade de
seu espaço, sendo limitado pela Alameda Ezequiel Dias. Para ceder espaço à
circulação de veículos, a Avenida Afonso Pena perdeu as quatro carreiras de
frondosos fícus em toda a sua extensão. Nessa marcha de mudança de função da
cidade, no início do século vinte e um, houve um fato muito significativo: o
centro governamental da Praça da Liberdade mudou-se para o distrito de Venda
Nova. A Praça da Liberdade perdeu o caráter social de sua origem, passando a
ter a função turística de caráter econômico.
Até a década de 1980 a região da
Savassi (bairro Funcionários) em Belo Horizonte era essencialmente residencial.
É significativo o fato de a padaria que deu nome ao bairro ter dado lugar a uma
loja de telefonia móvel. Muitos casarões foram demolidos para edificações com
fins não residenciais. As atividades econômicas vão tomando espaços e os
habitantes vão migrando para lugares distantes.
Na lógica fordista, o distanciamento
do local de trabalho é compensado pela possibilidade de os trabalhadores
contarem com transporte coletivo e com condução própria. O mercado de veículos
tornou-se o maior e o mais rendoso do mundo. A circulação sobre rodas é vital.
Além da necessidade de locomoção, possuir carro representa distinção pessoal,
status. A luta por espaço para veículos, em movimento ou estacionados, é tão
intensa quanto a luta pelo espaço para moradia e para produção. As avenidas, vias expressas, viadutos,
pontes, cruzamentos e estacionamentos passam cada vez mais a fazer parte da
materialidade da cidade apontando para a importância que se dá à circulação e
ao automóvel e demais veículos automotivos, em detrimento do pedestre.
Nas últimas décadas, com a crise da
economia mundial com perda para as categorias assalariadas, as cidades
revelaram que não são produzidas para as pessoas. A cidade de Nova York, por
exemplo, registra mais de 60 mil moradores de rua.
Os atritos entre condutores de
veículos nas vias públicas; atropelamentos de pedestres; acidentes
automobilísticos, com alto índice de óbito, resultam da luta por espaço. De
acordo com a Lei de Newton, “dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao
mesmo tempo”. Um diálogo colérico muito
comum no trânsito é aquele que o motorista que trafega atrás buzina exigindo
que o da frente desenvolva mais velocidade. Em resposta, o da frente faz um
gesto, mandando o de trás passar por cima.
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