quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Oitenta e oito mil litros de calda tóxica são utilizados todas as noites no cultivo de fruticultura no Ceará.


“É muito difícil vermos a gravidade dos impactos à saúde desse modelo de desenvolvimento”. O desabafo é da pesquisadora Raquel Rigotto, que há dez anos, junto ao Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde - Tramas, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, tem estudado as implicações do uso de agrotóxicos no cultivo de fruticultura irrigada para a exportação na região do baixo Vale do Rio Jaguaribe, localizada na fronteira do Ceará com o Rio Grande do Norte. Segundo ela, depois de uma série de evidências de que o uso de agrotóxicos tem causado problemas ambientais e à saúde dos trabalhadores e da população local, “tem sido muito difícil constatarmos que o Estado tem sido muito eficiente para atrair os empreendimentos, para produzir material de divulgação, mas incapaz de produzir um material de informação para os agentes comunitários de saúde, para os profissionais das Unidades Básicas e para os profissionais da vigilância”.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por Skype, Raquel informa que o programa governamental de fruticultura desenvolvido na região desde os anos 2000, desapropriou “mais de 13 mil hectares de terra do Jaguaribe/Apodi e uma área semelhante também em Tabuleiro de Russas, com a promessa de que os agricultores familiares seriam depois inseridos no perímetro irrigado”, mas “apenas 19% dos desapropriados conseguiram se instalar no perímetro e tiveram muitas dificuldades de sobreviver ali em função das taxas que tinham que ser pagas, da manutenção da estrutura do perímetro etc.”
Entre os dados da pesquisa desenvolvida por Raquel Rigotto, destacam-se ainda a contaminação da água do aquífero Jandaíra, casos de má-formação congênita em pessoas da comunidade, mortalidade por câncer associada à contaminação por agrotóxicos. “Nós estamos em fase de investigação, neste momento, de cinco casos de crianças com má-formação congênita, que nasceram em uma das comunidades do entorno dessas empresas na Chapada do Apodi no ano de 2015. As más-formações congênitas são agravos de prevalência muito baixa, e ter cinco casos, em um único ano, em uma comunidade que tem em torno de 2.600 pessoas, é um número que chama muito atenção”. Outros estudos, relata a pesquisadora, têm demonstrado “alterações citogenômicas no DNA das células sanguíneas na medula óssea de trabalhadores que atuavam no cultivo da banana expostos a agrotóxicos organofosforados. Dos 50 trabalhadores analisados, 25% já apresentaram alterações no DNA das células sanguíneas, o que nos alerta para a possibilidade do desenvolvimento de neoplasias nesses trabalhadores”.


Raquel Rigotto é graduada em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, especialista em Medicina do Trabalho pela Fundacentro, mestra em Educação pela UFMG e doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Atualmente é professora titular do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da UFC. É conselheira titular do Conselho Nacional de Saúde, participa do GT Saúde e Ambiente da Abrasco e compõe o Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva - Abrasco 2015-2018. Também é membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.
Confira a entrevista.

http://www.ihu.unisinos.br/560860-quatro-milhoes-de-litros-de-calda-toxica-foram-utilizados-em-uma-decada-de-cultivo-de-fruticultura-no-ceara-entrevista-especial-com-raquel-rigotto

 

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