segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Gilmar Mendes ataca Lava Jato e o Judiciário ‘mais caro do mundo’

Texto escrito por José de Souza Castro:

Há muito não concordo com opiniões do ministro Gilmar Mendes, do STF, que neste ano vem presidindo o Tribunal Superior Eleitoral. Nesta segunda feira, 24 de outubro, ele conseguiu, pelo menos, me deixar confuso. Não poderia deixar de concordar com algumas coisas do que ele diz, em entrevista a Mônica Bergamo, relacionadas com o Judiciário e com a Lava Jato.
Razão da desconfiança: a quem interessa de fato a pregação do ministro, com seu costumeiro uso da imprensa.
A seus amigos do PSDB, como Fernando Henrique Cardoso e José Serra, interessaria, por exemplo, esvaziar o poder do juiz Sérgio Moro, agora que o poder político foi retirado do PT. Gilmar Mendes talvez ache necessário estancar a sangria da Lava Jato, antes que seja tarde para os amigos tucanos. Daí, dizer que o combate à corrupção e a Operação Lava Jato estão sendo usados “oportunisticamente” para a defesa de privilégios do Judiciário, do Ministério Público e de outras corporações.


Avança mais um pouco, para condenar a canonização de “práticas ou decisões do juiz Moro e dos procuradores” da força-tarefa que, a partir de Curitiba, vem aterrorizando corruptos e corruptores Brasil afora.
A parte da fala com a qual concordo começa com Gilmar Mendes dizendo que juízes e procuradores que atacam a proposta de lei que pune abuso de autoridades “imaginam que devam ter licença para cometer abusos”.
Em seguida, aquilo que conhecemos bem, mas que não temos ouvido da boca de juízes: “O Judiciário brasileiro é um macrocéfalo com pernas de pau. É o mais caro do mundo. E muito mal estruturado. Há uma distorção completa.”
Entre as distorções, Gilmar Mendes aponta os salários dos juízes: “O governador do Maranhão, Flávio Dino, me disse que não há nenhum desembargador ganhando menos do que R$ 55 mil no Estado. O teto nacional é de R$ 33 mil.” Cita também o governador do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, sobrinho de Tancredo Neves. O Estado tem receita de R$ 34 bilhões e gasta R$ 17 bilhões com 220 mil aposentados, muitos do judiciário, do legislativo e do Ministério Público, diz Gilmar.
É uma loucura que tem método, acrescenta. “Chegou-se ao caos porque se escolheu esse caminho. E isto em razão do quê? De governos débeis, às vezes com base ética frágil, que se curvam às imposições”, diagnostica o ministro sem papas na língua – na imprensa e no plenário do STF e do TSE – que se aproveita do poder que tem para se impor, baseado em fatos ou não.


É com esse destemor que, ainda citando Dornelles, o entrevistado afirma que dificilmente a Assembleia Legislativa do Rio aprovaria medidas necessárias ao equilíbrio das contas públicas, com o corte de regalias do Judiciário, porque está submetida a constrangimentos impostos pelo MP e pelo Judiciário, decorrentes da Lei da Ficha Limpa. “Foi uma surpresa para mim”, acrescenta. “Algo que aparentemente veio para o bem empoderou grupos que transformaram isso num instrumento de chantagem”.
Não foi apenas a Lava Jato que empoderou grupos. Como diz a “Folha de S.Paulo”, neste editorial, todo o Poder Judiciário é “ineficiente e muito caro”, como se constata da “Justiça em Números”, uma publicação recente divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Trecho:
“De 2009 a 2015, aumentou 19,4% o número de autos acumulados, que passou a 73,9 milhões. Apesar de ganhos recentes na produtividade, permanece a impressão de que os magistrados fazem pouco mais que enxugar gelo. (…)  Por aqui, leva-se em média um ano e seis meses para produzir uma sentença de primeira instância. Na Dinamarca, na Estônia, na Áustria e na Holanda, por exemplo, anuncia-se a decisão em menos de cem dias; em Portugal ou na Grécia, a tarefa toma em torno de dois anos. Na Europa, todavia, a prolação da sentença indica que o processo está chegando ao fim; no Brasil, trata-se apenas do começo. Depois dela ainda se somam mais quatro anos e quatro meses, o tempo médio para a decisão ser executada.”
Essa questão não foi tratada por Mônica Bergamo. Seria constrangedora, uma simples lembrança: Gilmar demorou um ano e cinco meses para devolver o pedido de vista da Ação Direta de Inconstitucionalidade que questionava o financiamento empresarial de campanhas eleitorais. Quando devolveu, seu voto contrário à maioria dos ministros do Supremo que já tinham aprovado a Ação não constituía qualquer surpresa: Gilmar Mendes vinha revelando sua posição, nesse tempo todo, em inúmeras entrevistas à imprensa. Voltemos, porém, ao editorial:
“O quadro se torna realmente assustador quando se consideram os custos. O Judiciário brasileiro consome 1,3% do PIB do país. O valor vai a 1,8% se a ele acrescentamos as despesas com os Ministérios Públicos e as Defensorias.
Na Europa, nenhum país investe mais de 1% do PIB no Judiciário. O mais pródigo é a Bélgica, com 0,65%, mas a maioria das nações fica no patamar de 0,3%.
O exemplo externo, infelizmente, pouco reflete aqui. Registra-se no Brasil uma tendência de aumento dos gastos como proporção do PIB. Como comprova o relatório, a alocação de cada vez mais recursos não basta, por si só, para conferir maior efetividade à Justiça.”


Voltando a Gilmar Mendes. O que o move agora? Que tipo de advertência está fazendo aos que, juristas conhecidos, defendem seu “impeachment”, alegando que o ministro vem adotando “comportamento partidário” no Supremo em desfavor do PT, “nomeadamente os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff”, enquanto se mostra leniente em relação a casos de interesse do PSDB?
Eis outro tema que, aparentemente, não interessa a Mônica Bergamo – uma entrevistadora tão ou mais seletiva quanto os juízes Sérgio Moro e Gilmar Mendes.


(fonte:https://kikacastro.com.br/2016/10/25/gilmar-mendes-ataca-lava-jato/#more-13181)

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